Acórdão nº 07B764 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: IEmpresa-A intentou, no dia 7 de Novembro de 2002, contra o Município de Vila Nova de Famalicão, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, a fim de haver dele € 327 209,88 e juros vincendos, com base em documentos particulares relativos a contratos de aquisição de projectos de escultura.

O executado deduziu embargos de executado no dia 2 de Dezembro de 2002, invocando a nulidade dos contratos por falta de cabimento ou dotação orçamental para a despesa e de forma escrita da autorização desta, a ilegitimidade do Presidente da Câmara para a assunção e autorização da mesma por a competência para o efeito se inscrever na Câmara, a omissão de entrega de projectos e a inexistência de venda dos direitos de autor.

Na contestação, a embargada afirmou ter cumprido os contratos com a entrega dos projectos, a caducidade do direito de denúncia, a sua não afectação pelos vícios invocados pela embargante, a não aplicabilidade da alínea i) do nº 1 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo, serem irrecorríveis, por não definitivos, os actos internos do procedimento administrativo pré-contratual, a não afectação pela exigibilidade da obrigação de pagamento do preço pela circunstância de não terem sido vendidos os direitos de autor e a violação do princípio da boa-fé por virtude de o embargante pôr em causa os contratos outorgados pelo seu presidente.

O embargante reclamou com êxito parcial da base instrutória e, realizada a audiência de discussão julgamento, e apresentadas as alegações de direito, foi proferida sentença, no dia 18 de Abril de 2005, por via da qual os embargos foram julgados procedentes e declarada a extinção da execução.

Apelou a embargada e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Setembro de 2006, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a invocação pelo recorrido de ilegalidades procedimentais pré-contratuais por si próprio cometidas, através do Presidente da Câmara, constitui manifesto abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, pelo que deve considerar-se inadmissível; - deve considerar-se não escrita a resposta ao ponto cinco da base instrutória; - o tribunal da primeira instância é incompetente em razão da matéria para conhecer da validade dos actos administrativos do Presidente da Câmara no procedimento administrativo precedente à celebração dos contratos em causa, por não ser uma questão prejudicial, mas principal e, por isso, não abrangida pela extensão da competência; - entre a execução e a oposição não pode haver prejudicialidade, porque naquela não há questão a julgar, do que decorre a sua mera extinção resultante da oposição e não sentença de mérito; - os contratos em causa - de direito privado - não estão afectados pela nulidade de algum acto administrativo procedimental prévio porque a lei não prevê esse efeito quanto aos mesmos, nem o estão autonomamente por não ofenderem qualquer disposição legal; - O artigo 185º do Código do Procedimento Administrativo não é aplicável a contratos de direito privado e, se o fosse, não estavam preenchidos os respectivos pressupostos, por não haver sentença anulatória ou declaração de nulidade proferidas no foro administrativo; - não se verificando os pressupostos de repercussão de invalidade previstos para os contratos administrativos, por maioria de razão se não poderia admitir tal quanto a meros contratos de direito privado; - fosse por via prejudicial ou principal, não poderia ser admitida a impugnação dos actos procedimentais, mesmo na jurisdição administrativa, dada a sua extemporaneidade - Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio; - não podendo a recorrida, por esgotamento do prazo, impugnar o procedimento administrativo no foro administrativo, não pode fazê-lo como meio de defesa no âmbito da jurisdição comum, sob pena de se pôr em causa a estabilidade subjacente ao regime especial previsto naquele diploma; - os artigos 26º, nº 1 e 41º, nºs 4 e 5, do Decreto-Lei nº 341/83, de 21 de Julho, 14º, alínea a), da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, e 16º e 18º do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, aplicam-se aos actos administrativos, mas não nos contratos.

Respondeu o recorrido, em síntese de alegação: - o actual Presidente da Câmara tinha a obrigação de denunciar as irregularidades em obediência ao princípio da legalidade, e de evitar o prejuízo do interesse público da autarquia - artigos 266º, nºs 1 e 2, da Constituição e 4º, nº 2, alíneas a) e b), da Lei nº 29/87, de 30 de Junho; - a matéria alegada nos artigos 44º a 47º da contestação dos embargos constitui mera impugnação motivada, pelo que não há fundamento para se considerar não escrita; - como o tribunal da ordem judicial é competente para a execução, também o é para decidir sobre os vícios do respectivo procedimento pré-contratual, por influírem no juízo de validade da obrigação exequenda, - se o acto com base no qual a Administração contrata é anulado ou declarado nulo com fundamento em violação de regras de direito administrativo, forçoso é que determine a nulidade do contrato dependente subsequente; - não é aplicável na espécie o Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio, porque só o é aos actos administrativos relativos à formação dos contratos de direito público, antes se aplicando o regime jurídico da realização de despesas públicas com a locação e aquisição de bens e serviços.

