Acórdão nº 06S2331 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução15 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA" propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Braga contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora: a) 2.040,32 euros a título de trabalho suplementar prestado aos Sábados no período de Janeiro de 1999 até 3 de Novembro de 2003, data da cessação do contrato de trabalho; b) 24.184,02 euros a título de comissões referentes à venda de veículos automóveis por ele realizadas; c) 867,28 euros de diferenças no subsídio de férias de 2003; d) 6.201,00 euros de indemnização por rescisão do contrato com justa causa; e) 5.077,05 euros de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

Em resumo, o autor alegou o seguinte: - foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Janeiro de 1991 e sempre auferiu uma retribuição mista, sendo uma parte fixa e a outra variável (comissões sobre a venda de veículos automóveis); - o valor das comissões relativamente às vendas efectuadas pelo autor foi contratualmente fixado desde o início em 1% sobre as vendas de carros novos e em 1,5% sobre as vendas de carros usados e eram pagas mensalmente; - o horário de trabalho do autor era de 2.ª a 6.ª-feira, das 9 às 19 horas com intervalo das 12 às 14 horas; - além disso, a partir de Janeiro de 1999 e por determinação expressa da ré, trabalhou sempre um sábado por mês, das 9 às 19 horas, com intervalo das 12 às 14 horas; - nas semanas em que trabalhava ao sábado só descansava ao domingo, o que significa que nessa semana trabalhava 48 horas, o que vale por dizer que prestou oito horas de trabalho suplementar por mês desde Janeiro de 1999 até à data da cessação do contrato; - relativamente às vendas referidas nos documentos n.º 3 e 4 que juntou, a ré pagou-lhe de comissão uma percentagem inferior à contratualmente fixada e, relativamente às vendas referidas nos documentos n.º 5 e 6, a ré não lhe pagou qualquer comissão; - em Julho de 2003, a ré pagou-lhe a quantia de 1.444,80 euros a título de subsídio de férias, correspondendo 477,00 euros à parte fixa da retribuição e 667,80 euros à parte variável; - todavia, levando em conta o valor das comissões a que tinha direito, a ré devia-lhe ter pago mais 867,28 euros a título de comissões; - em 3 de Novembro de 2003, rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, invocando para tal não só a falta de pagamento das comissões, mas também o seu pagamento por valores inferiores aos contratualmente acordados e ainda o não pagamento do trabalho suplementar prestado aos sábados, uma vez por mês.

A ré contestou por impugnação, alegando, em resumo, o seguinte: - o valor da comissão sobre a venda de cada veículo, novo ou usado, sempre foi fixado caso a caso, tendo em conta as características próprias de cada negócio e incidia sobre o preço base do veículo; - a ré nada deve ao autor a título de comissões, com excepção das comissões referentes às vendas cujo preço a ré ainda não recebeu; - o horário de trabalho do autor incluía a prestação de trabalho ao sábado uma vez por mês, folgando na semana em que isso acontecia no domingo e na segunda-feira; - sendo certo, sem prescindir, que os valores das comissões sempre seriam inferiores aos calculados pelo autor; - a rescisão do contrato foi efectuada sem justa causa, o que confere à ré o direito à indemnização de 954,00 euros correspondente à falta de aviso prévio, acrescida de juros de mora e do valor dos prejuízos causados pela inobservância do aviso prévio, cuja liquidação deve ser relegada para execução de sentença, atenta a impossibilidade de proceder de imediato ao apuro dos mesmos; - ainda não pagou ao autor da retribuição das férias e dos subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, cujo montante ascende a 2.081,23 euros, mas tal aconteceu apenas porque o autor nunca os reclamou; E, em reconvenção, a ré alegou que o autor lhe deve a quantia de 2.500,00 euros relativa à compra de um veículo Ford Mondeo, com a matrícula DG e pediu que, efectuada a compensação de créditos, fosse o autor condenado a pagar-lhe a quantia de 1.372,77 euros, acrescida da que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos sofridos em consequência de ele ter rescindido o contrato de trabalho sem dar o aviso prévio.

A ré pediu, ainda, que o autor fosse condenado, como litigante de má fé, em multa e em indemnização não inferior a 2.500,00 euros.

Na resposta, o autor alegou que a reconvenção não era admissível no que diz respeito aos danos pretensamente resultantes da falta de aviso prévio e ao preço do carro que comprou à ré e, sem prescindir, impugnou o direito à indemnização por falta de aviso prévio, uma vez que a rescisão foi efectuada com justa causa e, relativamente ao pagamento do preço do carro, alegou que aquando da compra do carro por 3.500 euros, pagou 1.000 euros, tendo ficado acordado com a ré que só pagaria o restante quando fosse vendido o veículo de marca Lância, matrícula DH que ele entregou para retoma, venda essa que ainda não tinha sido concretizada.

No referido articulado, o autor pediu que a ré fosse condenada, como litigante de má fé, em multa e em indemnização de montante não inferior a 5.000,00 euros.

Realizado o julgamento, com gravação da prova e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 6.201,00 euros a título de indemnização por rescisão do contrato de trabalho com justa causa e a quantia de 2.040,32 euros a título de trabalho suplementar, bem como as comissões referentes às vendas dos veículos novos e usados constantes dos documentos de fls. 43 e 44 e as diferenças relativas ao subsídio de férias de 2003 e aos proporcionais de férias e de Natal, a liquidar em execução de sentença, deduzindo-se ao montante global apurado a quantia de 2.982,71 euros que, em 1.6.2004 , a ré pagou ao autor e a quantia de 2.500,00 euros referente ao preço do veículo Ford Mondeo, com a matrícula DG que o autor comprou à ré.

Inconformados com a sentença, dela recorreram o autor e a ré, recursos que o Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedentes, tendo, em consequência disso: 1) Condenado a ré a pagar ao autor a quantia de 2.040,32 euros a título de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora desde a citação, bem como, a liquidar em execução da sentença, as comissões relativas às vendas dos carros novos e usados referidas, respectivamente, nos documentos de fls. 43 e 44, a diferença no subsídio de férias de 2003 e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal; 2. Ordenado que à quantia global devida ao autor fosse deduzida a importância de 2.982,71 euros paga pela ré no decurso do processo (em 1.6.2004), por conta dos valores que lhe eram devidos; 3. Condenado o autor a pagar à ré a quantia de 954,00 euros, acrescida de juros de mora, a contar da notificação da contestação, a título de indemnização por rescisão do contrato sem justa causa e sem aviso prévio.

Mantendo o seu inconformismo, o autor recorreu e a ré, subordinadamente, fez o mesmo, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma: Conclusões do recurso do autor: 1.ª - Da matéria de facto dada como assente, resulta provado que a Ré nunca pagou ao autor o trabalho suplementar prestado, ao longo de toda a execução do contrato, no valor de 2.040,32 euros, nem pagou as comissões - que integram a sua retribuição - pelas vendas de carros novos e usados no valor de 5.336,90 euros (valores alegados pelo Autor, a liquidar em execução de sentença), os quais representaram uma diminuição séria na retribuição que o autor legalmente tinha direito a auferir.

  1. - Além de não pagar a retribuição devida correspondente à parte variável, a Ré não considerou tais montantes para efeitos de cálculo das comissões médias mensais e consequente inclusão no pagamento dos subsídios de férias e de Natal do ano de 2003.

  2. - A Ré, ao omitir o pagamento das retribuições a que estava obrigada a pagar ao Autor, violou uma sua garantia legal e convencional e provocou-lhe a lesão de interesses patrimoniais sérios, o que configura justa causa de rescisão do contrato [e não de despedimento, como, por manifesto lapso, foi dito pelo autor], conforme o mesmo alegou na sua comunicação de 3.11.03.

  3. - Tal comportamento da Ré constituiu justa causa para o Autor rescindir o seu contrato de trabalho, com base nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do art.º 35.º do DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro, de forma imediata e com direito a exigir a indemnização fixada no art.º 36.º do mesmo diploma.

  4. - Para a verificação da justa causa, é necessária a ocorrência cumulativa de três requisitos: falta de pagamento de retribuições (elemento objectivo), imputabilidade do incumprimento à entidade patronal a título de culpa (elemento subjectivo) e que, na situação concreta, não seja exigível ao trabalhador a manutenção do vínculo laboral (cfr. art.os 35.º, n.º 1, al. b) e 4 e 12.º, n.º 5 da LCCT).

  5. - O Tribunal a quo entendeu não estar verificado apenas o último requisito atrás indicado - impossibilidade da manutenção do vínculo contratual.

  6. - Entenderam os Senhores Desembargadores que, face aos factos dados como provados, o comportamento da Ré não tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, pelo que o Autor não tem direito a receber a indemnização a que alude o art.º 36.º da LCCT e, consequentemente, quanto ao pedido reconvencional, a Ré tem direito a receber do Autor a indemnização a que alude o art.º 39.º do citado regime jurídico, no montante de 954,00 euros.

  7. - Não se conforma o Recorrente com essa interpretação, porquanto face ao comportamento culposo da Ré, dado como assente, era inexigível ao Autor a manutenção do vínculo laboral, atendendo não só ao montante elevado das retribuições em dívida, como à falta prolongada no seu pagamento.

  8. - Não é admissível que o trabalhador apenas possa rescindir o seu contrato de trabalho quando está em causa o não...

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