Acórdão nº 06B4160 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução23 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA" intentou, no dia 10 de Março de 2003, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a restituir-lhe em dobro a quantia que lhe entregou, no montante global de € 26 176,91, ou subsidiariamente, a entregar-lhe € 13 088,46 e, a título de enriquecimento sem causa, a pagar-lhe o valor dos rendimentos que poderia ter auferido se tivesse efectuado a aplicação financeira daquela quantia computada pelos juros bancários de depósito a prazo de dois anos desde a data do contrato promessa até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.

Fundamentou a sua pretensão no incumprimento pelo réu, como promitente vendedor, de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma do edifício sito na freguesia de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, por virtude de a ter vendido a CC.

Em contestação, afirmou o réu que se limitou a negociar directamente com DD a quem a autora disse ter vendido a sua posição contratual e de quem tinha recebido o valor do sinal que ela lhe havia entregue e o lucro pretendido e na pretensão de DD de desistir do negócio e na entrega àquele, por acordo, € 22 445.

E, pediu a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização a fixar em execução de sentença pelos prejuízos que lhe advenham da acção, e, na réplica, aquela ampliou a causa de pedir e inseriu um pedido subsidiário, pedindo a condenação do réu a indemnizá-la por litigância de má fé pelo montante de € 2 000.

A autora requereu no início da audiência de discussão e julgamento que não fosse admitida a prova testemunhal aos quesitos 1º e 2º da base instrutória, o que, após oposição do réu, veio a ser indeferido por despacho de que ela agravou.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 27 de Abril de 2005, por via da qual o réu foi absolvido dos pedidos.

Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 19 de Junho de 2006, negou provimento aos recursos de agravo e de apelação.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão fez errado enquadramento dos factos do contrato-promessa de cessão da posição contratual: - a recorrente e o promitente cessionário subordinaram a sua vontade de posteriormente ceder a sua posição contratual a determinadas condições; - não houve contrato de cessão contratual antes da escritura e não houve escritura de compra e venda entre o promitente vendedor e a recorrente e o promitente cessionário; - o contrato-promessa só podia modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes reduzido a escrito, e foram violados os artigos 376º, nº 1 e 425º do Código Civil; - devia ser declarado nulo ou ineficaz em relação à recorrente o alegado contrato de cessão de posição contratual por falta da forma legalmente prevista; - o acórdão recorrido violou os artigos 376º, nº 1, e 425º do Código Civil, fazendo inadequada aplicação do direito aos factos; - a aquisição provisória do imóvel por outrem ocorreu no dia 9 de Outubro de 2000, o que revela que o recorrente mentiu na contestação, porque a desistência do promitente cessionário verificou-se em Setembro de 2002, e as instâncias não se pronunciaram sobre esta matéria; - o facto provado por testemunhas visto à luz do alegado pelo recorrido contradiz o documento certificado pela Conservatória do Registo Predial; - as instâncias não analisaram o conteúdo do facto contido na certidão do registo predial subalternizando a prova documental, devendo o acórdão ser substituído por outro que julgue a acção procedente.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. O réu e a autora declararam, por escrito particular, no dia 7 de Outubro de 1997: - o primeiro prometer vender e a última prometer comprar, livre de ónus e encargos, pelo preço de € 65 442,28 a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra H 16, sita no 2º andar do edifício composto por cave, rés do chão, primeiro e segundo andar, sito na Rua Nuno Álvares, freguesia de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, com o processo de construção n.º 197/97, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 9715, correspondente à fracção "Q", descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 01304/140497; - ser o preço pago da seguinte forma: a) correspondente a € 13 088,46 como sinal e princípio de pagamento b) correspondente a € 52 353, 83 como último pagamento na data da outorga da escritura de compra e venda, e ter o réu recebido a quantia mencionada sob a) no acto da assinatura do contrato promessa; - dever a escritura pública ser marcada pelo réu, tendo para isso que avisar a autora, por carta registada, do local, data e hora da sua realização, com oito dias de antecedência, a ocorrer provavelmente até 30 de Outubro de 1999.

