Acórdão nº 06P4069 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução02 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA", arguido no processo nº 292/98.3 JGLSB.1 da 1ª Secção da 1ª Vara Criminal de Lisboa, veio requerer a providência excepcional de habeas corpus.

Em requerimento subscrito por advogado, que não prima pela clareza na exposição dos fundamentos e onde se confunde o pedido de restituição à liberdade com pedidos de declaração de nulidade processual e de declaração de inconstitucionalidade de normas que não têm aplicação directa na situação actual do requerente, invoca o disposto no 222º n.º 2 al. a) b) e c). do Código de Processo Penal.

Alega: - como questão prévia, que o requerente foi conduzido sob prisão, em 18 de Outubro de 2006 para o E.P.L., proveniente do Brasil e que em 20 de Outubro foi removido para o E.P. Linhó. Acrescenta que ao abrigo do art. 335º n.º 3 C.P.P. os autos implicavam a declaração de contumácia, com a consequente suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido. Não tendo a contumácia sido declarada, e tendo a audiência sido realizada sem a presença do requerente, que foi condenado em 25 anos de prisão, são nulos os actos praticados desde o início da audiência e é nulo todo o processado; - em 27 de Abril de 2004, o Ministério Público promoveu a emissão e remessa à Audiência Nacional de Espanha dum mandado de detenção europeu a funcionar como pedido de extensão de competência para permitir o julgamento pelos factos por que foi pronunciado; uma vez que a Espanha não deferiu tal pedido, está impedida a perseguição criminal por esses factos, face ao princípio da especialidade; - o pedido de extradição posteriormente solicitado ao Brasil, é proibido por o requerente não ter renunciado ao princípio da especialidade, nem ter consentido em ser perseguido por outro processo diferente daquele que motivou a sua entrega por Espanha, estando vedado no processo a prática de qualquer acto, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Abril de 2005; - os princípios da reciprocidade da especialidade existentes em Espanha, em Portugal, no Brasil e na União Europeia constituem obstáculo à perseguição, manutenção da prisão e submissão a julgamento nos autos 292/98 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, face às excepções contidas na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto; - decorreram 5 dias desde que o arguido entrou em Portugal, sem que o arguido tenha sido apresentado ao juiz, o que deveria ocorrer no prazo de 48 horas, nos termos do art. 28º nº 1 da Constituição e art. 254º do Código de Processo Penal, sendo a prisão ilegal por inexistência de decisão exequível e não apresentação em tribunal; - o requerente abandonou Portugal nos 45 dias - art. 7º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, fixou-se no Brasil, tem um filho brasileiro e fala a mesma língua, não renunciou à regra da especialidade, não consentiu na entrega nem regressou voluntariamente a Portugal, pelo que a prisão "re-ordenada" pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Lisboa, atenta contra os princípios comunitários e internacionais; - o requerente, no Brasil, perante o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, declarou que não abre mão do princípio da especialidade; - inexiste sentença transitada ou decisão exequível.

  1. Da informação prestada pelo juiz do processo n.º 292/98.3 JGLSB consta, em súmula: - o requerente foi ouvido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 30 de Setembro de 1999, tendo então sido determinada a sua prisão preventiva; - o arguido evadiu-se em 16 de Outubro de 1999; - deduzida a acusação, porque o arguido se mantinha evadido, foi notificado editalmente da pronúncia e da designação de dia para julgamento, com a cominação de que, se não comparecesse, seria julgado como se estivesse presente; - realizada a audiência de julgamento, foi o arguido condenado nas penas parcelares de 17 anos de prisão e de 11 anos de prisão e na pena única de 25 anos de prisão, por acórdão de 22 de Setembro de 2000, ainda não transitado; - em 6 de Dezembro de 2004, foi proferido despacho de reapreciação de medidas de coacção, sendo indeferido um requerimento do arguido nesse âmbito, e foi reiterada a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, tendo sido ordenada a passagem de mandado de detenção europeu e de mandado de captura internacional; - em 30 de Março de 2006, o Supremo Tribunal Federal do Brasil concedeu a extradição, tendo sido entregue ao Estado Português em 18 de Outubro de 2006; - a detenção internacional do arguido para os fins de cumprimento da medida de coacção não obriga a novo interrogatório judicial ou à audição presencial do arguido, sendo a sua audição facultativa nos termos do n.º 3 do art. 213º do Código de Processo Penal; - a situação pessoal do arguido naqueles autos está perfeitamente definida desde o primeiro interrogatório judicial, não tendo aqui aplicação o disposto no art. 254º n.º 1 do Código de Processo Penal; - não se demonstra verificado qualquer dos pressupostos da providência de habeas corpus, estando devidamente salvaguardadas as garantias constitucionais do direito à liberdade 3. Convocada a Secção Criminal, notificados o Ministério Público e o defensor, e realizada a audiência a que se refere o arts. 223º nº 3 e 435º do Código de Processo Penal, com alegações orais do Ministério Público e da defesa, cumpre tornar pública a deliberação.

  2. O requerente tem legitimidade e pode formular, como formulou, a petição - artigo 222º, nº 2, do CPP.

    Mantém-se a situação de privação de liberdade do peticionante.

    O requerente, arguido no proc. 292/98 da 1ª Vara Criminal de Lisboa, lança mão da providência de habeas corpus também com vista a alcançar finalidades que a providência não visa.

    Conforme tem sido afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça e o requerente bem sabe, já que fez uso, por duas vezes, do habeas corpus, esta constitui uma "providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido. O seu fim exclusivo e último é, assim, estancar casos de detenção ou de prisão ilegais".

  3. Previsto nas Constituições de 1911 e de 1933, que remetiam para a lei ordinária a respectiva regulamentação, o instituto do habeas corpus apenas foi introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 45.033, de 20 de Outubro de 1945. Conforme a respectiva exposição de motivos "a providência do habeas corpus consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário ... é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade".

    Na Constituição de 1976, estabeleceu-se, no art. 31º, que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. Em anotação a esta norma referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa - Anotada, 3ª edição revista, pág. 199) que, "a prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos...

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