Acórdão nº 06S1821 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIO PEREIRA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O Autor AA intentou, em 27 de Janeiro de 2003, a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, contra a R. Empresa-A, em que pediu que:

  1. Se declare a ilicitude do seu despedimento, por inexistência de processo disciplinar; b) Se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de 4.500,00€, a título de indemnização de antiguidade, a quantia de 2.500,00€, a título de retribuição de Outubro e de 21 dias de Novembro de 2002, e juros legais vencidos e vincendos, à taxa legal, além do montante de 10.000,00€, como indemnização por danos morais, e as retribuições mensais de 1.500,00€ cada desde a data de despedimento até à data da sentença, a liquidar em execução desta.

    Alegou, para tal, em síntese: Foi admitido como treinador de voleibol pela Ré, entre 1/10/2002 e 30/6/2003 e desde o início desse período ministrou os treinos à equipa e orientou-a em vários jogos; O contrato não chegou a ser reduzido a escrito devido à crise directiva do clube, embora tivesse sido proposto por escrito pela anterior direcção; No dia 21/11/2002, a Ré fez cessar o contrato, contratando nesse dia novo treinador, situação que causou danos morais ao Autor.

    A R. contestou.

    Impugnou factos da p.i. e disse, em síntese: Não contratou o Autor para a época de 2002/2003, não havendo Direcção entre 24/9/2002 e 13/11/2003, só tendo tomado posse uma Comissão Administrativa em 13/11/2003; Se o Autor participou em treinos e jogos, foi sem conhecimento da Ré; Mesmo considerando a hipótese de existência de vínculo laboral, sempre a rescisão foi efectuada dentro do período experimental.

    Concluiu pela sua absolvição do pedido.

    O A. apresentou resposta que não foi admitida, salvo na parte em que pediu a condenação da R. como litigante de má fé.

    Após julgamento foi proferida, em 15.07.2004, sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo considerado ilícito o despedimento do A., por inexistência de processo disciplinar e condenado a R. a pagar-lhe a quantia global de quarenta e três mil trezentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos (€43.387,50) - sendo 36.387,50€ a título de retribuições intercalares até à data da sentença, 2.500,00€ de retribuições em dívida de Outubro e de 20 dias de Novembro de 2002, e 4.500,00€ de indemnização de antiguidade -, acrescida de juros legais de mora desde a citação.

    E absolveu a R. dos pedidos de indemnização por danos morais e de condenação como litigante de má fé.

    A R. arguiu a nulidade da sentença, arguição que foi desatendida, e apelou, tendo a Relação de Lisboa, por seu acórdão, julgado procedente o recurso, absolvendo a R. dos pedidos em causa na apelação (de declaração da ilicitude do despedimento, de condenação no pagamento das retribuições intercalares e da indemnização de antiguidade) Ficou, pois, a subsistir apenas a condenação da R. no pagamento dos referidos 2.500,00€, de retribuições de Outubro e Novembro de 2002, e a absolvição da R. do pedido de indemnização por danos morais, segmentos decisórios não impugnados em sede da apelação.

    II - Agora inconformado o A., interpôs a presente revista, com as seguintes conclusões: 1ª. O ora recorrente, treinador profissional de voleibol, exerceu essas funções ao serviço da equipa de voleibol sénior da ora recorrida nas épocas desportivas de 1999/2000, 2000/2001 e 2001/2002.

    2ª. O ora recorrente, por compromisso verbal com a recorrida, sob autoridade, direcção, disciplina e fiscalização desta, continuou a prestar as mesmas funções de treinador na época desportiva de 2002/2003; 3ª. Tendo sido despedido pela ora recorrida a 21 de Novembro de 2002; 4ª. A sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal do Trabalho do Funchal, considerou ilícito o despedimento por inexistência previa de processo disciplinar, condenando a recorrida a pagar ao recorrente, entre outras importâncias, as retribuições intercalares; 5ª. O acórdão recorrido, no entendimento de que o despedimento do recorrente ocorreu no período experimental e com abuso de direito, mas sem que se fizesse prova dos danos patrimoniais e não patrimoniais, condenou a recorrida apenas no pagamento de salários em divida; 6ª. O período experimental, ou período de prova, corresponde ao período inicial de execução do contrato (art. 55.° n.°2 da LCCT e 104.° n.°1 do Cód. Trabalho); 7ª. Na matéria de facto dado como provada na sentença de primeira instância e no acórdão recorrido, verifica-se que o recorrente esteve ao serviço da recorrida ao abrigo de contratos de trabalho a termo sucessivos; 8ª. Os dois primeiros relativos às épocas desportivas de 1999/2000 e 2000/2001 formalizados por escrito e num só documento (cfr. documento junto à petição inicial sob o n.° 23); 9ª. Os das épocas desportivas de 2001/2002 e 2002/2003 sem prazo por preterição da formalidade "ad substantiam" de os titular por escrito art. 42.°, n.°1 e 3 da LCCT e 131.° n.°4 do CT); 10ª. Na celebração de contratos de trabalho sucessivos entre as mesmas partes é ilegítima e abusiva a estipulação em cada um deles, à excepção do primeiro, de períodos de experiência - art 28º do D.L. n.° 372-A/75, de 16 de Julho (Ac. da RL., de 04.11.1987 in BMJ, 371.°-535); 11ª. Não obstante dois dos vínculos contratuais a termo não terem sido reduzidos a escrito, deverá considerar-se como único, o contrato que tenha sido objecto de renovação (art. 44.° n.°4 da LCCT e 140.°, n.°5 do CT); 12ª. Caso em que o período experimental ocorreu e esgotou-se no primeiro ano em que o recorrente foi contratado - na época desportiva de 1999/2000; 13ª. Face à matéria de facto dada como provada pode entender-se que estamos na presença de dois contratos autónomos; 14ª. Um reduzido a escrito e, por isso, a termo, e válido para as épocas desportivas de 1999/2000 e 2000/2001 pelo período compreendido entre 02 de Setembro de 1999 e 30 de Junho de 2000 e 02 de Setembro de 2000 e 30 de Junho de 2001 (cfr. cláusula terceira do citado documento junto sob o n.°23); 15ª. O outro, não reduzido a escrito e, por isso, sem termo, válido para as épocas desportivas de 2001/2002 e continuado, sempre sem ser formalizado por escrito, na época desportiva de 2002/2003; 16ª. Ao contrário do que estabeleceu o acórdão recorrido (pág. 18) é a partir da época desportiva de 2001/2002 (e não da época de 2002/2003) que o recorrente deve considerar-se admitido sem termo pela recorrida; 17ª. Ora, o período experimental do contrato de trabalho relativo à época desportiva de 2001/2002 não pode ter deixado de se iniciar no começo da época desportiva de 2001 - 01 de Outubro de 2001 - e cessado 60 ou 180 dias após essa data - período ou tempo inicial de duração do contrato (arts. 55.°, n.°2 da LCCT e 104.° n.°1 do CT).

    18ª. Qualquer que seja o enquadramento legal da relação contratual em apreciação afigura-se inequívoco que à data em que o recorrente é despedido - 21 de Novembro de 2002! - encontrava-se já ultrapassado os prazos de período experimental e, em consequência, foi o mesmo promovido pela recorrida de forma ilícita e fora desse "tempo de prova".

    19ª. No desporto, e em sede de contrato de trabalho do praticante desportivo, uma das questões suscitadas pelo período de prova é, precisamente, o da sua admissibilidade.

    20ª. Neste peculiar sector de actividade, em que a prestação laboral é efectuada perante o público e objecto de ampla cobertura mediática haverá algo para certificar a posteriori que não possa ser certificado a priori - antes ou na celebração do contrato quer pela entidade empregadora, quer pelo trabalhador? 21ª. O regime jurídico do praticante desportivo titulado pela Lei n.° 28/98, de 26 de Junho estabelece, por interpretação extensiva, de que não existe período experimental quando após a extinção de anterior vinculo jurídico - laboral entre as partes, for celebrado novo contrato de trabalho desportivo entre os mesmos sujeitos (art. 11.°, n.°2); 22ª. O mesmo diploma, no n.° 3 do citado art. 11.°, considera cessado o período experimental quando o participante participe pela primeira vez em competição ao serviço da entidade empregadora desportiva (João Leal Amado in "O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo Coimbra Editora, fls. 204 a 212, inclusive).

    23ª. E o art. 11 n.°1 do CCT dos jogadores de Futebol expressamente consagra que apenas poderá estabelecer-se um período experimental no primeiro contrato celebrado entre o mesmo jogador e o mesmo clube." 24ª. No mesmo sentido vai o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Outubro de 1997; 25ª. As semelhanças exteriores e de efeitos jurídicos conduzem-nos à aplicação do regime jurídico dos praticantes desportivos profissionais aos treinadores desportivos profissionais, por recurso à analogia (art. 10.º do Cód. Civil).

    26ª. O recorrente, treinador profissional, sucessivamente contratado a prazo pela recorrida para prestar a actividade profissional pública e mediática de treinador, com currículo profissional notável (cfr. documento junto com a petição inicial sob o n.° 31), treinando e orientando jogos da equipa daquela desde a época desportiva de 1999, a residir na Madeira (local onde se encontra domiciliada a recorrida) há cerca de 10 anos, conhecido e deu a conhecer a todos agentes da modalidade as suas aptidões como treinador de voleibol.

    27ª. Donde, a sua contratação pelo clube recorrente ou terceiro, pela primeira vez ou de forma sucessiva, em bom rigor dispensar até qualquer "período de prova" ou de "experiência".

    28ª. Ao contrário da interpretação expendida no acórdão recorrido a aplicação da lei à matéria de facto provada conduzem-nos a enquadrar o despedimento do recorrente como ilícito, por não sustentado em justa causa e por ausência previa de processo disciplinar, e fora de qualquer período experimental.

    29ª. O acórdão recorrido, ao interpretar e aplicar a lei aos factos assentes como provados como vez, violou, assim, os arts. 12.° n.1, alínea a) e 13.° n.° 1 e 2...

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