Acórdão nº 06A3251 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" e mulher BB CC, residentes na Endereço-A, Ovar, intentaram acção declarativa condenatória com processo comum, sob a forma ordinária, contra Empresa-A, com sede na Endereço-B, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de € 24.939,90 acrescido dos juros vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento, dobro do sinal entregue em contrato-promessa entre as Partes celebrado.

Alegaram para tanto, em síntese: - Celebraram contrato-promessa de compra e venda com a Ré relativo a um apartamento, nos termos do qual o prazo máximo para a conclusão do edifício seria de vinte e quatro meses a contar de Janeiro de 1999 e a escritura seria marcada pela Ré; - Em 31/01/2001 a R. enviou uma carta ao A. marido em que o informava que o edifício se encontrava praticamente concluído e que previa começar a efectuar as escrituras no princípio do mês de Março seguinte; - Em 13 de Fevereiro de 2001 o A. marido enviou uma carta à R. em que lhe comunicou que concedia o prazo de mais trinta dias para a outorga da escritura de compra e venda, ficando a aguardar a marcação da data, e mais dizia nessa carta que, findo o referido prazo de mais trinta dias sem que a escritura de compra e venda estivesse celebrada, deixava de ter interesse na realização da referida compra e venda e considerava o contrato promessa como não cumprido; - Em 20/02/2001 a R. enviou ao Autor outra carta a comunicar que ainda não tinha sido possível obter a licença de utilização da fracção prometida vender e ainda estavam em curso várias obras no edifício e zonas envolventes.

Contestou a Ré dizendo, também em resumo: - Não foi estabelecido no contrato-promessa qualquer prazo peremptório para a celebração da escritura, concluiu o empreendimento no prazo previsto, obteve a documentação necessária no ano subsequente à conclusão do empreendimento, interpelou os Autores para indicarem o local onde pretendiam fazer a escritura e marcou a escritura à qual os AA. não compareceram; - Por carta de 05/03/2003 a Ré comunicou aos AA. a rescisão do contrato por incumprimento daqueles.

E reconveio, pedindo se declare o contrato rescindido com perda de sinal a favor dela R./Reconvinte.

Produzidos os restantes articulados, elaborou-se despacho saneador e seleccionou-se a factualidade relevante, por despacho que não mereceu qualquer reparo.

Procedeu-se a julgamento com decisão da matéria de facto controvertida, ainda sem reclamações, após o que o Ex.mo Juiz proferiu sentença que decretou a improcedência, tanto da acção como da reconvenção, mas condenou a Ré -Reconvinte a entregar aos AA a quantia de 2.500.000$00 deles recebidos a título de sinal.

Inconformados, apelaram AA e Ré/Reconvinte, mas o recurso desta foi julgado deserto por falta de alegação.

Na contra-alegação e a título subsidiário, nos termos do n.º 2 do art. 684.º-A do CPC, a Ré/Apelada impugnou a decisão proferida sobre parte da matéria de facto e arguiu a nulidade da sentença que condenara em objecto diverso do pedido ao mandar restituir o sinal em singelo quando tal não fora pedido, nem a título subsidiário nem em alternativa ao único pedido formulado, o da restituição do sinal em dobro.

A Relação do Porto confirmou o decidido, mantendo a improcedência da acção porque, no essencial, os AA não haviam fixado à Ré um prazo peremptório para esta outorgar a compra e venda prometida que, de resto, na altura a Ré não podia cumprir por motivos independentes da sua vontade.

Nada disse a Relação sobre aquele pedido subsidiário da Apelada. Pelo que veio esta requerer a reforma do Acórdão para que se suprisse a omissão de pronúncia.

Reconhecendo a omissão e suprindo a nulidade cometida, a Relação decretou a anulação da sentença recorrida na parte em que condena a apelada Empresa-A a entregar aos Apelantes AA a quantia de 2.500.000$00 a título de sinal.

Inconformados, pedem os AA revista, insistindo na procedência da acção ou, ao menos, na restituição da quantia entregue a título de sinal. Como se vê da alegação que coroaram com estas Conclusões: 1ª - A primeira questão a apreciar na presente revista é a de saber se houve, por parte da Ré, incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda.

2ª - Para que a mora se converta em incumprimento definitivo é necessário que haja interpelação admonitória do devedor ou impossibilidade de cumprimento; 3ª - Não havendo prazo fixado para o cumprimento é necessário promover a sua marcação transformando a obrigação pura em obrigação com prazo certo. Se houver prazo certo a mora inicia-se após o decurso desse prazo; 4ª - Do contrato promessa de compra e venda constante do documento escrito (cláusulas 6ª e 7ª) consta um prazo certo para a compra e venda com a outorga da respectiva escritura pública; 5ª - A interpretação que um cidadão médio faz das cláusulas sexta e sétima do contrato promessa é que a escritura de compra e venda seria feita no máximo até 24 meses após Janeiro de 1999, isto é, até 31 de Janeiro de 2001. O que aí se admitia era que pudesse ser marcada antes; mas as partes fixaram como prazo máximo 31 de Janeiro de 2001.

