Acórdão nº 06S2064 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - RELATÓRIO 1.1.
"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Lamego, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 35.634,74, parcelarmente reportada a indemnização por antiguidade e a montantes retributivos pretensamente em dívida, incluindo a remuneração de trabalho suplementar, tudo acrescido de juros moratórios legais.
Alega, em síntese, que rescindiu unilateralmente o contrato laboral que o vinculava à Ré, factualizando, nesse sentido, as razões sumariamente elencadas na carta de rescisão: - falta de pagamento das retribuições referentes a Janeiro e Fevereiro de 2003; - suspensão de funções sem qualquer processo disciplinar prévio ou simultâneo e sem a correspondente nota de culpa; - imputação da subtracção de dinheiros por parte do Autor, sem a correspondente prova, ainda que indiciária.
A Ré impugnou os fundamentos rescisórios invocados pelo Autor e parte dos créditos retributivos reclamados, do mesmo passo que aduziu a instauração do processo disciplinar contra ele e a emissão da respectiva nota de culpa - tudo em momento anterior à rescisão apurada pelo demandante - e que veio a determinar o seu despedimento, notificado em data posterior àquela em que o Autor entregou a carta rescisória.
1.2.
A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente, declarando válida a rescisão com justa causa apresentada pelo Autor, condenando a Ré no pagamento de diversos créditos retributivos e na correspondente indemnização por antiguidade.
Nesse sentido, entendeu, em suma: - que a carta rescisória precedeu a notificação do despedimento, fazendo cessar de imediato a relação laboral e tornando inócua a sanção disciplinar aplicada; - que a invocada falta de pagamento dos salários integrava, no caso, "justa causa" de rescisão.
Ambas as partes apelaram da decisão: a Ré a título principal e o Autor subordinadamente, sendo que este circunscreveu a sua censura ao segmento decisório que não lhe reconheceu o direito ao recebimento do reclamado trabalho suplementar.
Todavia, fizeram-no sem sucesso, visto que o Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente - e com os mesmos fundamentos - a sentença apelada.
1.3.
Continuando irresignada, a Ré pediu a presente revista, cuja minuta alegatória remata com o seguinte núcleo conclusivo: 1- a actuação do A., mais do que censurável, tipifica um claro abuso de direito, a assumir mesmo foros de um genuíno "venire contra factum proprium" pois, com o seu silêncio e concordância, inculcou na Ré, primeiro, a convicção de que nenhum mal lhe adviria dessa prática, aproveitando-se, depois, desse mesmo facto para se despedir; 2- agiu o A. de má-fé, pois fê-lo precisamente na pendência do processo disciplinar que lhe estava a ser instaurado pela recorrente e numa altura em que se mostravam já suficientemente indicados todos os factos integradores da "Nota de Culpa" e que já praticava, desde há vários anos, à revelia da Cooperativa, de que era sócio e trabalhador; 3- não passando o fundamento jurídico invocado, supostamente previsto no art.º 35º da L.C.C.T., de um falso pretexto para se despedir, antes que fosse despedido, e nunca de um motivo real e determinante daquela sua conduta pois, legalmente só o mês de Fevereiro estava em atraso, uma vez que já tinham decorrido mais de 15 dias sobre o de Janeiro, estando, pois, vedado àquele ter-se despedido, como fez, com esse fundamento; 4- a revidente não pagava pontualmente ao A. e aos seus colegas por comprovadas dificuldades de orçamento e disponibilidade financeira, que a obrigavam a fazê-lo com dois meses de atraso, sendo tal prática adoptada com a anuência do A. e de todos os seus colegas, como, aliás, se intui dos recibos não impugnados juntos à contestação; 5- ainda que assim não fosse, o A. demitiu-se do direito de exigir da Ré a pretendida indemnização, por inobservância dos requisitos legais, não apenas porque não a avisou, com 10 dias de antecedência, de que era sua intenção rescindir o contrato com aquele fundamento, mas também porque não a comunicou oportunamente ao I.D.I.C.T.; 6- e, na perspectiva dos art.