Acórdão nº 06S1829 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução15 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:I - "AA", residente no ... das ..., nº .., freguesia de Antas - Vila Nova de Famalicão, instaurou contra BB e mulher, CC, DD e mulher, EE, FF e mulher, GG, HH e mulher, II, melhor identificados nos autos, acção emergente de acidente de trabalho pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe: (i) a pensão anual e vitalícia de € 1.885,45, a partir de 2.07.00, actualizável para € 1.951,44 a partir de 1.01.01; (ii) subsídio por morte no valor de € 3.818,79; (iii) a quantia de € 1.272,93 a título de despesas de funeral; e (iv) juros de mora, a contar do dia do acidente sobre as quantias peticionadas.

Para tanto alega que, no dia 1.07.00, JJ, com quem era casada, foi vítima de um acidente quando trabalhava por conta dos réus maridos e que, em consequência do mesmo, sofreu lesões determinantes da sua morte.

Os réus contestaram alegando que entre o sinistrado e eles nunca existiu qualquer contrato de trabalho e que o acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do mesmo.

Comprovado nos autos o falecimento do réu FF, foram habilitados para prosseguir na presente acção, em sua substituição, GG, KK e LL.

Saneado o processo e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, procedeu-se a julgamento com gravação da prova. Por fim, foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os réus dos pedidos.

A autora apelou da sentença, vindo o Tribunal da Relação a anular o julgamento e a determinar o aditamento dum quesito "para apuramento das despesas que a autora diz ter efectuado com o funeral do seu marido", uma vez que o tribunal recorrido, contrariamente ao decidido na 1ª instância, entendeu que o vínculo existente entre a vítima e os réus (maridos) tinha natureza laboral, considerando, ainda, que o acidente não estava descaracterizado. Decidiu, ainda, o tribunal recorrido que, realizado o julgamento, devia ser preferida sentença "em conformidade com o exposto" no acórdão anulatório.

Inconformados, os réus recorreram, mas esclarecendo que o objecto da revista se circunscrevia ao segmento do acórdão que qualificou o acidente como de trabalho e decidiu que o mesmo não foi devido a falta grave e indesculpável da vítima.

