Acórdão nº 05P2236 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução11 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. 1 No processo comum n.º 62/99.1TASLV, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos AA, BB, e Empresa-A, imputando-lhes a prática de um crime de desvio de subsídio, p. e p. pelo art. 37.º, n.ºs 1 e 3, do DL n.º 28/84, de 20-01.

    Realizado o julgamento, com intervenção do tribunal colectivo, foi proferido, em 18-11-2004, acórdão no qual, julgando a acusação parcialmente procedente, se decidiu: - Absolver da mesma o arguido BB; - Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de desvio de subsídio p. e p. pelos n.ºs 1 e 3 do art. 37.º do DL n.º 28/84, de 20-01, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão e 90 dias de multa, à taxa diária de 5 euros; - Suspender a execução da pena de prisão, por 4 anos, na condição de o arguido AA, entregar, no prazo de 6 meses, a quantia de 40.000 euros à Associação de Bombeiros Voluntários de Silves e outros 40.000 euros à Associação de Desenvolvimento do Concelho de Silves "...", para serem utilizados na formação profissional e criação de novos postos de trabalho, assim sendo satisfeita a obrigação legal de restituição da prestação; - Condenar a Empresa-A, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 3 euros; - Ordenar a publicação da decisão.

    -Condenar o arguido AA em 7 UC de taxa de justiça e a arguida Empresa-A, em 4 UC, pagando ambos 1% sobre as mesmas e as demais custas, fixando-se a procuradoria em ¼.

    Inconformado, interpôs o arguido AA recurso para este Tribunal, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1.ª O conteúdo do Art.º 39° do D.L. 28/84 de 20/01 é inconstitucional por violação do principio da determinabilidade das normas punitivas, contidas no Art.º 29° n.º 1 e 3 da Lei Fundamental.

    1. O douto Acórdão recorrido, ao não esclarecer porque considera o valor recebido pelo Arguido como consideravelmente elevado, carece de fundamentação, pelo que está ferida da nulidade prevista no art.º 379°, n.º 1, al. a) do C.P.P.

    2. O douto Acórdão recorrido, ao não condenar solidariamente com o Arguido a sociedade Empresa-A, conforme determina o n.º 3 do art.º 2° do D.L. 28/84, de 20/01, sofre do vicio da nulidade prevista no art.º 379°, n.º 1 al. c) do C.P.P..

    3. Atendendo à personalidade do Arguido - sem cadastro - ao grau de culpa e à exígua intensidade do dolo, a pena aplicada mostra-se desproporcionada, por excessiva, tendo violado o disposto no art.º 71° do C.P..

    4. Tal como é excessivo, face às possibilidades do arguido, impôr-lhe o pagamento da quantia de € 80.000,00 euros como condição para a concessão da medida da suspensão da execução da pena, violando ostensivamente, o douto Acórdão recorrido, o disposto no n.º 2 do art.º 51º do C.P., pois tal imposição põe em causa a séria intenção de suspender a execução da pena.

    5. Assim como é irrazoável e mesmo inviável, constituindo apenas autêntico adiamento da execução da pena a concessão de um prazo de apenas 6 meses para efectuar o pagamento de € 80.000.00 euros, como condição de suspensão da execução da pena de prisão, violando-se, assim, igualmente o n.º 2 do art.º 51º do C.P., pois, repete-se, tal prazo, impedirá, na prática a suspensão da execução da pena de prisão 7.ª Face aos factos provados, a quantia a restituir não pode ser superior a Esc. 15.649.200$00 (€ 78.057,88).

    6. O douto Acórdão recorrido violou o disposto no art.º 39° do D.L. 28/84, de 20/1 ao condenar a restituir a entidades que não ao Estado que é a entidade lesada.

      Pelo Exposto, deve ser revogado o Acórdão recorrido, acolhendo esse Venerando Tribunal as razões invocadas nas conclusões do presente Recurso.

      Fazendo Justiça» 1.

