Acórdão nº 06P3505 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução20 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

1.1.

O arguido AA foi julgado pelo Tribunal Colectivo da comarca de Alijó, no Pº nº 240/04.3GAALJ, sob a acusação de ter praticado um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2-d), do Código Penal e um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artº 6º, nº 1, da Lei 22/97, de 27 de Junho.

A final, o Tribunal decidiu, além do mais: «a) «julgar verificados os elementos típicos, de carácter objectivo, de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos arts. 131 º e 132º, nº 1, ambos do Código Penal, e de um crime de detenção ilegal de arma, p.p. pelo art. 6º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, tendo os respectivos factos sido praticados pelo arguido AA; b) declarar o arguido AA inimputável relativamente à prática de tais factos; c) determinar o internamento do arguido AA em estabelecimento psiquiátrico adequado ao seu tratamento, por período não inferior a 3 (três) anos».

Inconformados, os Assistentes recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, entendendo que não tinham legitimidade para recorrer, rejeitou o recurso pelo acórdão de 19.10.05, fls. 578 e segs.

Desta decisão, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo acórdão de 01.03.06, fls. 649 e segs., lhe deu provimento, em consequência do que anulou o acórdão do Tribunal da Relação e determinou que fosse substituído por outro que conhecesse do objecto do recurso interposto da decisão da 1ª instância, se outra circunstância a tal não obstasse.

O Tribunal da Relação proferiu então o acórdão de 21.06.06, fls. 669 e segs., que julgou improcedente esse recurso.