ºs 34º e segs. da L.C.C.T., também só teria direito a ser indemnizado por antiguidade se o referido atraso ficasse a dever-se a culpa imputável à recorrente, e de tal modo que a gravidade desta e as suas consequências tornassem prática, irremediável e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral; 7- é certo que a sentença da 1ª instância deixou exarado que a actuação da Ré tornava imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral": mas sem razão, porque o A., não alegou que a R. se tivesse recusado a pagar-lhe qualquer uma das prestações a que tinha direito, razão pela qual deverá ter-se como não escrita a afirmação produzida, conforme decorre dos art.ºs 646º n.º 4 e 668º n.º 1 al. D) do C.P.C.; 8- de contrário, deixar-se-ia passar em claro o inadmissível suprimento do M.mo Juiz, que consistiu em ter colmatado o ónus, que recaia sobre o A., de alegar os factos integradores do fundamento que serviu de base à condenação da recorrente; 9- ónus que o A. não cumpriu, nem na P.I. nem na missiva que lhe enviou e foi junta a fls. 54 dos auto, incorrendo a sentença em violação do art. 660º n.º 2 "in fine" do C.P.C. e da corrente jurisprudencial maioritária ou, pelo menos, mais adequada sobre tal desiderato; 10- o direito à rescisão do contrato com justa causa permite que a culpa, em princípio, seja de presumir, mas não dispensava o A. do dever de alegar os respectivos factos, pois a presunção de que goza apenas o liberava da obrigação de os provar, se é que os elementos apurados nestes autos não teriam, até, operado a inversão do referido ónus; 11- o tribunal "a quo" não se terá apercebido de que a Ré fora condenada na 1ª instância por ali se ter tomado conhecimento de questão que não podia conhecer-se, desatendendo às regras da repartição do ónus da prova e violando-se, assim, os art.ºs 342ºs 1 e 3 e 346º do C.C., coma prática da nulidade prevista no art.º 668º n.º 1 al. D), por referência ao art.º 660º n.º 2 2ª parte do C.P.C.; 12- aliás, na sentença da 1ª instância também se adoptaram "dois pesos e duas medidas diferentes" para a mesma situação, conhecendo-se da impossibilidade de aplicação da Lei n.º 17/86 ao caso concreto mas não se pronunciando, do mesmo jeito, sobre a inaplicabilidade ao caso do regime estatuído nos art.ºs 34º e segs. da L.C.C.T., em virtude de o A. não ter observado os requisitos legais ali consignados; 13- a fundamentação de que se socorrem as instâncias não se compagina com a lei, designadamente com a norma do art.º 34º da L.C.C.T., que é inconstitucional na interpretação e aplicação que dela se fez, como ratio decidendi da sentença e do Acórdão recorrido, na medida em que ali se viola o art.º 9º do Cod. Civil e, corolariamente, os art.ºs 202º n.ºs 2 e 205º n.º 5, bem como, ainda nessa perspectiva, ao tratar o igual por desigual, os art.ºs 12º n.º 2, 13º, 61º n.º 3 e 82º n.º 4 al. c) da nossa Lei Fundamental.
1.4.
O Autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
1.5.
No mesmo sentido se expressou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, com a expressa discordância da recorrente.
1.6.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FACTOS As instâncias deram como provada a seguinte...
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Acórdão nº 736/12.3TTVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Março de 2015
...de culpa –cfr. Acórdãos do STJ de 22.01.2003, Revista 3704/02-4ª Secção, in Sumários do STJ (http://www.stj.pt), do STJ de 18.10.2006, Proc. 06S2064, in www.dgsi.pt, e da RP de 15.05.95, in http://www.colectaneadejurisprudencia.com, referência 10894/1995. Por sua vez, Júlio Gomes, in ob. ci......
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