Acórdão nº 06P4261 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. "AA", identificado nos autos, veio interpor recurso extraordinário de revisão da decisão do tribunal colectivo do Barreiro (processo n.º 362/01.2 GAMTA), que o condenou pela prática de 4 crimes de abuso sexual de criança, do art. 172.º, n.º 2, 2 crimes de violação, do art. 164.º, n.º 1 e 1 crime de ofensa à integridade física, do art. 143.º, n.º 1, todos do Código Penal (CP), na pena de 20 anos de prisão, posteriormente reduzida por acórdão deste Supremo Tribunal de 17/3/2005, para 16 anos e 6 meses de prisão.

  2. A decisão transitou em julgado em 4/4/2005 (certidão de fls. 26).

  3. O recorrente alegou em síntese que, "em declarações prestadas recentemente pelo arguido ao seu mandatário, não só o mesmo refere encontrar-se absolutamente inocente da quase totalidade dos crimes que lhe são imputados, como ainda várias testemunhas ouvidas em audiência, embora conhecedoras de factos importantes para a defesa, não foram inquiridas sobre os mesmos pelo anterior advogado, sendo certo também que as declarações conjugadas de vários intervenientes processuais ouvidos em audiência parecem provar para a nítida insuficiência da prova, nomeadamente na não identificação cabal do arguido na audiência, da sua personalidade, bem como não foram feitas ou realizadas perícias médicas, bem como não foi levada em conta a prescrição de alguns dos crimes, tudo circunstâncias que fazem duvidar, seriamente da justeza da sua condenação".

    Em consonância com esse entendimento, requereu: - a inquirição de 4 testemunhas já identificadas nos autos, e ainda do perito arrolado; - que se requeresse o envio do relatório clínico de BB, quando ali deu entrada entre 2001 e 2002; - que fosse equacionada a violação do art. 32.º da Constituição, por ter sido impossibilitado o direito de defesa e do contraditório; - que se ponderasse a prescrição do procedimento criminal, tudo na pressuposição que estas seriam novas provas, consubstanciadoras de novos factos.

  4. O recurso foi admitido, tendo o Ministério Público junto do tribunal "a quo" respondido, alegando no sentido de serem indeferidas as diligências requeridas.

    O juiz titular do processo indeferiu a reinquirição das testemunhas e do perito que elaborou o único relatório que foi junto aos autos (fls. 874 a 876 e 901 a 907), que incide sobre a capacidade de testemunhar de CC, cujo depoimento foi considerado, atendendo, todavia, às limitações perceptivas/cognitivas da testemunha.

    Deferiu, no entanto, o requerimento para envio do relatório clínico respeitante à ofendida BB, por considerá-lo relevante, em termos de poder vir a ser considerado facto novo e nova prova com virtualidade para pôr em causa a justiça da condenação, no referente ao crime cometido na pessoa dessa ofendida.

    Como tal, solicitou com urgência ao hospital D. Estefânia o envio do referido relatório, do qual consta que BB foi assistida um única vez - em 21 de Dezembro de 2001 - por via de um coma alcoólico, nele se dando conta que a menor não foi sujeita a nenhum exame especificamente orientado no sentido de averiguar da sua virgindade ou não. Contudo, no exame médico efectuado à entrada da UCIP, consta o seguinte registo clínico: "Sem lesões aparentes na região genital e anal".

  5. Face ao teor de tal relatório, o Sr. Juiz titular do processo, sob promoção do Ministério Público, considerou desnecessária a inquirição da referida BB, tendo tal despacho sido notificado ao recorrente.

  6. Foi prestada a informação a que alude o art. 454.º do CPP, desfavorável à pretensão do recorrente, a qual conclui: Da prova requerida, somos de parecer que não resultaram "factos novos ou meios de prova" para os efeitos da alínea d) do art. 449.º do CPP que permitam levantar dúvidas sobre a justiça da condenação, sendo certo que não basta a afirmação do arguido de que as testemunhas faltaram à verdade, o que apenas poderia constituir fundamento de revisão nos termos da alínea a) daquela disposição legal se essa falsidade fosse reconhecida por sentença transitada em julgado, ou que a vítima BB era virgem à data dos factos, sem qualquer elemento probatório que sustente a afirmação.

    Parece-nos que o recorrente, no seu requerimento, não invoca factos ou elementos de prova que possam sustentar o presente recurso de revisão, por não serem susceptíveis de levantar "graves dúvidas sobre a justiça da condenação".

  7. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público foi igualmente de opinião de que não há fundamento para a pedida revisão: (…) o recorrente, no fundo, não se conforma com a decisão condenatória, debatendo questões já debatidas e apreciadas anteriormente, limitando-se a colocar em crise a apreciação das provas já produzidas em momento oportuno, sem contudo apresentar novos factos ou provas que permitissem sequer supor que algumas dúvidas sérias subsistem sobre a condenação.

    (…) Pode então afirmar-se que a alegação do recorrente não passa disso mesmo, mera alegação de uma inocência com recurso a questões formais já decididas ou irrelevantes, que não é confirmada em termos credíveis pelos elementos dos autos e diligência probatória realizada, mostrando assim que a decisão de condenação do recorrente ao tempo em que foi proferida, e ainda hoje, se atentarmos à factualidade dada como assente não desmentida se apresenta como correcta e justa e, por conseguinte, não se pode ter como configurado o pressuposto fixado na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP - descoberta de novos factos ou meios de prova.

  8. Colhidos os vistos legais, o processo veio à conferência, cumprindo agora decidir.

    II.

  9. Os factos em que assentou a decisão condenatória são os seguintes: 1 - Em data incerta de 1991 ou 1992, o arguido AA conheceu DD (melhor identificada a fls. 433, nascida em 27/02/1981), então com 10/11 anos de idade, por intermédio de uma sua sobrinha, da mesma idade (de nome EE).

    2 - Algum tempo depois, a identificada menor (que à época vivia na mesma Urbanização ..., Moita) passou a frequentar a sua casa, estabelecendo entretanto amizade com sua mulher e filha.

    3 - Nesse contexto, mediante dádivas de importâncias pecuniárias e "guloseimas", AA logrou a frequente ida de DD ao seu escritório, sito à Rua Soeiro Pereira Gomes, ..., .., Urbanização ..., ...., Moita...

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