      2 Respondeu ao recurso o Magistrado do MP junto do Tribunal recorrido, concluindo nos seguintes termos (transcrição): «1ª. A pretensa inconstitucionalidade do art. 39º do Dec. -Lei nº 28/84 de 20.1 não tem qualquer relevância para os presentes Autos: com efeito o pagamento da importância de 80.000 € (2x40.000 €) que o Tribunal impôs ao arguido não é uma pena, antes é uma condição da suspensão da pena de 2 anos e 10 meses de prisão que lhe foi aplicada nos termos do disposto no art. 37º nº 3 do Decreto-Lei nº 28/84 de 20.1 2ª. Como resulta do nº6 da matéria provada "Em data não concretamente apurada, o arguido AA fez sua a quantia de 15.649.200$00, agindo livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida, com o propósito de obter e utilizar vantagens patrimoniais"; estando consagrado no art.202° al. b) do Código Penal que é valor consideravelmente elevado aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto, valor consideravelmente elevado seria aquele que excedesse 2400 contos, valor este muito aquém do valor desviado pelo arguido! Está assim preenchido o disposto no art.374º nº 2 do C.P.P, pelo que não padece o douto Acórdão da nulidade pretendida pelo Recorrente, a nulidade prevista no art. 379° nºl al. a) do mesmo Diploma.

    7. O arguido não foi condenado a pagar nenhuma indemnização, antes foi condenado numa pena concreta de prisão, que foi suspensa na sua execução sob a condição de pagamento de determinadas quantias a entidades alheias àquela que concedeu o subsídio pelo facto de esta não ter zelado devidamente pela boa aplicação dos dinheiros públicos.

    8. A não condenação do arguido no pagamento de uma indemnização, mas no pagamento de determinadas quantias a duas Instituições (Associação de Desenvolvimento do Concelho de Silves "..." e Associação dos Bombeiros Voluntários de Silves) tem como finalidade que essas mesmas verbas sejam utilizadas na formação profissional e criação de novos postos de trabalho, o que não se verificou com o Organismo que concedeu o subsídio a quem incumbia tal missão.

    9. Assim estas quantias - que não revestem a natureza de restituição - para atingirem a sua finalidade tinham que ter, como tiveram, um valor aproximado com aquele do subsídio que foi entregue ao arguido, sendo o prazo do respectivo pagamento perfeitamente razoável atentas as condições económicas do arguido, condições efectivas e não aquelas que o arguido pretendeu fazer crer ao Tribunal.

    10. O arguido agiu com dolo directo, daí que intenso, sendo muito elevado o grau de ilicitude dos factos atento o valor consideravelmente elevado do subsídio.

    11. Assim ponderando todos os elementos que o art. 71º do Código Penal manda atender, designadamente e também a culpa do arguido, a sua condição financeira, as necessidades de prevenção geral e especial e a falta de arrependimento demonstrado pelo arguido, afigura-se-nos a pena justa e adequada.

    12. O douto Acórdão, ora sob censura não violou qualquer disposição legal, nomeadamente o Decreto-Lei nº 28/84 de 20.1 Termos em que deve ser negado provimento ao Recurso confirmando-se o douto Acórdão recorrido como é de Justiça».

  2. 3 Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na vista a que alude o art. 416.º do CPP, pronunciou-se no sentido de nada obstar ao conhecimento do recurso, e de deverem os autos prosseguir, com designação de data para audiência.

  3. Realizada a audiência, cumpre decidir.

  4. 1 Questões a resolver Sendo o objecto do recurso circunscrito às conclusões da respectiva motivação, como é jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça, vêm suscitadas as seguintes questões: 1.ª - Inconstitucionalidade material da disposição contida no art. 39.º do DL 28/84, de 20-01; 2.ª - Nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação bastante; 3.ª - Nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP; 4.ª - Medida da pena; 5.ª - Violação do disposto no n.º 2 do art. 51.º do CP; 6.ª - Excesso do montante a restituir; 7.ª - Violação do art. 39.º do DL 28/84,de 20-01, ao ser determinada a restituição a outrem que não ao Estado.

  5. 2 Factualidade provada e não provada 2.

    2.1 Com pertinência para a apreciação do presente recurso, segue a factualidade, provada e não provada, constante do acórdão da 1.ª instância: «1. A Empresa-A, é uma sociedade cujo objecto social consiste na fabricação, reparação e recuperação de paletes e embalagens de madeira, cartão ou plástico, representação de paletes, de embalagens e materiais de protecção para produtos embalados, representação de maquinaria própria para a fruticultura e horticultura assim como a utensilagem, compra, venda de produtos frutícolas e hortícolas, manutenção de equipamento e máquinas industriais, serviços de limpeza industriais, exploração da actividade hoteleira e similares, grossista, distribuidor, retalhista, importador, exportador...

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