Acórdão nº 06P3770 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução23 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

"AA" foi julgado no âmbito do processo comum colectivo n.º 4/01.6GAAFE, no Tribunal Judicial da comarca de Alfândega da Fé e condenado na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos art.ºs 131.º, 132.º n.ºs 1 e 2, al. h), 22.º, 23.º e 73.º n.º 1, als. a) e b), do Código Penal.

Recorreu dessa condenação para o Tribunal da Relação do Porto, mas aí foi rejeitado o recurso por manifesta improcedência.

  1. O arguido, inconformado, recorreu do acórdão da Relação do Porto para este Supremo Tribunal de Justiça e nas suas desnecessariamente longas conclusões lê-se o seguinte: I. Inconformado o ora Recorrente com a rejeição do recurso, prolatada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, à revelia dos direitos de defesa e do direito ao recurso que ao Recorrente assistem, dele vem interpor recurso de revista com fundamento em erro de julgamento e de direito pela incorrecta aplicação do direito aos factos, e subsequente alteração da qualificação jurídica do tipo de crime em causa, com consequências na determinação da medida da pena concretamente aplicável, conforme normas jurídicas a que seguidamente se alude; II. Como questão prévia, o Recorrente submete à apreciação jurídica do Venerando STJ, a tempestividade do presente recurso, por não ter ainda o ilustre Tribunal da RP decidido sobre a irregularidade ali arguida pelo Recorrente (art.º 123.º do CPP) a qual se consubstancia na irregular notificação do douto parecer do digno MA, a solicitador, que não ao Arguido nem ao seu mandatário como legalmente competiria (art.º 61.° n.º 1 al. b) do mesmo Código).

    1. O que configura evidente violação do disposto no n.º 2 do art.º 417.° do CPP, e fere o exercício do direito ao contraditório, bem como o direito de defesa do Arguido/ Recorrente (art.º 32.° n.ºs 1 e 5 da CRP) de que aquela norma é corolário.

    2. Pese embora já tenha sido suprida a irregularidade de que igualmente padecia a falta de notificação do douto Acórdão, através de ordenada notificação ao anterior mandatário, porque suscitada entretanto a supra aludida irregularidade pela actual mandatária com consequente anulação de todo o posterior processado, cujo conhecimento vem sendo defendido ser de conhecimento oficioso, e que ainda não mereceu qualquer despacho, por forma a evitar a eventual intempestividade do presente recurso, abalança-se o Recorrente a apresentar o seu recurso, o que faz nos moldes subsequentes.

    3. Tem vindo o Colendo STJ a professar a inconstitucionalidade dos Acórdãos que, em detrimento da declarada inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Venerando Tribunal Constitucional, não convidem os recorrentes a aperfeiçoar o recurso a que falte o cumprimento dos ónus impostos pelos n.ºs 2 e 3 do art.º 412.° do CPP.

    4. Ora, no caso em apreço, além de não ter sido o Recorrente notificado para exercitar o seu direito de resposta, como incumbiria ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 417.° do CPP, igualmente não lhe tendo sido dada a oportunidade de corrigir e completar as Conclusões, que se reconhecem insuficientes, veio o douto Acórdão sob censura a, primeiramente considerar suficientes aquelas (e portanto conformes com o aludido preceito legal que impõe os ónus), para depois, e em sede de fundamentação da Decisão, vir a argumentar que o Recorrente não lhes deu cumprimento. O que se afigura como um comportamento ainda mais grave do que aquele que a magnânime Jurisprudência do STJ e do TC tem sancionado, por se configurar como erro de julgamento, padecendo de vicio de contradição, que obedecerá ao reenvio para novo julgamento.

    5. Atentando também contra o preceituado nos art.ºs 426.° (esvaziando de efeito útil a Decisão e o recurso) e 431.°, ambas do Código Processo Penal.

    6. Desvirtuando o primado da verdade material sobre a formal, na medida em que o mesmo não exerce verdadeira reapreciação da matéria de facto como se impunha.

    7. Sofre também o douto Acórdão de vício no que respeita ao processo de formação da convicção das instâncias, questão que aliás se encontra intimamente ligada à matéria que, ao abrigo do disposto no art.º 434.° não é vedado ao Venerando STJ conhecer, sendo por este último sindicável, desde que do texto da Decisão recorrida resulte ou conjugada com as regras de experiência comum - a contradição entre a fundamentação e/ou entre esta e a decisão, ou o erro notório na apreciação da prova (art.º 410 n.º 2.° do CPP).

    8. Entende o Recorrente que ambas as instâncias pecam por terem descurado o apuramento do motivo que terá determinado a prática do crime e erradamente apreciado a prova, uma vez que a certeza e segurança jurídicas, especialmente exigíveis, quando se está perante a condenação em pena privativa da liberdade, imporiam a descoberta da verdade, ao abrigo do princípio do inquisitório e da verdade material que assim saiu ferido.

