Acórdão nº 06P2933 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | RODRIGUES DA COSTA |
Data da Resolução | 02 de Novembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1.
No Tribunal Judicial da Comarca de Ansião, no âmbito do processo comum colectivo n.º 275/04.6GAANS, foi julgada a arguida AA, identificada nos autos e actualmente presa em prisão preventiva à ordem deste processo, tendo a mesma sido condenada pela prática de dois crimes de homicídio agravado, previstos e punidos pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e i), do Código Penal (CP) nas penas, respectivamente, de 13 anos de prisão e de 16 anos de prisão, e ainda pela prática de um crime de ocultação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena de 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 20 anos de prisão.
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Inconformada, a arguida recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, que veio a decidir no sentido de ser competente para o conhecimento do recurso o Tribunal da Relação de Coimbra, já que estava em causa matéria de facto, e aquela Relação, apreciando e decidindo, veio a negar provimento a tal recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida.
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Ainda insatisfeita, recorreu, de novo, a arguida para este Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que os factos provados «cabem por inteiro no art. 136.º do CP, em homenagem ao princípio in dubio pro reo»; que a decisão enferma de erro notório na apreciação da prova do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP e que, em consequência, deve o processo ser reenviado para novo julgamento, ou a arguida ser punida nos termos do referido art. 136.º do CP - crime de infanticídio, ou ainda serem baixadas as penas aplicadas.
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal «a quo», defendendo a decisão recorrida.
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Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se quanto aos pressupostos do recurso e promoveu a prossecução dos autos para julgamento.
Na respectiva audiência, o Ministério Público rechaçou as pretensões da recorrente no tocante à fundamentação da decisão, da violação do princípio in dubio pro reo e do erro notório na apreciação da prova, sustentando a qualificação do crime de homicídio, mas apenas pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 132.º do CP, e advogando um abaixamento das penas e uma pena única situada à roda dos 15 anos de prisão.
A defesa alegou em conformidade com a motivação de recurso.
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FUNDAMENTAÇÃO 6. Matéria de facto proveniente das instâncias 6.1. Factos dados como provados "1. AA, solteira, e BB, casado, mantiveram um relacionamento amoroso iniciado em momento não apurado e que se manteve durante vários anos até à morte deste; 2. Durante esse período a arguida teve também relações sexuais com outros homens, tendo engravidado em data não concretamente apurada do ano de 2002, situada nos meses de Março a Maio.
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Durante essa gravidez, em momento não apurado, a arguida decidiu livrar-se da criança, matando-a após o seu nascimento; 4. Em dia e hora indeterminados do final do ano de 2002 ou princípio do ano de 2003, a arguida, sentindo que se aproximava o parto, quando se encontrava no Avelar, perto do cemitério, trabalhando por conta da Junta de Freguesia, dirigiu-se a um terreno que conhecia ali próximo, situado junto à Avenida 25 de Abril, onde sabia existir um poço; 5. Aí chegada, escolheu um local não visível para quem passasse na estrada que se situa próxima, colocando-se junto à porta de uma casa de alfaias agrícolas aí existente, e, de pé, com as pernas abertas e o tronco flectido para a frente, esperou que ocorresse o parto.
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Nestas circunstâncias, veio a ocorrer o parto de um feto de termo, com vida, do sexo feminino, com cerca de 54/55cm.
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De seguida, depois de ter cortado o cordão umbilical, a arguida, apesar de ter constatado que a recém-nascida estava viva, na concretização da vontade que tinha criado antes do parto, agarrou naquela e deitou-a para o interior do referido poço, que tem cerca de 9 metros de profundidade e tinha água até altura não concretamente apurada.
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Aí veio a ocorrer a morte da recém-nascida.
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A arguida abandonou, depois, o local.
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No dia 26 de Abril de 2003, cerca das 17.40 horas, CC e a sua filha DD encontraram o cadáver da recém-nascida, em avançado estado de putrefacção, dentro do poço e contactaram a Guarda Nacional Republicana.
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No início do ano de 2004, a arguida voltou a engravidar.
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Mais uma vez, decidiu esperar que a criança nascesse e que depois a mataria.
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Em dia exacto que não foi possível determinar do mês de Setembro de 2004, mas anterior ao dia 22, a arguida, quando sentiu as dores do parto, encontrando-se na localidade de Pinheiro, onde vivia, na estrada perto de uma cabine de electricidade, seguiu por uma estrada de terra batida ladeada por um pinhal, a cerca de 100/200 metros da cabine.
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Neste local, a arguida desceu as calças, dobrou as pernas e nasceu um feto de termo, com vida, com cerca de 38-40 semanas, do sexo feminino.
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De seguida, depois de cortar o cordão umbilical, atravessou a estrada que liga Pereiro a Barqueiro e dirigiu-se, levando a recém-nascida consigo, a um poço com água que conhecia naquele local.
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Após, aí chegada, atirou a recém-nascida ao poço, onde esta veio a perder a vida, e saiu do local.
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Em momento posterior, não concretamente determinado, situado num dos dias seguintes, a arguida foi espreitar o poço e ao verificar que o cadáver se encontrava visível, estando à superfície da água, atirou um fogão velho e tábuas para o interior do poço, por forma a ocultar o cadáver. Na mesma altura ou em momento próximo, utilizou, ainda, uma vara comprida, que se encontrava próxima, e introduziu-a na água, empurrando o cadáver para baixo das tábuas. Com esta actuação, livre e consciente, quis esconder o cadáver da recém-nascida, para este não ser descoberto.
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No dia 9 de Outubro de 2004, EE encontrou casualmente o cadáver, em adiantado estado de putrefacção, no interior do poço.
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O poço tem um muro de protecção em tijolos com cerca de 95cm de altura e 1,95m de diâmetro e para além do recém-nascido encontravam-se no seu interior várias tábuas, uma porta rústica e o fogão.
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O cadáver foi examinado e os peritos constataram tratar-se de um feto de termo com cerca de 38-40 semanas, do sexo feminino.
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Como consequência directa, adequada e necessária da conduta da arguida, as filhas, recém-nascidas, que havia dado à luz perderam a vida.
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Ambas as recém-nascidas foram deitadas para um poço depois de a arguida ter verificado que as mesmas se encontravam vivas, sabendo que, como resultado necessário da sua actuação, essas não iriam sobreviver.
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Actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito firme, tomado anteriormente aos partos, de tirar a vida às filhas, o que conseguiu.
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Mais sabia que as recém-nascidas, naquelas circunstâncias, estavam completamente indefesas, não podendo contar com ajuda de ninguém para além da mãe, necessitando da sua ajuda para sobreviver. Sabia, ainda, que a sua conduta era adequada a causar-lhes a morte, como causou.
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Contudo, tal facto não a coibiu de actuar da forma descrita, porque queria provocar a morte das recém-nascidas, suas filhas, agindo indiferente e insensível a esta circunstância, tendo mantido a intenção de tirar a vida às suas filhas desde momento não apurado da sua gravidez anterior aos partos.
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Acórdão nº 325/09.0TRPRT-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2009
...o sujeito processual sempre que não logre demonstrar a acusação para além de qualquer dúvida razoável- neste sentido o Ac. Do STJ n.o 06P2933 de 2 de Novembro de Deverá ainda verificar-se a existência de um juízo de proporcionalidade, gravidade e suficiência, tal como pressuposto pelo artig......
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