IIÉ a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1 No dia 8 de Agosto de 2001, AA, na qualidade de Presidente da Câmara de Vila Nova de Famalicão, e o representante da embargada assinaram o escrito inserto a folhas 10 a 13 onde se inscreveu o seguinte: "Projecto Arte Pública - Criação de um Parque/museu de arte contemporânea (escultura / ao ar livre) - Contrato entre a: a) Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e b) Galeria Quadrado Azul, do Porto tendo em vista dotar os jardins e os parques da cidade de V.N. de Famalicão de um parque museu de Arte contemporânea - esculturas ao ar livre. Na sequência dos estudos efectuados, nomeadamente, pela Comissão nomeada pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal em 18 de Março de 1999, integrada pelo arqto BB, Dr. CC e Dr. DD, com o objectivo de promover, - através da arte pública - a requalificação urbana e a valorização artística da cidade, e tendo em conta o relatório elaborado por aquela comissão, que dá conta dos contactos estabelecidos, com vários escultores, os quais visitaram a cidade, e das conclusões a que chegaram sobretudo das carências artísticas, nomeadamente no domínio da arte pública, detectadas na cidade, bem como das propostas formuladas pela Galeria Quadrado Azul, dando conta que ela representa e trabalha com um grupo de escultores dos mais qualificados e representativos da arte contemporânea (ver curriculus anexos e catálogos de exposições por eles efectuados). Assim, ao abrigo do disposto na alínea d), n° 1 do art. 88º do Decreto Lei n° 197/99, de 8 de Janeiro, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, representada pelo seu Presidente AA e a Empresa-A, com o n° de contribuinte 501821783, representada por EE, residente na Rua Miguel Bombarda, ..., ...., Porto celebram entre si o presente contrato o qual fica submetido às seguintes cláusulas: 1.a) A Empresa-A compromete-se a convidar e a entregar à Câmara Municipal o projecto de escultura dos artistas FF, GG, HH, II e JJ, para os locais da cidade constantes da planta desta, que em tempo lhes foi apresentado (ver anexa). b) Mais se compromete a vender os direitos de autor dos referidos projectos à Câmara Municipal. c) Os contratos serão celebrados em função e à medida em que os respectivos projectos foram apresentados à Câmara Municipal. d) Acordam as duas entidades em organizar, de acordo aliás com a proposta formulada no relatório da Comissão, um Simposium de Escultura, o qual decorrerá nos moldes definidos no relatório atrás referido e logo que as peças estejam implantadas. Para tanto, a Galeria Quadrado Azul compromete-se a garantir a presença em V.N. de Famalicão dos escultores autores dos projectos das obras. 2.a) A Câmara Municipal compromete-se a executar as obras necessárias à execução e implantação daquelas peças escultóricas, respeitando os respectivos projectos. b) Mais se compromete a celebrar com a Empresa-A os respectivos contratos de aquisição dos direitos de autor, logo e à medida que os projectos sejam entregues. c) O custo de cada projecto escultórico é sempre igual para cada um dos artistas, sendo 10.000.000$00 para cada um deles. Assim, e tendo em conta que o escultor FF fez a entrega do seu projecto de escultura, a Câmara Municipal pagará à Galeria Quadrado Azul, por este projecto os referidos 10.000.000$00, sendo 10% na celebração do presente contrato e o remanescente em três prestações, trimestrais, a contar da assinatura deste contrato." 2. Eles declararam ainda, que "tendo em conta que a escultora GG fez a entrega do seu projecto de escultura, a Câmara Municipal pagará à Galeria Quadrado Azul, por este projecto, os referidos 10 000 000$, sendo 10% a vencer na data celebração do presente contrato e o remanescente em três prestações trimestrais, a contar da data da assinatura deste contrato, e as três restantes, em 6 de Novembro de 2001, 8 de Fevereiro de 2002 e 8 de Maio de 2002, respectivamente; 3. No dia 29 de Novembro de 2001, AA, na qualidade de Presidente da Câmara de Vila Nova de Famalicão, e o representante da embargada assinaram o escrito que constitui o documento inserto a folhas 14 e 15 junto aos autos que corresponde, no clausulado, ao que consta do ponto 1., supra, com a alteração do nome do escultor que faz a entrega, no caso, II.

  1. No dia 29 de Novembro 2001, AA, na qualidade de Presidente da Câmara de Vila Nova de Famalicão, e o representante da embargada assinaram o escrito inserto a folhas 16 e 17, correspondente ao que consta do...

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