Eis, um pouco mais concentradas, as conclusões da sua alegação: 1ª) - Da factualidade dada como provada resulta que o sinistrado não estava vinculado perante os recorrentes por qualquer contrato de trabalho, ou equiparado; 2ª) - De qualquer forma, o acidente que deu origem aos presentes autos está descaracterizado, uma vez que resultou de uma falta grave, exclusiva e indesculpável do sinistrado, violadora dos mais elementares e básicos deveres de cuidado e segurança, só passível de explicar pelo estado de alcoolemia extrema em que o mesmo se encontrava, no momento em que ocorreu o sinistro; 3ª) - Tendo em conta a totalidade dos factos dados como provados, a Lei em vigor à data da ocorrência (Lei nº 100/97, de 13/09), nomeadamente o seu art° 6°, e o artº 6º do Dec. Lei nº 143/99, de 30/04, não pode o acidente em causa nestes autos ser qualificado como de trabalho; 4ª) - Para se caracterizar um acidente como de trabalho, é necessário que se demonstre a existência de um contrato de trabalho (ou um contrato equiparado); 5ª) - Sucede que os factos alegados pela recorrida para provar a relação laboral - celebração entre o sinistrado e os recorrentes maridos (e o irmão já falecido) dum contrato de trabalho subordinado sem prazo, sendo no exercício dessas funções que o acidente ocorreu - não se provaram (veja-se a resposta negativa ao quesito 4º e as respostas restritivas aos quesitos 5°, 6° e 7°); 6ª) - Tão-pouco a matéria de facto assente permite concluir no sentido da existência entre as partes de qualquer subordinação jurídica, ou mesmo, subordinação económica; 7ª) - Além de não estar provado que os recorrentes maridos tivessem (ainda que não o exercessem) qualquer poder disciplinar sobre o sinistrado, também não se vislumbra, atento o carácter pontual dos serviços prestados pelo sinistrado, que fosse viável o exercício de tal poder; 8ª) - Assim, o que resulta dos factos provados é que os serviços que o sinistrado acertou com os recorrentes (maridos) configuram um verdadeiro contrato de prestação de serviço, um contrato, nos termos do qual o sinistrado se obrigou a proporcionar àqueles certo resultado do seu trabalho manual; 9ª) - Acontece que era à recorrida que incumbia a prova dos factos respeitantes à qualificação do acidente como de trabalho; 10ª) - O acidente a que se reportam estes autos jamais será de qualificar como acidente de trabalho ao abrigo do n° 2 do art° 2º da LAT, pois não está demonstrado que o sinistrado se encontrasse na dependência económica dos recorrentes (maridos), não bastando, para tanto, provar o recebimento dalguma retribuição pelos serviços que aquele prestava esporadicamente a estes (aliás, também os prestava a outros), antes se impunha demonstrar que tal retribuição constituía para o trabalhador, senão o exclusivo, pelo menos o principal meio de subsistência; 11ª) - Ora, estando assente que o sinistrado não lançava fogo dos recorrentes em todas as festas e romarias que estes estavam obrigados a fornecer, impõe-se concluir, face ao carácter episódico desses eventos e dos serviços prestados pelo sinistrado aos recorrentes, que os proventos resultantes dessa actividade de maneira alguma poderiam constituir o principal suporte do sinistrado, não havendo, assim, qualquer dependência económica; 12ª) - Nos termos do art° 6º da LAT, o acidente em causa não poderá ser considerado como acidente de trabalho; 13ª) - De todo o modo, sempre o mesmo estaria descaracterizado; 14ª) - Na verdade, o acidente que vitimou o sinistrado, resultou de um acto cuja única explicação plausível é a momentânea e absoluta perda da razão e de responsabilidade por parte da vítima, situação que o levou a cometer um acto de verdadeiro suicídio: colocar a sua cabeça à frente de um foguete, depois de lhe ter ateado o fogo; 15ª) - Tratou-se da violação das mais básicas e elementares técnicas de segurança, as quais, aliás, são do conhecimento de qualquer pessoa, desde que não sofra de uma elevada debilidade mental ou não esteja afectado da total incapacidade para controlar os seus actos; 16ª) - Acontece que a vítima não era uma qualquer pessoa, mas antes um experiente lançador de fogo de artifício, conhecedor das regras de segurança que se devem respeitar nos lançamentos; 17ª) - Sucede que, apesar de saber que não podia tomar bebidas alcoólicas e depois lançar fogo de artifício, naquele dia, por motivos que se desconhecem, resolveu embriagar-se; 18ª) - Foi nesse estado que, depois de acender o rastilho e em vez de se afastar do foguete, decidiu, face ao atraso no disparo do fogo - o que, por vezes, sucede -, colocar a sua cabeça à frente do orifício de onde ia sair o foguete, assim acorrendo o acidente; 19ª) - Não se provando que o acidente tenha sido devido a qualquer outra causa que não fosse o comportamento temerário, indesculpável e exclusivo da vítima, comportamento violador da mais elementar regra de segurança no lançamento de fogo de artifício e que é não colocar o seu corpo à frente de um foguete depois de lhe acender o rastilho; 20ª) - Ora, só pode haver uma explicação para esse comportamento, a quantidade de álcool que a vítima ingeriu - atingindo um estado próximo do coma alcoólico - e que lhe fez momentaneamente perder a razão; 21ª) - De qualquer forma e independentemente do facto de o sinistrado estar num estado próximo da alcoolemia extrema, o acidente resultou sempre, exclusivamente, de uma negligência grosseira do sinistrado: colocar a sua cabeça à frente do...

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