Acórdão nº 07P264 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: AA (1) 1. OS FACTOS No dia 16 de Fevereiro de 2006, cerca das 17:15, o arguido abordou BB (-11Out81), a cerca de 300 metros da paragem do autocarro, no Largo do .., Cabreiros, Braga, quando esta, vinda do colégio, regressava a casa da avó, sita na mesma freguesia, no lugar das .... BB sofre de deficiência mental, razão pela qual frequenta o ensino especial, tendo o arguido conhecimento desse facto, porquanto há já muitos anos a família de BB é cliente da sua mercearia, sita no Lugar do ...., em Cabreiros, Braga. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, que se fazia transportar no veículo com a matrícula DL, Ford Escort 1.3, de que é proprietário, abeirou-se de BB e ofereceu-lhe boleia até à casa da avó, como já tinha feito noutras ocasiões.

BB, reconhecendo o arguido, aceitou e entrou no seu veículo, sentando-se no banco da frente, ao lado dele. O arguido reiniciou a marcha do veículo e, percorridos alguns metros, sem a ter consultado, desviou-se do percurso para a casa da avó desta, virou para um caminho de terra batida e imobilizou o veículo a cerca de 300 metros, num local ermo, sito no lugar de ..., em Cabreiros, Braga. Ali, o arguido despiu a BB, tirando-lhe o casaco, as calças e as cuecas, ao mesmo tempo que lhe passava as mãos pelo corpo, principalmente nos seios e na [vulva], abriu o fecho das suas calças e colocou o pénis de fora. Apesar de BB manifestar o seu desagrado, dizendo-lhe para se afastar e terminar, o arguido prosseguiu a sua conduta, colocando por várias vezes a sua mão na zona dos seios, púbis e [vulva] da ofendida, contra a vontade desta. Decorridos alguns minutos, o arguido ajudou-a a vestir-se e advertiu-a, em tom sério, para não relatar o sucedido a ninguém, senão batia-lhe, causando-lhe desta forma medo e inquietação. Depois, o arguido reiniciou a marcha do seu veículo e retomou o caminho para casa da avó de BB, deixando-a a cerca de trinta metros da entrada. O arguido, sabendo que BB sofre de anomalia psíquica e que por essa razão não avaliaria correctamente a sua verdadeira intenção, convenceu-a a entrar no seu veículo, com o pretexto de que iria levá-la a casa da avó, pretendendo dessa forma deslocá-la para um local ermo a fim de satisfazer os seus impulsos sexuais. Estando consciente de que BB não avaliaria em toda a extensão o sentido e o significado dos actos sexuais referidos, em virtude da anomalia de que padece e, também por esse motivo, não lhe resistiria, o arguido aproveitou-se dessas circunstâncias para satisfazer os seus desejos sexuais. Ao actuar da forma descrita, quis o arguido satisfazer a sua lascívia e obter satisfação sexual, atingindo os sentimentos de decência e decoro de BB. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Não tem antecedentes criminais.

Confessou as suas apuradas condutas. Na data dos factos consumia bebidas alcoólicas em excesso, tendo-se submetido a tratamento de desintoxicação alcoólica. Concluiu o 4.º ano de escolaridade. Dedica-se à exploração de um minimercado. Vive com a esposa.

  1. A condenação Com base nestes factos, a Vara Mista de Braga, em 16Nov06, condenou AA (-18Jan50), como autor de um crime de rapto (artigo 160.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea a), com referência ao artigo 158.º n.º 2 alínea e) do Código Penal), na pena de três anos e seis meses de prisão; pelo cometimento de um crime de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º n.º 1 do Código Penal), na pena um ano e seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos de prisão: Ao arguido vem imputada a prática de um crime de rapto do tipo previsto e punível pelo artigo 160.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) do Código Penal. Este tipo de ilícito concretiza-se na privação da liberdade com uma finalidade específica, qual seja o cometimento de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima. O que caracteriza o crime de rapto e o distingue do crime de sequestro, sendo comum a ambos a privação da liberdade, é que aquele ilícito pressupõe e exige a transferência da vítima de um lugar para outro diferente. E, por outro lado, os meios empregues pelo agente também estão individualizados no tipo como sendo a violência, a ameaça ou a astúcia. Ao nível do elemento subjectivo exige-se o dolo quer relativamente à acção quer ao resultado de privação da liberdade da pessoa transferida, de forma coactiva ou astuciosa, de um lugar para o outro (Comentário Conimbricense, vol. I, p. 428). No caso concreto, o arguido praticou factos integradores deste tipo de crime ao levar a ofendida para um local ermo, desviando o trajecto que conduzia à casa da avó daquela e a onde se disponibilizara a levar a BB, tudo fazendo com a finalidade de praticar com ela actos sexuais, contra a sua vontade. Para concretizar os seus intentos, o arguido serviu-se da confiança que nele depositava a ofendida por ser conhecido da família e já a ter transportado em outras ocasiões sem que nada de semelhante tivesse acontecido, logrando convencer a BB de que o seu propósito era somente de a conduzir para a residência da avó. Além disso, estava o arguido ciente de que a ofendida era portadora de deficiência mental e, por esse motivo, mais fragilizada se apresentava para colocar obstáculos à prossecução dos seus intentos. Agiu por essa forma astuciosamente, privando-a da liberdade de movimentos e conduzindo-a para local onde só ele pretendeu ir, com a finalidade de praticar actos sexuais com a ofendida, contra a vontade desta. Conclui-se, pois, que o arguido cometeu um crime de rapto, que é qualificado pela circunstância de a privação da liberdade ter sido praticada contra pessoa particularmente indefesa em razão de deficiência mental (cf. artigo 160.º n.º 1 alínea b) e n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 158.º n.º 2 alínea e) ambos do Código Penal). Após a ter raptado, o arguido praticou actos de natureza sexual com a ofendida, contra a vontade desta, prevalecendo-se da incapacidade da mesma para lhe opor resistência, em virtude da anomalia psíquica de que padece. Com efeito, o arguido apalpou o corpo da ofendida na zona dos seios, púbis e vagina, contra a vontade dela e aproveitando-se da incapacidade da ofendida reagir eficazmente contra tal conduta. A factualidade descrita integra a prática de crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, porquanto a ofendida estava fragilizada, em razão da anomalia psíquica, para lhe opor obstáculos à prossecução da sua conduta, do que o arguido se aproveitou, considerando-se actos sexuais de relevo aqueles que foram por ele praticados na pessoa da ofendida (cf. artigo 165.º n.º 1 do Código Penal). Na verdade, constitui acto sexual de relevo essencialmente aquele que assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados...

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