6ª - E foi esse o entendimento da R. que nesse mesmo dia 31 de Janeiro de 2001 enviou uma carta aos AA. a informá-los que o edifício estava praticamente concluído e que previa fazer a escritura em princípio de Março seguinte; 7ª - Essa é também a interpretação mais conforme com o texto do documento escrito (art. 236° e 238° CC).

8ª - Estando perante uma obrigação com prazo certo os AA. fizeram à R. uma interpelação admonitória por carta de 13.02.2001 concedendo o prazo de mais 30 dias para a outorga da escritura, findo o qual perdiam o interesse e consideravam o contrato não cumprido; 9ª - O prazo concedido foi razoável, uma vez que foi mais longo que aquele que a R. havia referido na sua carta de 31.01.2001; 10ª - Como resulta dos factos provados apenas em 24.10.2002 (um ano e meio depois do prazo da carta de 31.01.2001) é que a R. tinha condições para fazer a escritura e cumprir o contrato; 11ª - Ficou provado que os AA. pretendiam utilizar o apartamento a partir de Fevereiro de 2001, porque tinham um filho que ia estudar para a localidade e iria habitar esse apartamento; 12ª - A perda de interesse dos AA. tinha uma dimensão objectiva, se se considerar esta questão, para além do prazo razoável concedido; 13ª - Por outro lado, a R. não podia cumprir o contrato promessa por o apartamento que os AA. tinham prometido comprar não ter sido construído, não existir.

14ª - O AA. prometeram comprar o apartamento com base no projecto e planta e antes do início da construção do edifício. O apartamento em causa ficava localizado numa determinada fachada do edifício com determinadas características que ficaram provadas; 15ª - A R. alterou quer a implantação do edifício quer as características do mesmo, de tal modo que o apartamento que pretendia vender aos AA. ficava localizado nas traseiras do edifício e com uma implantação totalmente diferente. Essa localização e características são muito diferentes para pior do que os AA. haviam prometido comprar e a R. prometido vender; 16ª - A mora converte-se em incumprimento definitivo se lhe sobreviver a impossibilidade de cumprimento (art. 801°, n.° 1 CC). Essa impossibilidade deve- -se a culpa da R. que alterou a implantação e características do edifício sem sequer ter dado conhecimento aos AA.; 17ª - Se assim não se entender - o que se admite por mera cautela - terá de ser analisada a questão da nulidade da sentença; 18ª - A R. pediu subsidiariamente nas contra-alegações a nulidade da douta sentença da primeira instância o que foi concedido. O fundamento desse pedido de reforma do douto acórdão recorrido foi a nulidade prevista no n.° 2 do art. 716° do C.P.C.; 19ª - A arguição de nulidades apenas pode ser suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão se o processo não admitir recurso ordinário; caso contrário o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades; 20ª - O douto acórdão recorrido era passível de recurso, pelo que o Tribunal da Relação não podia apreciar a nulidade invocada; 21ª - Mesmo que assim não se entenda, não se verifica a nulidade invocada. Esta, segundo a R. consistia em o Tribunal ter condenado em quantidade superior ou objecto diverso do pedido; 22ª - O pedido dos AA. era a condenação da R. no pagamento da quantia de 24.939,90 euros. A R. foi condenada a entregar aos AA. a quantia de 2.5000$00; 23ª - A R. deduziu pedido reconvencional em que pedia que lhe fosse concedido o direito de ficar com os 2.500.000$00 de sinal; 24ª - A condenação não excede, em termos quantitativos, o pedido formulado pelos AA., nem condenou em objecto diverso do pedido. Não há condenação "ultra petitum", nem "extra petitum"; 25ª - Por outro lado é orientação fundamental do actual código de processo a de proporcionar o aproveitamento das acções com vista à aplicação do direito substantivo e a realização da justiça material, em detrimento dos puros trâmites processuais.

26ª - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos art. 236.º, 238.º, 808.º n.º 2, 801.º, n.º 1 do Código Civil e 716.º e 668.º do CPC, devendo ser alterado em conformidade com o alegado.

A Recorrida resumiu assim a sua resposta: 1 - O presente recurso tem por objecto a apreciação do alegado incumprimento do contrato-promessa pela Recorrida e subsidiariamente a questão da nulidade da sentença.

2 - No âmbito da 1ª questão, não resulta do teor do contrato-promessa (cláusulas 6ª e 7ª) qualquer prazo para a outorga da escritura de compra e venda.

3 - Estamos, portanto, perante uma obrigação sem prazo.

4 - A Recorrida só poderia fixar o prazo para a outorga da escritura após a emissão da competente licença de utilização pois após a outorga do contrato e por imperativo legal - D.L. n.º 281/99 de 26/07 - torna-se obrigatória a sua exibição material na data da escritura.

5 - Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que a Recorrida dispunha do prazo de 3 anos...

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