Acórdão nº 06S1826 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2006
Magistrado Responsável | VASQUES DINIS |
Data da Resolução | 14 de Dezembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA instaurou, no Tribunal do Trabalho de Braga, contra "TAP Air Portugal, S.A.", acção emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do acréscimo de despesas em deslocações de Braga para o Porto e vice-versa, decorrentes da transferência do local de trabalho da primeira para a segunda cidade, computadas, à data da propositura da acção, em € 25.742,30, e bem assim das despesas posteriores, a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido dos juros vencidos desde a data da petição e até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, que: - Foi admitido ao serviço da Ré em 12 de Agosto de 1957, para exercer as funções de técnico comercial, passando a partir de 1991 a exercer tais funções na delegação da Ré em Braga, cidade onde reside; - Tendo a Ré decidido encerrar a referida delegação, o seu local de trabalho foi transferido para o Porto, onde passou a exercer funções, a partir de 1 de Outubro de 2002; - A transferência acarretou-lhe, e acarreta-lhe, um acréscimo de despesas, nomeadamente em transportes nas deslocações de e para o local de trabalho e no aparcamento, durante o período de trabalho diário, do automóvel que utiliza; - Sendo obrigação da Ré suportar as referidas despesas.
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A Ré contestou, a pugnar pela improcedência da acção, dizendo, no essencial, não estar, por virtude de normas legais, convencionais ou outras, obrigada a pagar tais despesas.
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Na primeira instância, a acção foi julgada improcedente.
Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, julgando a apelação procedente, revogou a sentença e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor, a partir de 1 de Dezembro de 2003, as despesas de deslocação efectuadas, em consequência da transferência do local de trabalho, com a utilização de transportes públicos (comboio ou camioneta), despesas essas a liquidar nos termos do artigo 661.º n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo devidos juros apenas quando a obrigação se tornar líquida, em face do disposto no artigo 805.º n.º 3 do Código Civil.
Discordando desta decisão, ambas as partes vieram pedir revista, tendo formulado, nas respectivas alegações, as conclusões que se transcrevem: A - Do recurso da Ré: 1. A Recorrente decidiu encerrar o seu estabelecimento comercial sito em Braga, tendo comunicado ao Recorrido por carta registada datada de 18 de Setembro de 2001 que poderia optar pela sua transferência para o Porto ou pela rescisão do seu contrato de trabalho nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, então em vigor.
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O ora Recorrido decidiu optar pela sua transferência, não tendo rescindido o seu contrato de trabalho com o direito à indemnização que a lei lhe conferia.
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Ao optar pela sua transferência para o Porto, o A. tinha o direito de exigir àquela que custeasse as despesas feitas por si, directamente impostas pela transferência, conforme decorria do n.º 3 do artigo 24.º da L.C.T..
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A ora Recorrente apenas seria obrigada a custear as despesas directamente impostas pela transferência e que não são manifestamente as que foram peticionadas na acção.
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Da Cláusula 25.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a Recorrente e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, publicado no B.T.E., 1.ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 1997, aplicável à situação em apreço, não decorre qualquer obrigatoriedade da ora Recorrente suportar o acréscimo de despesas do trabalhador com as deslocações para o seu local de trabalho.
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Quando da mudança do local de trabalho que ocorreu em 18 de Setembro de 2001, o ora Recorrido não considerou que a mesma mudança lhe causasse um prejuízo sério.
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O cálculo das despesas não pode ser feito com o critério do Recorrido, mas apenas por um valor compensatório, uma vez que é contrário ao princípio da boa fé e do equilíbrio contratual que a Recorrente fosse obrigada a pagar a título de despesas de deslocação cerca de 1.000€ mensais, quando no ano de 2004 o Recorrido auferia a quantia de 1.324€ de retribuição base.
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O n.º 5 do artigo 315.º do Código do Trabalho, constitui em matéria de transferência um preceito inovador.
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A 2.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil consagra um desvio ao princípio da não retroactividade das leis, impondo a aplicação imediata da lei nova ao conteúdo ou aos efeitos futuros das situações jurídicas constituídas sob o domínio da lei antiga que subsistam à data da entrada em vigor da lei nova.
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Através do artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto, consagra- -se o mesmo desvio ao princípio da não retroactividade, importando a aplicação imediata do novo Código do Trabalho, mesmo aos contratos de trabalho celebrados antes de 1 de Dezembro de 2003.
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Admite a Recorrente que, constituindo a inovação uma alteração sobre o conteúdo da relação jurídica (alteração em matéria de pagamento de despesas resultantes da deslocação da entidade empregadora), o direito consagrado nessa inovação possa ser aplicada, ao abrigo do disposto na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei.
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Se a nova lei aplicável (o n.º 5 do artigo 315.º do Código do Trabalho) regula efectivamente o conteúdo das relações jurídicas atinentes sem atender ao facto que as constituiu, tal faz com que a nova lei seja aplicável aos contratos anteriormente celebrados, mas tal não faz com que se aplique aos factos já antes ocorridos.
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Assim, e como refere o douto voto de vencido a fls 5, "... o momento a atender para fins de direito transitório é aquele em que se produz o facto que desencadeia ou precipita o efeito de direito".
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Considerando que o pressuposto da atribuição (transferência do trabalhador) do direito ao pagamento de despesas já tinha ocorrido quando da entrada em vigor da nova lei (artigo 8.º da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto), esta não poderá ser aplicável aos factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor sob pena de se permitir a efectiva retroactividade das leis.
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A aplicação da lei a contratos celebrados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, não significa que a mesma possa ser aplicável aos factos já totalmente ocorridos ao abrigo da lei anterior.
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Tal solução seria contrária aos mais elementares princípios da segurança jurídica, como seria ainda violadora dos mais basilares princípios do Estado de Direito.
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Termos em que deverá ser revogado o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa(1) do Porto., confirmando-se a Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância.
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O Douto Acórdão ora Recorrido violou, entre outros, o artigo 12.º do Código Civil, artigo 8.º da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto, o disposto na Cláusula 25.ª do AE publicado no B.T.E., 1.ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 1997.
B - Do recurso do Autor: A)- Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto na parte em que apenas condenou a ré a pagar ao autor as despesas de deslocações nos termos do mesmo acórdão a partir de 01/12/2003; B)- Salvo o devido respeito, afigura-se que o acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos preceitos legais atinentes; C)- Ao autor são devidas as despesas de deslocação que este reclama desde a data em que se consumou a transferência do seu local de trabalho, atento o disposto no art.º 24.º, n.º 3, da LCT, o disposto na cláusula 25.ª do AE referido no art.º 3.º da petição inicial e o art.º 13.° da LCT; C)- As despesas a que se refere o art.º 24.º, n.º 3, da LCT, são também as despesas de deslocação em transportes que o trabalhador está obrigado a efectuar em virtude da transferência do seu local de trabalho; D)- A solução de a ré compensar o autor pelo facto de a prestação de trabalho se ter tornado mais onerosa para ele em virtude do aumento dos encargos com as deslocações é mais equitativa, tendo em conta os interesses em jogo - por um lado, a necessidade de manter o contrato de trabalho porque depende dos rendimentos provenientes do seu trabalho para garantir a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar e, de outro lado, a sujeição a um pleito judicial para que lhe fosse reconhecido o direito à indemnização por antiguidade - (neste sentido, vide Ac. Rel. Lisboa de 23/02/1991, in CJ, tomo 1, págs. 206 e ss); E)- Sem conceder sobre o referido nas alíneas anteriores, sempre o autor teria direito, atento o disposto no n.º 4 da cláusula 25.ª e na al. b) do n.º 5 da mesma cláusula do AE referido no art.º 3.º da petição inicial, bem como o disposto no art.º 13.º da LCT, às despesas de deslocações que reclama; F)- Da interpretação conjugada do n.º 4 da cit. cláusula 25.ª com a al. b) do n.º 5 da mesma cláusula resulta claramente que o AE aplicável às relações laborais entre autor e ré quis claramente distinguir as situações em que a transferência do local do trabalho implica a mudança de residência (previstas no seu n.º 5) daquelas outras (previstas no seu n.º 4) em que a transferência não implica mudança de residência, estabelecendo um regime específico para cada uma delas; G)- Nessa conformidade, se a transferência for da iniciativa da empresa e implicar mudança de residência, o trabalhador terá direito a transporte dos haveres julgados indispensáveis para o novo local de trabalho (n.º 5 da cláusula 25.ª); se a transferência for da iniciativa da empresa e não implicar mudança de residência, o trabalhador terá direito às despesas decorrentes da transferência, nomeadamente ao acréscimo de despesas em deslocações para o trabalho (n.º 4 da mesma cláusula...
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