Acórdão nº 06A2756 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelBORGES SOEIRO
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA" e mulher BB intentaram acção de condenação, com processo ordinário, contra "Empresa-A", invocando que celebraram um contrato de arrendamento com a R. respeitante a parte do prédio por si identificado, com vista à venda de combustível, lavagens e lubrificação de veículos automóveis, passando a dada altura a arrecadação que integra esse locado à exploração de café/....

Mais referiram que chegaram a mover uma acção de despejo contra a mesma R., relativamente à qual transaccionaram, no qual, entre outras coisas, consignaram que esta procederia à exploração do dito café e que para a hipótese de cessão de exploração que a mesma pretendesse levar a efeito, tal negócio estaria dependente do consentimento escrito dos AA., enquanto senhorios.

Sustentaram ainda que a R. em 1992 cedeu a estranhos a exploração daquele café/..., tendo os AA. prestado tal consentimento por escrito, manifestando ainda disponibilidade para comparecer na celebração da imprescindível escritura pública, mas que, segundo sabem, a mesma nunca chegou a efectuar-se.

Por último referiram que no ano de 1999 constaram que as instalações desse café/... vinham sendo exploradas por terceiros, sem que os AA. tivessem autorizado a R. a dar esse destino, nunca tendo esta comunicado essa cedência ou aqueles aceitado a mesma, o que levou os mesmos a enviar uma carta à R. para saber o que se passava, não tendo obtido qualquer resposta.

Nesta conformidade quer em virtude de tal cessão de exploração estar sujeita a escritura pública, quer pelo facto da falta tempestiva de autorização ou comunicação dessa cessão, a mesma é ineficaz ou inválida, fundamentando por isso o despejo (64.º, n.º 1, al. f) RAU), tem a R. violado as suas obrigações plasmadas nas al. f) e g) do art. 1038.º, do Código Civil, terminando pedindo a condenação da R. a: a) Ver decretada a resolução de tal contrato de arrendamento; b) Despejar, de imediato, o local arrendado, com a sua entrega livre e desocupado.

A R. contestou afirmando que aquela outra acção de despejo teve por fundamento um sub-arrendamento desse mesmo estabelecimento de ..., tendo no decurso dessa acção, mais concretamente em 1992/Set./01, sido celebrado um "contrato promessa de cessão de exploração", no qual foi cessionário CC, tendo para o efeito os AA. emitido a declaração que juntaram.

Por isso, de acordo com aquela transacção, houve alargamento do objecto do contrato de arrendamento e não sendo os AA. os donos desse estabelecimento de café/..., não tem fundamento a pretensão destes últimos.

Referiram igualmente que os AA. tiveram pleno conhecimento daquele contrato de cessão de exploração, designadamente do seu teor e da possibilidade da sua renovação, que aceitaram, tendo por isso emitido aquela declaração de consentimento, para além de que a lei não exige que se comunique ao senhorio ou este dê autorização para a realização de tais contratos, impondo-se a este a prorrogação forçada dos mesmos (68.º, n.º 2 RAU).

Referem que o carácter taxativo das causas resolutivas do arrendamento não permite que se estabeleçam casos voluntários de resolução, como seria o presente, para além de que sempre foi comunicado verbalmente aos AA. aquela escritura pública de cessão, não tendo comparecido por "não terem de ir ou ser dispensável", para além de já há muito tempo ter caducado esse direito de resolução (65.º do RAU), tendo o A. marido perfeito conhecimento de toda esta situação, pois trabalha próximo desse ..., sendo inclusivamente seu frequentador, configurando esta acção uma situação de abuso de direito (334.º C. C.).

Por último, afirmam que os AA. litigam de má fé, pedindo a sua condenação em multa e indemnização, pugnando pela improcedência desta acção.

Os AA. replicaram, explicitando e mantendo os fundamentos inicialmente expendidos.

Proferiu-se o despacho saneador, que relegou para conhecimento final a apreciação da excepção de caducidade, organizando-se de seguida os factos provados e por provar, que sofreu reclamação oportunamente apreciada e decidida.

Procedeu-se à audiência de julgamento, mediante gravação da prova oral.

Foi proferida asentença na qual o Ex.mo Juiz considerou a acção improcedente, por não provada, pelo que absolveu a Ré dos pedidos contra si deduzidos, ao mesmo tempo que condenou os Autores como litigantes de má fé na multa de 15 U.Cs.

Inconformados com o assim decidido vieram interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo julgado a aludida apelação improcedente, com excepção do segmento decisório que condenou os Autores como litigantes de má fé, o qual foi revogado.