  1. No dia 30 de Agosto de 1999, a autora e DD declararam, por via de escrito particular, denominado contrato promessa de cessão de posição contratual, além do mais que aqui não releva: - a primeira contraente prometer ceder ao segundo, e este, por sua vez prometer adquirir-lhe por cessão, por 16 000 000$, a posição contratual que ela cedente detém no contrato promessa, e ela, como sinal e princípio de pagamento, receber dele, nessa data, 1 500 000$ do preço de cessão; - ser o pagamento da quantia referida efectuado mediante empréstimo que, para o efeito, o segundo contraente já solicitou a uma instituição de crédito, e, no caso do aludido empréstimo não vier a ser concedido, ficar este contrato sem efeito, cessando, deste modo, todos os seus efeitos entre as partes contraentes e não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização por esse facto; - obrigar-se o segundo contraente a comunicar por escrito e de imediato à primeira contraente o indeferimento acima referido, produzindo a aludida cessação deste contrato todos os seus efeitos a partir do recebimento dessa comunicação por parte da primeira; - dever a primeira contraente receber ainda do segundo contraente a quantia de 1 625 000$ até de 31 de Setembro de 1999, e a restante quantia em dívida relativa ao preço desta cessão, no valor de 2 379 000$, ser paga pelo segundo contraente aquando da outorga do prometido contrato de cessão da posição contratual referida, ou no acto da outorga da escritura pública de compra e venda entre o aqui promitente cessionário e o promitente vendedor no contrato-promessa primeiramente identificado no caso de a cedência ocorrer no acto da referida escritura; - obrigar-se a primeira contraente a comunicar por escrito ao promitente vendedor que cedeu a posição contratual do contrato referido ao segundo contraente logo que ocorra a cedência dessa posição contratual nos termos acima expostos; - efectuada a cessão de posição contratual, o segundo contraente ocupará a posição que a primeira contraente detinha no contrato promessa de compra e venda, assumindo a titularidade de todos os direitos e obrigações inerentes à posição contratual cedida; - em cumprimento das obrigações contratuais decorrentes do contrato promessa de compra e venda primeiramente identificado - cuja posição de promitente comprador se promete ceder por via deste contrato - o segundo contraente pagará ao promitente vendedor daquele contrato-promessa de compra e venda da aludida fracção a quantia de 10 496 000$, para completa e integral satisfação do preço estipulado naquele contrato.

  2. Como sinal de pagamento, a autora recebeu na data do contrato aludido sob 2 a quantia de 1 500 000$, e ainda recebeu de DD a quantia de 1 625 000$.

  3. O réu foi informado do negócio celebrado entre a autora e DD - em data não concretamente apurada - e a partir de um determinado momento - concretamente não apurado - o primeiro passou a tratar com o segundo, pelo menos, os assuntos relativos à escolha e aplicação de materiais na fracção predial aludida sob 1.

  4. DD - em data concretamente não apurada - pretendeu desistir do negócio, e o réu acordou com ele a entrega da quantia de € 22 445.

  5. O réu declarou vender e CC a fracção predial mencionada sob 1.

    III A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente tem ou não direito a exigir do recorrido a restituição de € 26 176,91, ou metade dela, e o valor correspondente ao rendimento que poderia ter auferido da aplicação financeira da quantia por último mencionada.

    Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - legalidade ou ilegalidade da prova testemunhal produzida sobre os quesitos primeiro e segundo da base instrutória; - deve ou não reapreciar-se a decisão da matéria de facto das instâncias? - natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido; - natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e DD; - incumpriu ou não o recorrido o contrato celebrado com a recorrente? - há ou não fundamento para o funcionamento do instituto do enriquecimento sem causa? - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

    Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

  6. Comecemos pela análise da legalidade ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT