Acórdão nº 06B4384 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA" intentou, no dia 14 de Novembro de 2003, contra BB, acção declarativa constitutiva, com processo especial, pedindo a dissolução do casamento de ambos, com fundamento na violação dos deveres de coabitação, cooperação, respeito e assistência.
Frustrada a tentativa de conciliação, a ré contestou a acção no dia 20 de Janeiro de 2004, afirmando ter sido o autor a contribuir para a sua saída de casa e que ele a havia agredido física e verbalmente e, com base nisso, também pediu, em reconvenção, o divórcio.
Na réplica, o autor negou ter maltratado a ré e afirmou que ela havia mantido relações de sexo com outro homem e lhe ter dito estar apaixonada por outra pessoa.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 20 de Setembro de 2005, por via da qual a ré foi absolvida do pedido e julgada procedente a reconvenção, dissolvido o casamento e o autor declarado o único culpado.
Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Junho de 2006, negou provimento ao recurso.
Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - há insanável contradição entre a fundamentação do acórdão e a respectiva decisão; - impunha-se harmonizar a resposta ao quesito 14º com a fundamentação que lhe está subjacente, circunscrevendo, em qualquer caso, a eventual prática de tais actos ao período de 1999/2000; - se tais factos tivessem ocorrido, o que não acontece, o direito da recorrida de requerer o divórcio com base neles estaria caducado, nos termos do nº 1 do artigo 1786º do Código Civil; - cumpriu o ónus de prova, demonstrando de forma clara e inequívoca que a recorrida abandonou injustificadamente o domicílio conjugal; - foi a recorrida que violou os seus deveres conjugais ao abandonar o domicílio conjugal, assistindo ao recorrente o direito de requerer e de obter o divórcio com tal fundamento; - foi aplicada indevidamente a lei aos factos, violando-se, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 342º, 1672º e 1779º do Código Civil.
II É a seguinte factualidade declarada provada no tribunal recorrido: 1. O autor e a ré contraíram casamento entre si, no dia 18 de Julho de 1985, sem convenção antenupcial.
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Desse casamento tiveram dois filhos: CC, nascido no dia 25 de Julho de 1986, e DD, nascido no dia 19 de Maio de 2000, cujo exercício do poder paternal se encontra regulado.
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Alguns meses após o nascimento do filho DD, o autor agrediu fisicamente a ré no rosto, e, entre 1999 e 2000, apelidou-a de puta e estúpida.
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Nessa dita ocasião, o autor discutia com a Ré em voz alta, publicamente, e repreendia-a de forma ríspida e em voz alta, no local de trabalho de um e de outro, na presença de outras pessoas.
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Em regra, o autor não estava disponível para sair com a família nos fins-de-semana, ou porque havia futebol ou por andar até de madrugada com os amigos.
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Em 16 de Fevereiro de 2003 - um domingo de manhã - a ré comunicou ao autor que ia abandonar a casa do casal nesse mesmo dia, que ia viver para Samora Correia, e que pedira ao pai para a vir buscar, com cuja atitude dela ele ficou surpreendido.
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Nesse dia, a ré foi viver para casa dos seus pais, em Samora Correia, por não aguentar mais o comportamento do autor, e pretendeu levar consigo o filho DD, só não o fazendo porque o autor a impediu.
III A questão essencial decidenda é a de saber se a culpa na dissolução do casamento e esta são exclusivamente imputáveis ao recorrente ou à recorrida.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação formuladas pelo recorrente, a reposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - deve ou não ser alterada a decisão da matéria de facto? - está o acórdão recorrido afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão? - infringiu o acórdão recorrido as regras de distribuição do ónus de prova? - os deveres do recorrente e da recorrida decorrentes do seu casamento em causa no recurso e a sua apreciação pela Relação; - deve ou não declarar-se dissolvido o casamento em causa por culpa exclusiva da recorrida? - síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.
Vejamos de per se cada uma das referidas sub-questões 1.
Comecemos pela análise da questão de saber se deve ou não ser alterada a decisão da matéria de facto? Alegou o recorrente dever harmonizar-se resposta ao quesito 14º da base instrutória com a fundamentação que lhe está subjacente, circunscrevendo, em qualquer caso, a eventual prática de tais actos ao período entre 1999 e 2000.
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