Acórdão nº 06P4596 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução07 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Em processo comum nº. 605/04.0TACBR, da Vara de Competência Mista -1.ª Sec., do Tribunal Judicial de Coimbra, foi submetido a julgamento AA, vindo, a final, a ser condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.e p. pelo artigo 347.º, do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão e, bem assim, a pagar a título de indemnização pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial à vítima BB, a quantia de 15.350,00 €, sendo do montante de 10.350€ aqueles e 5.000 € os últimos, a que acrescem os juros legais desde a data da notificação para contestação do pedido e até ao pagamento integral, como ainda no pagamento da indemnização de 51,00 €, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a notificação do respectivo pedido, aos Hospitais da Universidade de Coimbra.

  1. O arguido, renunciando a alegações orais, inconformado com o teor do decidido, interpôs recurso para este STJ, apresentando na motivação as seguintes conclusões: O acórdão recorrido não tomou em conta circunstâncias influentes na culpa, designadamente desprezando a confissão do arguido, quando afirma que bateu no ofendido mas para se defender das bastonadas.

    Não indicou como relevante a estranha determinação securitária do subchefe, para conduzir um pacífico, porém exaltado, à cela. Não observou as regras da vivência comum e experiência prisional ao não considerar sem sentido a versão do subchefe, que afirmou ter o arguido dito que ele lhe queria roubar o material apreendido .

    O seu comportamento anterior era irrepreensível.

    Não tomou em consideração o facto de o subchefe lhe querer retirar objectos da cela que, antes, não lhe fora proibido deter.

    O que configura conduta abusiva, prepotente e revanchista.

    Não a considera, no mínimo, injusta provocação, um acirrar de estímulo à reacção.

    Não releva o facto da retirada de objectos lhe ter sido feita num clima de forte pressão emocional.

    Não releva o facto de a reacção do arguido ter acontecido num clima de natural terror, receio (exibição desproporcionada de força - três guardas de cassetete) - o que até causou repetida estranheza no tribunal.

    O tribunal não retirou do uso, por oito vezes, da palavra "estranho", nada que levasse ao triunfo do princípio " in dubio pro defendente ".

    O tribunal negou todo o valor probatório à versão do arguido, o que equivale a aplicar um critério arbitrário que introduz discriminação inconstitucional e contrária às exigências de um processo equitativo.

    O montante indemnizatório arbitrado para ressarcimento dos danos não patrimoniais viola qualquer regra de equidade assente nas regras prudenciais, na criteriosa ponderação das realidades da vida e justa medida das coisas.

    Foram violados os art.ºs 71.º, do CP e 33 .º, n.ºs 1 e 2, da CRP.

  2. O Exm.º Procurador da República em 1.ª instância contrariou a tese do recorrente, no mesmo sentido se posicionando o demandante-cível BB.

  3. Neste STJ a Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta sustenta a questão prévia da incompetência deste STJ para o conhecimento do recurso, por versar, também, a reapreciação da matéria de facto.

    Discutida a causa, o tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos: Em Abril de 2004, o arguido era recluso no E.P. de Coimbra.

    "BB" era Guarda Prisional no mesmo Estabelecimento.

    No dia 8 de Abril de 2004, pelas 9h e 15 m, o BB encontrava-se no exercício das suas funções no E.P. de Coimbra, no Gabinete da Ala G da cave, quando foi abordado pelo arguido, exigindo-lhe este que lhe restituísse o material eléctrico que no dia anterior e na sequência de uma busca à cela do mesmo, lhe tinha sido apreendido.

    O ofendido BB explicou-lhe não poder satisfazer o pedido, o que, aliás o arguido sabia, tendo-se gerado entre os dois uma azeda discussão.

    A fim de evitar conflitos e porque o arguido se apresentasse exaltado, o BB chamou os guardas prisionais CC e DD, tendo os três acompanhado o recluso AA até à cela que este ocupava no E.P.

    Aí chegados, o CC e DD ficaram de fora da cela e o arguido entrou na mesma acompanhado do BB, estando a porta aberta.

    Na ocasião várias portas de celas nas proximidades estavam também abertas.

    Ao entrar na cela o BB verificou que o arguido tinha ali vário material que não era permitido, a saber duas mesas e duas cadeiras (em número superior ao permitido pelo regulamento do E.P.).

    Assim porque estava em serviço e no exercício das suas funções o BB começou a retirar tal material para fora da cela do arguido.

    Este ao ver tal ficou exaltado e, procurando impedir o BB de cumprir com as suas funções pegou de repente numa cadeira e, encontrando-se nas costas do BB, desferiu-lhe com ela várias pancadas que o atingiram pelo corpo com especial incidência na cabeça, causando-lhe com isto golpes que começaram a sangrar, dores e as lesões examinadas e descritas nos autos de fls. 13 a 15 e 40 a 42 e fotos de fls. 17, aqui dadas por reproduzidas para todos os efeitos legais, as quais determinaram ao ofendido BB e para a sua cura, um período de 10 dias de doença todos com afectação da capacidade de trabalho geral e todos com afectação da capacidade de trabalho profissional. Ao ver o ofendido BB a sangrar da cabeça, o arguido AA saiu a correr da sua cela começando a correr de forma descontrolada pelos corredores do E.P.

    Não obstante se encontrarem vários guardas-prisionais de serviço ponderando as funções de segurança distribuídas a cada um e porque àquela hora já havia várias celas com as portas abertas, logo sendo importante manter a disciplina no E.P., foi atrás do arguido AA apenas o sub-chefe EE que na ocasião ali estava no exercício das funções que desempenhava como guarda prisional (o mesmo entretanto já faleceu).

    O arguido AA não obstante sentir o EE atrás de si a correr e a gritar-lhe para parar e voltar para a cela continuava a correr pelos corredores do E.P., sempre com o sub-chefe EE no seu encalço.

    A dado passo o EE viu o seu colega FF, também ele guarda prisional e que naquele momento estava de serviço no E.P.C. e pediu-lhe ajuda.

    Assim o FF que estava no Octógono saiu dali e dirigiu-se a correr na direcção onde viu o arguido a fugir e o EE atrás dele.

    O arguido AA quando chegou à Ala C sentiu-se encurralado pelo EE.

    Deste modo quando o FF ali chegou deparou-se com o arguido AA com os pés encostados ao varandim da Ala C, enquanto com as mãos agarrava o sub-chefe EE, empurrando-o e imobilizando-o contra a parede situada em frente ao varandim.

    O arguido AA ao ver o FF, largou o EE e pegou num contentor de lixo que ali se encontrava, de plástico e com capacidade para 120 litros e, pegando nele, atirou-o em direcção ao FF, passando-lhe por perto, mas não o atingindo, procurando deste modo obstar a que este o agarrasse e o levasse para a cela.

    Os dois guardas prisionais - o EE e o FF - juntos e cada um de seu lado, rodearam então o arguido AA e pegando-lhe cada um num braço conseguiram então finalmente agarrá-lo e levá-lo em direcção à cela logrando finalmente e ao fim de tudo o supra descrito repor a ordem no E.P. alterada pelo comportamento supra descrito do arguido.

    O arguido AA à época recluso há já alguns meses no E.P. bem sabia que o BB, EE e FF eram guardas prisionais e que naquele dia e hora ali estavam no exercício das suas funções de fiscalização e manutenção da Ordem no E.P. encontrando-se devidamente identificados e uniformizados.

    O arguido AA quis deste modo impedir o sub-chefe BB de cumprir cabalmente as funções e tarefas que lhe estavam distribuídas.

    Agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas lhe estavam vedadas por lei.

    Mais se provou...

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