Acórdão nº 05B2392 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelPIRES DA ROSA
Data da Resolução16 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA BB intentaram, em 14 de Abril de 1998, no Tribunal Judicial de Tomar, acção sumária, que recebeu o nº74/98, do 1º Juízo, 2ª secção, contra CC CP - CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, E.P.

pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhes a quantia de 8 150 000$00, sendo 400 000$00 a título de danos patrimoniais e 7 750 000$00 a título de danos não patrimoniais (e ainda juros de mora sobre tal quantia, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento), como indemnização sofrida em consequência da morte de seu pai, DD, no dia 18 de Abril de 1996, numa passagem de nível no ramal ferroviário que liga Tomar ao Entroncamento, quando seu pai conduzia o veículo automóvel ... - ... -..., que foi colhido pelo combóio da ré CP nº27422, conduzido pelo maquinista DD por conta e no interesse dela.

Em resumo, imputam a causa do acidente ao facto de o maquinista circular em velocidade excessiva e ter accionado qualquer sinal sonoro à aproximação da passagem de nível, sendo certo que a ré CP não implementara nesta as melhores condições de segurança, designadamente sinalização luminosa ou sonora indicativa de iminência de trânsito ferroviário.

Quantificam o seu pedido total de 8 150 000$00 da seguinte forma parcelar: 400 000$00, o valor comercial do veículo automóvel de seu pai, à data do acidente, perdido na totalidade; 4 000 000$00 pela perda do direito à vida de seu pai; 750 000$00, pelos danos sofridos pela vítima entre o acidente e a morte; 3 000 000$00 pelos danos não patrimoniais próprios das autoras.

Os RR contestaram - a ré CP a fls.75 e o réu CC a fls.115, impugnando a versão do acidente tal como o relatam as autoras e atribuindo o evento à falta de cuidado e destreza do falecido automobilista.

Elaborado a fls.131 despacho saneador, com alinhamento dos factos assentes e fixação da base instrutória ( copiados de fls.140 a 146 ) , foi efectuado a audiência de julgamento ( durante a qual se aditou um ponto à base instrutória - ver fls.102 ) com respostas nos termos do despacho de fls.195, foi proferida a sentença de fls.199 a 206 que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

Não se conformaram as autoras e interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra que, todavia, por acórdão de fls.253 a 265 julgou a apelação improcedente, confirma|ndo|, na íntegra, a |...| sentença recorrida.

De novo inconformadas, pedem as autoras revista para este Supremo Tribunal.

E, alegando a fls.277, CONCLUEM: I - a ré CP terá de ser considerada culpada pela ocorrência do acidente, uma vez que: a) as condições de visibilidade da linha para quem atravessasse a linha férrea eram "atrozes", uma verdadeira "armadilha" em consequência da vasta vegetação que existia no local à data do acidente, que impedia o condutor de qualquer veículo de ver mais de 4 metros de linha caso estivesse parado no "stop" e cerca de 30 ou 40 metros, caso parasse já no limite do carril mais próximo, sendo certo que impendia sobre a R. CP a responsabilidade de proceder à limpeza da vegetação, melhorando, assim, as condições de visibilidade.

  1. Mau grado o DL 156/81, de 9 de Junho não definir um prazo certo para o cumprimento da normas relativas à modernização e criação de zonas de visibilidade ( art.2°, em referência aos arts.10°, 11°, 15°, 16° e 17° do diploma ), o certo é que, desde a entrada em vigor do referido DL e a ocorrência do acidente decorreram 15 anos, tempo mais do que suficiente para que a R. CP adoptasse medidas para modernizar e criar zonas de visibilidade em PN que são autênticas armadilhas, como é o caso da dos autos.

  2. Caso a referida PN tivesse sido objecto de obras de modernização (com a colocação de barreiras e/ou sinais sonoros ) o acidente dos autos, seguramente não se teria verificado.

  3. Como seguramente não se teria verificado se a R. CP tivesse o cuidado de manter livre de vegetação as bermas das via.

  4. A R. CP não providenciou para que a definição da velocidade de tráfego dos combóios no local do acidente fosse adequada às características do local, designadamente à existência de uma PN de grande perigosidade.

  5. Existem, pois, claras omissões da R. CP decisivas para a ocorrência do acidente, bem como um evidente nexo de causalidade entre tais omissões e a morte do pai das AA.

    II - O R. CC deve ser considerado culpado na ocorrência do acidente, já que: a) o R. CC conduzia o comboio por conta e no interesse da R. CP .

  6. O disposto no ano 503°, n°3 do CCivil aplica-se aos acidentes ocorridos em passagens de nível entre comboios e veículos de circulação rodoviária, pelo que se estabelece uma presunção de culpa do condutor de veículo por conta de outrem pelos danos que causar, salvo se for feita prova de não houve culpa da sua parte, sendo que tal norma se aplica também aos casos de colisão de veículos a que alude a previsão do art.506° do CC.

  7. O R. CC não conseguir ilidir tal presunção de culpa, do mesmo modo que não se pode sufragar a tese que defende que o facto de os comboios beneficiarem de prioridade absoluta basta para, sem mais, ilidir tal presunção, sob pena de se aceitar que o direito de prioridade absoluta de passagem equivale a um verdadeiro direito a matar.

  8. O direito de prioridade absoluta pressupõe, salvo melhor opinião, cuidados acrescidos para o seu beneficiário, sendo certo que o R. CC não teve tais cuidados ou, pelo menos, não consegui provar que os teve, designadamente que tenha feito repetidos sinais sonoros na aproximação à PN, nem que o condutor pai das AA não parou antes de iniciar a travessia e que não se certificou previamente se se aproximava qualquer comboio.

  9. O R. Caramelo conhecia bem o troço de linha que percorria e conhecia a existência daquela PN e as perigosas circunstâncias que rodeiam o seu atravessamento por veículos automóveis.

  10. A culpa deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (ano 487, nos 1 e 2 do CC) e a sua prova incumbe ao lesado, salvo havendo presunção legal da mesma, que, no caso, existe, face ao disposto no art.503, n° 3.

  11. A própria sentença de 1ª instância admite que a passagem de nível em que se verificou o acidente é uma "verdadeira" armadilha", que "exige um grau de diligência elevadíssimo ao condutor de qualquer veículo automóvel que a atravesse" pois "as condições de visibilidade para a linha férrea são atrozes".

  12. Pelo que assacar culpas ao pai das AA por supostamente não ter "um grau de diligência elevadíssimo" seria violar o princípio de que a culpa é aferida pela diligência de um bom pai de família.

    III - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts.342º, nº2, 483º, 503º, nº3, 506º e 487º e 563º do CCivil.

    Contra - alegando a fls.292, pugna a recorrida CP pela improcedência do recurso.

    Estão corridos os vistos legais.

    Cumpre decidir.

    Os FACTOS são o que são.

    Ou seja: são os que foram fixados no acórdão recorrido, para cujos termos se remete, ao abrigo do que dispõe o nº6 do art.713º do CPCivil, aqui aplicável por força do art.726º do mesmo código. Aos quais se pode acrescentar aquilo que está provado por documento autêntico: DD nasceu no dia 19 de Novembro de 1936 e faleceu em 19 de Abril de 1996, pelas 0055 horas, no estado de viúvo de EE, por sua vez falecida em 23 de Abril de 1995 ( fls.54...

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