    9. Falta de apuramento de elemento que se reputa de essencial para a tipificação do crime, para a sua qualificação jurídica com vista ao respectivo enquadramento, em suma, para a aplicação justa da pena.

    10. Bem assim como para a prova da intenção de matar, que deve ser extraída dos elementar objectivos - já que as do faro íntimo são normalmente insondáveis - mas sempre em conjugação com a logicidade do percurso de formação da convicção, tomado este na globalidade da acção infractora, tendo por horizonte a plausibilidade da factualidade sequencial, de molde a não deixar dúvidas razoáveis sobre o tipo de crime em causa.

    11. Facto que não é despiciendo e cujo apuramento não deveria ter sido presumido como foi pelas instâncias, na medida em que aquele iluminaria certamente a intenção que presidira à agressão; se a de agredir para afastar o receio pela integridade de terceiro, no caso do irmão do Arguido de quem depende (como vem provado no ponto 10 da Decisão sobre a Matéria de facto) se, com verdadeira e apropriada intenção de matar, tendo sido erradamente determinada a norma do art.º 131.° do C.P. quando deveria ter sido a do art.º 144.° do mesmo Código.

    12. E, o que é certo, é que o nexo de causalidade que o douto Acórdão da RP subscreveu, transpondo os desentendimentos havidos entre os familiares do Arguido e o Assistente, para a esfera do Recorrente, constitui prática altamente censurável.

    13. Uma vez que, da matéria de facto provada consta, a contrario daquela ilação, tomada esta à revelia da prova na senda de justificar o que motivara a agressão, que o arguido é pessoa pacata e cordata, nunca tendo tido quezílias com os vizinhos.

    14. O que se configura como erro notório na apreciação da prova, por em nada condizer com a realidade, rivalizando com as regras de experiência comuns, em contravenção com o disposto no art.º 127.° do C.P. P.

    15. E fere a sensibilidade jurídica e o senso comum, bem como o princípio do in dubio pro reo a forma ligeira como foi apreciado pelo douto Acórdão recorrido, criando um estado de dúvida razoável (art.º 32.° n.º 2 da CRP).

    16. Sérias dúvidas se colocam efectivamente sobre a decretada intenção de matar, a qual se sustentou na mera presunção de que a utilização de um instrumento contundente e a fractura provocada (que demandou 9 dias hospitalares e 60 de incapacidade para o trabalho) implica necessariamente tal intenção.

    17. tanto mais quanto se questiona se a formação da convicção das instâncias terá sido alicerçada no respeito pela globalidade da prova pericial, sobre se alguém subdotado nas suas capacidades, avaliadas em 44% do QI e com 95% de probabilidades de deformação mental, deficiente portanto, dependente de terceiros para prover à sua subsistência, sem capacidades cognitivas mínimas e ansioso (como se comprova do exame médico-legal) que faz apenas o que lhe mandam (mesmo ponto 10) poderia ter agido livre, voluntária e conscientemente, prevendo que o objecto utilizado poderia resultar na morte (ponto 8).

      XXL. Considerando-se que, não tivesse sido esquecido o documento médico de fls. 8 dos autos, que vem completamente omitido pelas instâncias, comprovativo de anomalia psíquica de oligofrenia de que padece o Arguido, e seguramente a ponderação teria surtido em efeito distinto do decidido, atentando contra o disposto no art.º 127.° do C.P.P.

    18. Mais se sustenta o douto Acórdão no exame directo do alegado instrumento do crime, ainda que levado a cabo por entidade inabilitada para tanto, que mais não fez do que o descrever fisicamente e sem que os vestígios em que igualmente se apoia o sobredito Acórdão fossem analisados.

    19. Merece o douto Acórdão recorrido um especial reparo no tocante à errada subsunção dos factos ao direito.

    20. Bem como nas restantes questões que se submetem a ponderada e mais justa aplicação, respeitantes à qualificação jurídica do tipo de crime em causa, à inverificada especial censurabilidade ou perversidade da conduta da agente e consequentemente à determinação da medida concreta da pena, balizados pelos fins legalmente estatuídos, visando a aplicação de pena concreta mais adequada, justa e equitativa do que aquela que foi aplicada e se reputa de desproporcionada.

    21. Afastada a intenção de matar, é bem mais consonante com a prática da vida e com a dinâmica dos factos tal como vêm provados, com inexistência de móbil e de ter sido desferido um só golpe, a qualificação do tipo de crime de acordo com a intenção de ofender, e consequentemente o enquadramento jurídico daqueles no dispositivo legal que a confina à ofensa da integridade física (art.º 144.° do C.P.).

    22. Ou, quando muito, e se assim não se entender, qualificar a prática do agente como integrativa do homicídio simples (art.º 131.° do C.P.).

    23. Pois que os elementos da culpa não são elementos do tipo de crime, como parece ressaltar confundido do conteúdo do douto Acórdão.

    24. Sendo que este perpetua a injustiça de considerar verificados os elementos agravativos da conduta do agente, o que no caso concreto não acolhe.

    25. Já que o meio utilizado pelo agente não pode...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT