Acórdão nº 06S4277 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução07 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório.

AA identificado nos autos, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra Fertagus - Travessia do Tejo, Transportes, S. A., com sede em Lisboa, pedindo que seja declarada a inexistência da causa de caducidade do contrato invocada pela ré, e se considere a cessação do contrato de trabalho com esse fundamento como despedimento ilícito, e, em consequência, seja a ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe uma indemnização substitutiva, e ainda a pagar-lhe em dobro as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, como sanção por despedimento ilícito, e uma indemnização de € 5.000,00 por danos não patrimoniais.

Em sentença de primeira instância, foi a acção julgada procedente, declarando-se ilícito o despedimento, por não subsistir motivo para a cessação da relação laboral por caducidade do contrato, e condenando-se a Ré a reintegrar o autor ao seu serviço, e a pagar-lhe as remunerações vencidas desde a data do despedimento até à efectiva reintegração, bem como a sanção indemnizatória correspondente ao dobro dessas remunerações, por despedimento abusivo, e a indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 3.500,00.

Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o julgado.

É contra esta decisão que se insurge de novo a Ré, através do presente recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: 1. Constitui objecto do presente recurso dilucidar-se se foi ilícita a cessação do contrato de trabalho do Autor, com fundamento na sua incapacidade absoluta e definitiva para a prestação das funções de maquinista (dado que o requisito da superveniência fica demonstrado pela natureza das coisas).

  1. No acórdão em crise, sustenta-se que dos elementos probatórios, leia-se, exames e opiniões médicas constantes dos autos, se colhe que o Autor era (e é) totalmente capaz para o exercício da função de maquinista.

  2. Todavia, tais exames não aferiram as aptidões psico-profisionais próprias do particular desempenho dessa profissão.

  3. Antes se limitaram a concluir que o mesmo não padecia de qualquer patologia ou doença neurológica, conclusões que não foram compreendidas com o seu verdadeiro significado.

  4. Dado que, não importava verificar se o Autor era pessoa sã e saudável, mas se (ainda) detinha aptidão para conduzir comboios.

  5. O que nenhum Tribunal, neste mesmo este Supremo Tribunal pode desmentir é que no dia 29 de Maio de 2003, o Autor foi sujeito a um EEG e evidenciou alterações electroencefalográficas, traduzidas numa actividade lenta inespecífica, em linguagem comum, perdas de consciência ou conhecimento.

  6. Ora, em nenhum dos outros exames realizados posteriormente a essa data, e em que se estriba o Acórdão em apreço, se concluiu, mesmo que de forma imperfeita, que o Autor não evidenciasse alterações electroencefalográficas, dado se recorrer a outras nomenclaturas, tais como "inexistência de qualquer actividade patológica" ou "inexistência de alterações com significado patológico" que por falta de conhecimentos específicos, se desconhece se correspondem a conceitos cientificamente idênticos.

  7. Aliás, em nenhum desses relatórios se afirma que o Autor é apto para conduzir comboios, uma vez não se saber, nem tais documentos explicitam, se o facto de não existir actividade patológica é equivalente a possuir capacidade para condução de comboios.

  8. Contrariamente ao Parecer médico em que se fundou a Recorrente, que é inequívoco na afirmação de que o Autor é inapto para essa profissão.

  9. O.E nem mesmo o Parecer do IML é susceptível de dissipar quaisquer dúvidas, bem pelo contrário.

  10. Com efeito, não consta dos autos, nem se infere do escrito que emitiu, que o IML tivesse sujeito o Autor a algum exame médico, nem mesmo a um simples electroencefalograma, único diagnóstico fundante da prognose de inaptidão, pelo que parece pouco (e tecnicamente reprovável) a emissão de Parecer baseado exclusivamente na observação visual e empírica.

  11. Acresce que a própria opinião emitida pelo IML, por que de nada mais cientificamente se pode falar do que uma mera asserção, se presta a objectiva dúvida, uma vez que tal entidade se limita a enunciar uma premissa.

  12. Ou seja, o IML não afirma (nem poderia afirmar, sob pena de ser objecto de generalizada desconsideração científica) que as alterações electroencefalográficas não constituem causa de incapacidade determinante do juízo de inaptidão para o desempenho das funções de maquinista.

  13. Mas que essas alterações só constituem causa de incapacidade para o exercício das funções de maquinista se associadas a epilepsia ou a outras alterações clínicas.

  14. Verificação essa que, ao que se saiba, o IML não realizou, motivo pelo qual se desconhece se o Autor padecia de epilepsia ou de outras alterações clínicas.

