Acórdão nº 06S3854 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | SOUSA PEIXOTO |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão contra a BB - Indústria de Pneus, S. A.
, pedindo que o seu despedimento fosse declarado ilícito e a ré condenada a pagar-lhe: a) as retribuições que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, a liquidar em posterior execução da mesmas, ascendendo as já vencidas ao montante de 24.011,52 euros; b) a indemnização por despedimento a liquidar em execução de sentença, mas cujo montante ascende já a 69.033,12 euros; c) as remunerações correspondentes ao trabalho suplementar que prestou, bem como as correspondentes ao descanso compensatório que não lhe foi concedido, de montante superior a 29.036,00 euros; d) os juros de mora referentes às quantias peticionadas contados desde 14 de Agosto de 2003, ou, subsidiariamente, a partir da data da citação.
Em síntese, o autor alegou que foi ilicitamente despedido, não só por inexistência de justa causa, mas também por nulidade do processo disciplinar, prescrição da infracção e caducidade do procedimento disciplinar; que nos últimos cinco anos (de 20 de Maio de 1998 a 20 de Maio de 2003) prestou à ré 1.360 horas de trabalho suplementar que esta não lhe pagou e que a ré não lhe facultou o gozo dos descansos compensatórios correspondentes ao referido trabalho suplementar.
A ré contestou, impugnando a nulidade do processo disciplinar, a prescrição da infracção, a caducidade do procedimento disciplinar e a prestação de trabalho suplementar e sustentando a existência de justa causa.
E, em reconvenção, pediu que o autor fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 10.609,00 euros, correspondente a 10% da retribuição que auferiu nos anos de 2001, 2002 e 2003, alegando que ele tinha trabalhado para outra empresa, durante o seu horário de trabalho.
Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença julgando improcedentes a acção e a reconvenção.
O autor recorreu da sentença, impugnando a decisão de mérito e a decisão proferida sobre a matéria de facto.
O Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedente o recurso no que toca à matéria de facto, mas confirmou a sentença por mera adesão, ao abrigo do disposto no art.º 713.º, n.º 5, do CPC, o que levou o autor a interpor o presente recurso de revista, cuja alegação concluiu da seguinte forma: 1 - Por virtude da ré não haver elaborado nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que imputava ao autor, o processo disciplinar é nulo e, consequentemente, o despedimento é ilícito.
2 - Se, porventura, for entendido que vale a nota de culpa adicional, só a partir desta se suspende o prazo previsto no n.º 1 do art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, pelo que, entretanto, prescreveu o procedimento disciplinar e, em consequência, o despedimento do A. é ilícito.
3 - De qualquer modo, sempre devem ser consideradas prescritos os factos (se tiverem a natureza de infracções disciplinares) narrados nos vários parágrafos da Parte V desta alegação.
4 - Ainda deve ser considerado nulo o processo disciplinar, pelo facto de o mesmo não ter sido facultado ao A., o que determina a ilicitude do despedimento.
5 - Ser, de qualquer modo, declarado ilícito o despedimento do A..
6 - E, em consequência, a R. condenada na reintegração do A., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
7 - Bem como no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença.
8 - O, aliás, douto acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 9.º, 10.º e 12.º do Decreto-lei n.º 64-A/89 de 27/2 e art.º 27.º e 31.º do Decreto-lei n.o 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
A ré contra-alegou defendendo a acerto do julgado e, neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, a que as partes não responderam.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos Os factos dados como provados, com a alteração que lhe foi introduzida pela Relação, são os seguintes: 1 - A R. tem sede e instalações fabris na Rua ..., n.º 00, , Vila Nova de Famalicão e tem por objecto a indústria de fabricação de pneus para veículos, tendo ao seu serviço 1460 trabalhadores.
2 - Nas suas instalações fabris, foi o A. admitido a prestar trabalho, exercendo a sua actividade profissional sob as ordens, direcção e fiscalização da administração da R., no dia 4 de Outubro de 1982.
3 - Exercia as funções no departamento de segurança industrial e ambiente, já que exercia tais funções em toda a parte fabril e coordenava as empresas prestadoras de serviços.
4 - Enquanto prestou trabalho para a empresa R., sempre o A. foi considerado (e é) um trabalhador assíduo, educado, competente e disciplinado.
5 - E auferia a remuneração mensal de € 2.251,08 e, pelo menos, igual montante a título de férias e de Natal.
