Acórdão nº 06A3241 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | URBANO DIAS |
Data da Resolução | 31 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Empresa-A, SA.. intentou, no tribunal judicial da Covilhã, acção ordinária contra Empresa-B, e AA, pedindo a condenação dos RR. a : - Reconhecerem-na como dona e legítima proprietária do prédio urbano, constituído por uma casa de alvenaria e betão armado, destinado à indústria têxtil, composto de rés-do-chão, 1° e 2° andares e logradouro, sito na Estrada Nacional 230, lugar da Califórnia, freguesia da Conceição, concelho da Covilhã, descrito na Conservatória do registo Predial da Covilhã sob o n° 34632, a fls. 88 do Livro B-91 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1341º e condenados a entregá-lo completamente livre e devoluto de pessoas e bens; - Pagarem-lhe, em regime de solidariedade e a título de indemnização pelos danos causados, a importância de 42.893.832 $00, calculada até 30.06.2000 e, ainda, a contar desta data, na importância correspondente à remuneração do capital investido na aquisição, às taxas por ela praticadas nos empréstimos para habitação própria, até à efectiva entrega do imóvel e a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal a contar da entrega do imóvel, sobre o montante indemnizatório fixado, até efectivo pagamento; ou - A pagarem-lhe, em regime de solidariedade a título de indemnização pelos danos causados, a importância de 35.894.222$00, calculada até 30.06.2000, e, ainda, a contar desta última data, no montante mensal de 414.117$00, correspondente ao valor da última renda fixada, até à entrega efectiva do imóvel, com actualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal sobre o montante total da indemnização até ao efectivo pagamento; ou - A pagarem-lhe, em regime de solidariedade a título de indemnização, a importância de 39.165.164$00, correspondente aos juros calculados à taxa legal sobre a importância aplicada na aquisição do imóvel, contados desde a data da aquisição até 30.06.2000, e juros vincendos à mesma taxa até integral pagamento.
Em síntese, alegou que - Tendo adquirido o imóvel por arrematação em hasta pública, em 25.3.92, num processo executivo por ela movido contra os seus proprietários, tentou entrar na sua posse, não o conseguindo dado que o mesmo estar ocupado pelos RR.; - O imóvel foi arrendado pelos anteriores proprietários a BB, tendo este sublocado uma parte a CC e DD; - Mais tarde, BB trespassou a CC o estabelecimento de fotografia e com tal negócio passou este a ocupar todo o imóvel (cfr. art. 32º da petição) e este, por sua vez, trespassou o estabelecimento comercial à 2ª R.; - O 1º R. ocupa parte da 2ª cave do prédio por alegadamente lhe ter sido sublocada por BB (cfr. art. 33º da petição).
- O 1º arrendamento é nulo, quer por vício de forma, falta de escritura pública, quer por ter sido celebrado para uma finalidade diversa daquela para que estava o prédio licenciado, quer por ser um negócio simulado, em termos absolutos, quer com base no abuso de direito, pois estando o imóvel hipotecado a seu favor, a desproporção da renda acordada para o valor objectivo do arrendamento, atenta contra os seus direitos, sendo certo que os proprietários em momento algum referiram que existia qualquer contrato sobre o prédio, - O contrato celebrado por escritura pública, que repristina a data do início até à daquele celebrado por escrito particular, é ineficaz em relação si, por celebrado depois do registo da penhora a seu favor, para além de ser, igualmente, nulo, por abuso de direito, pela mesma razão, ligada à desproporção da renda contratada e da resultante do mercado real e objectivo, sendo, em consequência, igualmente, ineficazes e nulos, todos os contratos decorrentes deste, incluindo aqueles celebrados com os RR., sendo por isso, estes obrigados a indemniza-la pelo prejuízo derivado, das ocupações abusivas do imóvel.
Ambos os RR. contestaram, por impugnação e por excepção, defendendo a improcedência da acção.
Na réplica, a A. contrariou a defesa excepcional dos RR.
Seguiu-se a fase de saneamento, com transferência para final do conhecimento da excepção da prescrição, e de selecção de factos provados e a provar.
Após julgamento, o Mº juiz de Círculo da Covilhã proferiu sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, como consequência, condenou os RR. a reconhecerem a A. como dona e legítima proprietária do prédio reivindicado e condenou os RR. a entregarem o mesmo àquela, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, absolvendo-os do mais peticionado.
Com esta decisão não se conformaram ambos os RR. que apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas este confirmou o julgado.