De novo, inconformados, vieram interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua alegação pela seguinte forma: 1. Salvo melhor opinião, e tendo até, e também, em conta o acervo fáctico dos autos, o douto acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação, determinação e aplicação da lei ao caso «sub judice».

  1. O douto acórdão recorrido, ao afirmar - à semelhança, aliás, daquilo que já havia efectuado a sentença de primeira instância do Tribunal de Santa Mana da Feira, e condicionando, dessarte, todo o julgamento da causa - que não é crível que os Autores, ora 3. Recorrentes, ignorem quem é que efectivamente procedia à exploração do estabelecimento sub iudice, por um lado, e, por outro lado, que a Recorrente mulher teria tido conhecimento da realidade objecto dos presentes autos através do Recorrente marido, violou, salvo o devido respeito para posição diversa, o regime das presunções judiciais, previsto nos artigos 349° e 351° do Código Civil.

  2. No caso presente a firma Recorrida violou as suas obrigações (de locatária), plasmadas nas alíneas f) e g) do artigo 1038° do Código Civil, razão pela qual, nos termos do n° 1, alínea f), do artigo 64° do Regime do Arrendamento Urbano, é lícito aos Recorrentes, como senhorios, peticionar a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Recorrida e o consequente despejo imediato desta, com entrega do local arrendado, livre e desocupado.

  3. Com efeito, a cessão de exploração do estabelecimento de café/ ... existente no local arrendado, efectuada pela firma Recorrida a CC, após 30 de Setembro de 1998, não foi consentida ou autorizada pelos Recorrentes, como senhorios, nem sequer foi comunicada pela Recorrida aos Recorrentes, sendo que estes, Recorrente marido e mulher, nunca reconheceram ou aceitaram o beneficiário da cessão como tal, e sendo ainda que tal cessão de exploração está sujeita a forma solene (escritura pública - cf. artigo 80°, alínea m), do Código de Notariado), pelo que a falta de forma legalmente exigida acarreta a nulidade do contrato (artigo 220° do Código Civil).

  4. O consentimento escrito constante da declaração de fls. 26 dos autos foi prestado pelos Recorrentes no estrito pressuposto de que a cessão de exploração seria efectuada «... por um período de seis anos, com início em um de Outubro de 1992 - noventa e dois - e termo em 30 - trinta - de Setembro de 1998 - noventa e oito - (..)» (documento n° 7 da petição inicial, junto a fls. 26 dos autos) - vide ponto 15° (décimo quinto) dos factos provados - razão peia qual não podia ter ocorrido renovação, reiteração ou prolongamento temporal da cessão de exploração.

  5. Recorrentes e Recorrida, estipularam, livre, voluntária e espontaneamente, de forma expressa, em termo de transacção homologado por sentença judicial transitada em julgado (vide ponto 8° - cláusula 4°, alínea VIII, B) dos factos provados), o seguinte: «Para a hipótese de cessão de exploração que a arrendatária pretenda levar a efeito, a mesma cessão fica dependente do consentimento por escrito por parte dos senhorios».

  6. Pelo que mantendo-se este clausulado contratual plenamente válido e em vigor, não poderia nunca, nem a sentença de primeira instância, nem o acórdão recorrido, salvo o devido respeito para posição diversa, fazer «tábua rasa» do contratado entre as partes, assumindo as posições e perspectivas que assumiram (numa questão, de resto, como se diz no acórdão recorrido, muito debatida, doutrinal e jurisprudencialmente), sob pena de violação do disposto no artigo 405° do Código Civil.

  7. É necessária a autorização do senhorio para a cessão de exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, instalado no prédio arrendado, a qual, desde que realizada, ter-lhe-á que ser comunicada (neste sentido: Acórdão da Relação de Évora de 07 de Junho de 1984 (R. 212/83) - Col. Jurisp. 1984, 3, 330; Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Julho de 1985 (R. 14851) - Col. Jurisp. 1985, 4, 64; Acórdão da Relação de Évora de 31 de Janeiro de 1991 (R. 587) - Col. Jurisp. 1991, 1, 290; Acórdão da Relação de Évora de 06 de Outubro de 1994 (R. 99) - Col. Jurisp. 1994, 4, 267; Acórdão da Relação de Évora de 18 de Maio de 1996 (R. 570) - Col. Jurisp. 1996, 3, 265).

  8. Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina são praticamente unânimes na tese de que no caso de cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial será sempre...

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