6 - O A. foi despedido em 14 de Agosto de 2003, mercê de carta registada com aviso de recepção, na qual a R. lhe dava notícia que havia decidido "aplicar-lhe a decisão de despedimento com justa causa com efeitos imediatos", conforme documentos juntos a fls. 8 e 9 (documentos n.os 1 e 2 juntos com a p.i.) e documento junto a fls. 190 e 191 (Relatório Final que faz parte do processo disciplinar junto pela ré, e uma vez que o doc. junto pelo autor sob o n.º 2 - fls. 9 - se mostra incompleto), cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
7 - A R. comunicou ao autor a intenção de proceder ao seu despedimento e, juntamente, remeteu ao A. a nota de culpa, documentos que estão juntos a fls. 11 e de fls. 12 a 16 (doc. junto com a p.i. sob o n.º 4), recebidos em 20 de Maio de 2003, e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente quanto aos factos que nos pontos 1 a 16 da Nota de Culpa são imputados ao arguido.
8 - A ré enviou à Comissão de Trabalhadores cópia da Nota de Culpa enviada ao autor, em 23 de Maio de 2003.
9 - O autor, através de carta registada, em 26 de Maio de 2003, respondeu à nota de culpa, resposta essa que está junta a fls. 149 e 150 (faz parte do processo disciplinar junto aos autos pela ré) e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
10 - A ré enviou ao autor uma Nota de Culpa Adicional, conforme documento que está junto a fls. 17 a fls. 27 (doc. n.º 5 junto com a p. i.), datada de 06/06/2003, que foi recebida pelo autor em 16/06/2003 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
11 - O autor respondeu à nota de culpa adicional, resposta essa que está junta a fls. 173 (faz parte do processo disciplinar junto aos autos pela ré) e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
12 - A Nota de Culpa Adicional foi comunicada à Comissão de Trabalhadores, assim como lhe foi facultada cópia integral do processo disciplinar.
13 - A Comissão de Trabalhadores da empresa ré emitiu parecer final no sentido de não ser adequada a sanção do despedimento, nos termos que constam do documento junto a fls. 10 (doc. junto com a p.i. sob o n.º 3), cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
14 - Nunca a R. anunciou ao A. que tinha à disposição (e onde) qualquer processo disciplinar.
15 - A actividade da ré, nos últimos 15 anos, foi objecto de diversos processos de reestruturação industrial, com vista ao aumento de qualidade dos produtos e do aumento da capacidade produtiva.
16 - De uma capacidade produtiva de 5.000 pneus dia, em 1990, actualmente a Ré produz mais de 40.000 pneus dia e produtos de maior qualidade.
17 - Durante os diversos processos de reestruturação, reorganização e aumento da capacidade produtiva, bem como na sua actual laboração, a ré recorria e recorre a empresas de prestação de serviços.
18 - O A., desde que foi admitido como trabalhador da Ré - 4 de Outubro de 1982 - até 23 de Julho de 2002, desempenhou funções profissionais na Direcção de Recursos Humanos.
19 - No âmbito das suas funções na Direcção de Recursos Humanos, o A. analisava e recolhia elementos sobre os meios humanos necessários ao desenvolvimento dos objectivos de produção da empresa, bem como os diversos projectos de aumento da capacidade produtiva; seleccionava trabalhadores, coligia elementos, preparava processos de contratação de trabalho temporário e também contratos de prestação de serviços, bem como prestação de serviços extra contratos, acompanhava e fiscalizava o seu cumprimento.
20 - Na recolha de elementos para permitir contestar a acção judicial n.º 314/03.8 que correu termos por este tribunal, no dia 22 de Abril de 2003, o A. informou o Director de Recursos Humanos que era trabalhador da "CC - Manutenção de Equipamentos e Instalações Fabris - Unipessoal, L.da.".
21 - O Director de Recursos Humanos - Eng. DD - reuniu com o A. para análise em mais pormenor da petição inicial e para recolha de elementos para apresentação da contestação.
22 - No decurso da reunião, ao analisar as situações relatadas no ponto 6 desta nota de culpa, o arguido assumiu, perante o DRH, que "era trabalhador da CC".
23 - Perante tal declaração o Eng. DD solicitou ao arguido que esclarecesse o que tinha dito, tendo o arguido reafirmado que era trabalhador da CC.
24 - O A. é um trabalhador com licenciatura universitária, portanto com cultura acima da média e exercia na Ré funções de responsabilidade de quadro superior e desempenhou funções executivas na Direcção de Recursos Humanos e depois na Direcção de Segurança Industrial e Ambiente.
25 - A ré não facultou cópia do processo disciplinar ao A, porque este não o pediu.
26 - Até anunciou ao A. a data e local da inquirição das testemunhas indicadas na resposta à nota de culpa, dizendo-lhe que poderia estar presente e até acompanhado de advogado.
27 - O A., como todos os demais quadros superiores e alguns trabalhadores da Ré, não estava sujeito a marcação de cartão de ponto.
28 - A ré nunca pagou ao autor remuneração a título de pagamento de trabalho...
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