Novamente inconformados, ambos recorreram para este Supremo Tribunal, pedindo revista, tendo, para o efeito, produzido as respectivas alegações que remataram do seguinte modo:
a) Recorrente Curto 1- Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados nos autos pela Recorrida, não pode proceder a condenação proferida nos autos, ou seja, entrega por parte do recorrente do locado face à caducidade do contrato de subarrendamento, já que tal condenação extravasa de forma manifesta os pedidos solicitados pela recorrida, existindo assim uma clara e manifesta violação do principio do dispositivo e da estabilidade da instância inserta nos artigos 264, 268 e 460 contidos no C.P.C, sendo assim a sentença proferida na 1ª instância e na sua sequência o Acórdão recorrido - que confirma tal sentença - nula nos termos do disposto no art. 668 n°1, al. e) do C.P.C.
SEM PRESCINDIR 2- Tal conforme resulta da matéria factual dada como provada, a recorrida que era credora hipotecária, adquiriu o prédio por meio de arrematação em hasta publica, adquirindo assim o direito de propriedade sobre o prédio hipotecado.
3- Tal facto não determina a caducidade dos contratos de arrendamento que tinham sido celebrados validamente e pelo anterior proprietários, bem como a autorização da recorrida, que estava em vigor à data da referida hasta publica.
4- Tais contratos de arrendamento apesar de terem sido celebrados em data posterior ao registo da hipoteca e com a autorização da recorrida, contudo produziram efeitos, em data anterior ao registo da penhora efectuada pela recorrida e na sequência da acção executiva que interpôs contra o anterior proprietário do prédio.
5- Tal facto, não determina a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados validamente pelo anterior proprietário e com a autorização da recorrida, e que estavam em vigor à data da referida hasta publica, já que sendo os contratos de arrendamento de natureza obrigacional não caduca nos termos do artigo 824 n°2 do C.P.C, sendo certo que a caducidade do contrato de arrendamento apenas se verifica nos casos em que a própria lei o prevê (artigo 1051 C. Civil) sendo certo que e face ao disposto no art. 1057º do C.C. é estabelecido o regime de transmissão, razão pela qual e com a venda judicial a posição assumida pelo anterior proprietário nos contratos de arrendamento é transmitida para a recorrida, razão pela qual não tem acolhimento a posição defendida pelo Exm° Juiz a quo.
6- Por outro lado e contrariamente ao indicado no acórdão recorrido, que aliás reconhece que a situação sub iudice é controversa, os contratos de arrendamento também não caducam em virtude de a penhora ter sido registada em data anterior à celebração dos contratos de arrendamento, já que e para além dos contratos de arrendamento, já estarem em vigor à data do registo da penhora, também é certo que os arrendatários eram terceiros no preferido processo executivo.
7- Ora a penhora do prédio arrendado não ofende o seu gozo pelo arrendatário, não afectando a validade dos actos praticados em relação a terceiros, não sendo assim frustrada a expectativa dos credores, nomeadamente da recorrida, que aliás tinha conhecimento da existência dos arrendatários do prédio, pelo que os contratos de arrendamento não caducaram com a venda do prédio na acção executiva, pelo que e por tal motivo não merece assim acolhimento a posição defendida no Acórdão recorrido.
SEM PRESCINDIR 8- Na eventualidade de se considerar que os contratos de arrendamento caducaram por força da venda judicial do prédio - o que se contesta pelas razões supra mencionadas - também se dirá e contrariamente ao indicado no Acórdão recorrido, que os contratos de arrendamento foram renovados nos termos do disposto no art. 1056º do CC, em virtude de a recorrida ter de forma clara e expressa reconhecido os arrendatários do prédio, nomeadamente o ora recorrente, já que e durante pelo menos 8 anos recebeu as rendas e não se opôs que o recorrente estivesse a exercer a sua actividade comercial no locado, situação esta que aliás ainda hoje ocorre, razão pela qual e por tal motivo ainda estão em vigor os mencionados contratos de arrendamento nomeadamente o celebrado com o recorrente.
SEM PRESCINDIR 9- Diga-se por fim e contrariamente ao indicado na sentença da 1ª instância, bem como no Acórdão recorrido, e atento aos factos dados como provados, é manifestamente ABUSIVA a pretensão deduzida nos autos pela recorrida, pois o pedido deduzido nos autos e relativo à entrega do locado por parte nomeadamente do recorrente, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, já que tinha pelo menos desde 1992 conhecimento da existência dos arrendamentos, conformando-se que os arrendatários exercem suas actividades comerciais, recebendo as rendas, bem como tendo inclusive aquando da arrematação em hasta publica do prédio proposto um preço de forma que os arrendatários e atento ao seu valor, não pudessem exercer os seus direitos de preferência na sequência de informação que para o efeitos receberam da Repartição de Finanças do concelho da Covilhã, razão pela qual a pretensão de recorrida deve assim ser apreciada nos termos do disposto no art. 334º do CC, com as consequências daí decorrentes.
10- Do exposto resulta ainda que, decidindo...
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