Ainda não resignados, os Assistentes interpuseram novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo culminado a respectiva motivação com as seguintes conclusões: «I. À excepção daquilo que consta do "Relatório de Exame Médico-Legal" junto de fls. 347 a 350 dos autos, que por sua vez se apoiou no relatório de "Avaliação de Psicologia Forense" junto de fls. 351 a 358, não existe nos autos, nem resultou da prova produzida em audiência o mais pequeno indício susceptível de demonstrar, fundadamente, que o arguido sofresse ou sofra realmente de psicose por delírio de ciúmes; II. Como se lê no próprio acórdão recorrido, que nessa parte transcreve a decisão da 1.ª instância, nas declarações que prestou em audiência, o arguido confessou a factualidade que lhe era imputada, excepto no que se refere às desavenças conjugais (discussões) e aos ciúmes mencionados na acusação; III. Das demais pessoas ouvidas em audiência, foram apenas os assistentes (pais da vítima) os únicos a aludir aos "ciúmes que o arguido sentia em alto grau relativamente à pessoa de sua esposa, o que se traduzia, nomeadamente, em acusações de infidelidade sem qualquer sustentáculo real"; IV. Todas as demais testemunhas inquiridas em sede de julgamento nada referiram quanto a ciúmes e/ou a eventuais comportamentos do arguido em ocasiões anteriores, susceptíveis de revelar a aludida psicose por delírio de ciúme; V. Só tem cabimento falar-se em psicose por delírio de ciúmes quando haja, por parte do agente, uma crença inabalável, devidamente estruturada e não rebatível por qualquer argumentação lógica, de que o cônjuge ou o companheiro(a) é adúltero(a) ou o(a) trai, crença essa que é normalmente exteriorizada por comportamentos típicos ou standard do agente em relação ao seu cônjuge ou companheiro(a), tais como os enunciados de forma meramente exemplificativa no item 7 supra; VI. Quer os simples ciúmes por parte do cônjuge ou companheiro(a) normalmente existentes no seio dos casais, quer as vulgares e frequentes desconfianças de adultério ou traição, ou até mesmo das desconfianças extremas, tipo paranóide, não são suficientes para que possa falar-se de delírio de ciúme; VII. Dado que as conclusões finais do aludido relatório de "Avaliação de Psicologia Forense" e do "Relatório de Exame Médico-Legal" vão muito para além e nada têm a ver com as premissas neles enunciadas, estamos perante meros juízos conclusivos, merecedores de tratamento idêntico ao que é dado à matéria de direito, devendo como tal ser consideradas como não escritas; VIII. Ora, tendo sido precisamente nesses juízos conclusivos que, à semelhança do sucedido na 1.ª instância, também o Tribunal a quo fundou o acórdão recorrido, têm os recorrentes como certo que o mesmo viola frontalmente, entre outras, as normas contidas nos arts. 20.°, n.º 1, e 91.°, n.ºs 1 e 2, ambos do CPenal.; IX. De resto, ainda que porventura assim não venha a ser entendido e se considere - coisa que não se concede e apenas admite por mera cautela de patrocínio - que os dois relatórios periciais supra aludidos não enfermam dos apontados vícios, a verdade é que nem por isso o Tribunal a quo, à semelhança do que também sucedeu na 1.ª instância, deveria ter coonestado e aceite como boas, sem a menor discussão, as conclusões neles expressas; X. Pois se é certo que a prova pericial foi subtraída ao sistema da prova livre que antes vigorava, certo é também que o art. 158.° do CPPen. põe à disposição dos nossos julgadores os necessários instrumentos para evitar a chamada "ditadura" dos peritos e os excessos a que pode conduzir um sistema estrito de prova vinculada; XI. Estando em causa nos presentes autos um dos crimes mais graves e censuráveis previsto e punido pelo nosso Código Penal (uxoricídio), o mínimo que se impunha ao Tribunal a quo é que, em obediência ao princípio da investigação oficiosa no processo penal, consagrado nos arts. 323.°, al. a), e 340.°, n.º 1, ambos do CPPen., procurasse sanar a insuficiência e dissipar as subsequentes dúvidas e interrogações que, para o leigo em psiquiatria e psicologia forenses, inexoravelmente decorrem dos aludidos relatórios periciais, v. g., determinando o recurso a qualquer uma ou até a ambas as vias previstas no art. 158. ° do CPPen.; XII. Uma vez que assim não sucedeu, afigura-se aos aqui recorrentes que sempre haverá, pelo menos, um erro notório na apreciação da prova ou, no mínimo, uma manifesta insuficiência do conjunto da prova carreada para os autos e produzida em audiência para a decisão da matéria de facto provada, v. g., no que concerne à anomalia psíquica de que se entendeu ser o arguido portador e por via da qual foi o mesmo declarado inimputável pela prática dos factos a que os autos se reportam, com o consequente internamento em estabelecimento ao respectivo tratamento, dada a sua perigosidade; XIII. E se é certo que o recurso para o nosso Mais Alto Tribunal das decisões proferidas em recurso pelas Relações visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, certo é também que ao Supremo Tribunal de Justiça cabe sempre o poder/dever de conhecer oficiosamente da existência de qualquer dos vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.° do CPPen., em conformidade com o disposto nos arts. 432.°, aI. b), e 434. ° do mesmo diploma; XIV. E, em tal hipótese, dúvidas não restam quanto à ocorrência dos apontados vícios, que como tal devem ser reconhecidos e declarados, com todas as legais consequências.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.as suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso em conformidade com as conclusões acabadas de alinhar, com todas as legais consequências».

Responderam o Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal recorrido e o Arguido.

O primeiro, depois de identificar as questões suscitadas pelos Recorrentes e de sublinhar que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, nos termos do artº 434º do CPP, considerou, por um lado, que, «ao menos uma parte substancial [do recurso] tem uma incidência factícia» - na medida em que «foca o modo como foi estabelecida a matéria de facto protestando contra uma pretensa insuficiência probatória em audiência de julgamento em 1ª instância, que a Relação corroborou ao aceitar as conclusões periciais no sentido da inimputabilidade criminal do arguido, acusando as instâncias de não terem dado boa tradução ao princípio da investigação, designadamente não aprofundando perante os peritos médicos as razões por que se determinaram»; por outro, que, estando a decisão do Tribunal da 1ª instância «em perfeita harmonia com o juízo pericial estabelecido, o qual se impõe(ôs) ao tribunal, salvo se este o contrariar(sse) e o sobreposer(sse) no plano científico - artº 163º, nºs 1 e 2, CPP - … a decisão não sofre de erro notório na apreciação da prova». E concluiu pelo não provimento do recurso, «a suscitar a sua rejeição».

Por sua vez, o Arguido, sublinhando que os fundamentos do presente recurso são os mesmos do que foi interposto para o Tribunal da Relação, afirma a sua concordância com o que por esta foi decidido, destaca o comportamento processual dos Recorrentes, «passivo, de indiferença, de...

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