  15. Razão pela qual todas as instâncias e porventura este Supremo Tribunal, caso se baste com a sua confirmação, se têm estribado em argumentos verosímeis e não demonstrados, o que, como mandam os ditames da boa administração, impõe, pelo menos, que tal dúvida seja dissipada junto do IML, o que obrigaria à baixa dos autos para esse efeito.

  16. Certamente que este Supremo Tribunal, consciente da importância em deixar alguém que tem perdas momentâneas de conhecimento, resultado das alterações electroencefalográficas, conduzir um comboio que em diversas alturas do dia transporta milhares de pessoas, não deixará de tomar a decisão que melhor proteja bens invioláveis como são o caso do direito à vida e à integridade física.

  17. De resto, o Senhor Desembargador Relator parece também não ter ficado convencido com os argumentos que elegeu como fundantes da decisão que proferiu, a não ser assim, fica sem se compreender porque havia necessidade da Recorrente demonstrar que a incapacidade era absoluta e definitiva se, como expendeu, nem de incapacidade poderia ser qualificada.

  18. Certo é, como ressalta do aresto citado a esse propósito, não poder a Recorrente obrigar o Autor ao exercício de outras funções, nem era crível que aquele as aceitaria como se colhe do que se provou nos factos 57, 58 e 62.

  19. Sem conceder é juridicamente absurdo, por carecer de base ou sustentação legal, que se tenha confirmado a condenação da Recorrente no pagamento ao Autor do dobro das remunerações vencidas e vincendas, o que só pode ser explicado pelo emoção evidenciada nas expressões utilizadas, desajustadas do actual contexto sócio-economico, o de um País que comemorou vinte anos de integração europeia.

  20. Dado que, como sublinha a Doutrina citada nos acórdão deste Supremo Tribunal a que se faz referência, não se tratou, nem mesmo de forma encapotada, da aplicação de um qualquer sanção disciplinar.

  21. Antes foi o resultado de um processo sério, cometido a uma entidade cientificamente credível e aplicado, não apenas ao Autor, mas aos seus outros dezassete colegas, comos demonstrou.

  22. De resto, se fosse o facto do Autor ter aderido à greve a causa determinante da cessação da relação de trabalho, como se lê apaixonadamente no acórdão em crise, então a Recorrente teria posto fim ao contrato de trabalho de todos os dezanove maquinistas.

  23. Além de se fazer tábua rasa do Regulamento interno da Recorrente segundo o qual sujeita obrigatoriamente a exames médicos todos os maquinistas, e foram todos os que foram sujeitos, que estejam sem conduzir durante mais de 90 dias.

  24. Donde e de boa-fé só se poderá concluir que a Recorrente apenas se norteou por critérios médicos que, obviamente não pode por em causa.

  25. Sempre sem conceder, afigura-se também destituída de base legal, a condenação da Recorrente em indemnizar o Autor por danos não patrimoniais, não porque estes não sejam ressarcíveis, antes por inexistir um dos pressupostos típicos da obrigação de indemnizar, como é o caso da culpa.

  26. Dado como ficou sobejamente demonstrado, a Recorrente apenas se limitou a aplicar ao Autor um regulamento interno que era do seu conhecimento e que ninguém ousará reprovar, dado consubstanciar objectiva preocupação pela regular verificação das aptidões profissionais dos maquinistas, com vista a assegurar a segurança dos passageiros transportados.

  27. Processo esse de verificação de aptidão que foi cometido a uma entidade especializada em Medicina no Trabalho, no caso a UNIMED, como constitui obrigação legal.

  28. Que, de acordo com a discricionariedade e competências técnicas que possui, definiu a bateria de exames necessária à aferição da concreta e específica aptidão funcional para a condução de comboios.

  29. Sendo certo, e ficou demonstrado, que a Recorrente não teve qualquer interferência nem nas várias fases do processo de aferição de aptidão, nem na respectiva decisão final, subscrita por Médico do Trabalho.

  30. Razão pela qual, só por excesso de imaginação se pode admitir a imputação à Recorrente da prática do acto ilícito lesivo e gerador de danos.

  31. Impõe-se, como resulta da argumentação expendida e em nome da boa administração da justiça que, quando se entenda não haver necessidade de ordenar a baixa dos autos para permitir a dissipação das flagrantes dúvidas de que se fez eco, seja revogada a decisão proferida e substituída por outra que julgando procedente o presente recurso, decida pela total improcedência da acção, absolvendo a Recorrente dos pedidos ou, pelo menos, a absolva da condenação no pagamento em dobro da remunerações vencidas e vincendas, ou na condenação em danos não patrimoniais, cujo montante é juridicamente desajustado à respectiva lesão, dado que doutro modo será feita incorrecta...

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