Acórdão nº 06P2943 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução04 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Inconformado com o despacho proferido em 11 de Maio de 2005 pelo relator no processo de transmissão de execução de sentença penal portuguesa, pendente no Tribunal da Relação do Porto, que havia decidido sobrestar na concessão do presente pedido de delegação até que o consentimento (do requerido AA) se mostrasse prestado, o Ministério Público reclamou para a conferência, que decidiu indeferir tal reclamação e confirmar o despacho reclamado.

Ainda irresignado, o reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao mesmo tempo que promoveu a expedição de carta rogatória para o reino de Espanha com vista a obter o reclamado consentimento do arguido.

Nesse recurso interlocutório admitido para subir a final com efeito meramente devolutivo, concluiu o Ministério Público recorrente do seguinte jeito [transcrição]: 1. A questão objecto do recurso prende-se com a interpretação do art.º 68° nº 1 da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, particularmente quanto ao significado do segmento " [...] se subtraiu, evadindo-se para o seu país, ao cumprimento desta pena ou medida de segurança..."; 2. A Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, manteve a sujeição do instituto da extradição a um controlo, em primeiro lugar, de natureza política e só depois, uma vez o mesmo aceite directamente, ou por delegação, pelo membro do governo respectivo, a uma apreciação judicial; 3. Nos termos desta lei e no que concerne, concretamente, com a execução no estrangeiro de sentença penal portuguesa exige-se que a sua delegação seja justificada pelo interesse de uma melhor reinserção social do condenado [alínea d) do nº 1 do art.º 104°], e que o condenado dê o seu consentimento à execução [nºs 4 a 7 dos art.º 107° e art.º 109° nº 1, alínea a)]; 4. Requisitos que podem ser dispensados em situações limite prevista na lei, e que visam evitar situações de impunidade decorrentes, essencialmente, do princípio então prevalecente da não extradição de nacionais; 5. Este é, todavia, o regime regra da cooperação internacional em matéria penal definido por aquela Lei interna portuguesa e que, como tal, se aplica mesmo aos pedidos de cooperação formulados por países com os quais Portugal não se encontra ligado por qualquer instrumento de direito internacional; 6. Num plano hierarquicamente superior encontra-se, porém, todo um conjunto alargado de tratados, convenções e acordos internacionais celebrados por Portugal, quer no âmbito do Conselho da Europa, quer no âmbito da União Europeia, e que, por constituírem fonte de direito internacional, se sobrepõem ao direito interno português; 7. Prevalência do direito internacional (nomeadamente o de fonte convencional) que é expressamente conferida pelo art.º 30.º nº 1 da Lei nº 144/99; 8. Entre essas normas de direito internacional, de valor hierárquico superior, encontra-se o Acordo de Schengen e a respectiva Convenção de Aplicação, a que Portugal e o Reino de Espanha aderiram, em resultado dos quais foi abolido o controle das pessoas nas fronteiras comuns e postas em prática as chamadas "medidas compensatórias" resultantes daquela abolição de fronteiras; 9. É neste contexto que ficou, assim, estabelecido que a delegação da execução das sentenças penais privativas de liberdade, transitadas em julgado, decretadas por uma Parte Contraente relativamente a um nacional da outra Parte Contraente que se subtraiu, evadindo-se para o seu país, ao cumprimento desta pena, possa ser solicitada a esta última, caso esta aí seja encontrada (art.º 68° nº 1 da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen); 10. E sem que, para isso, o condenado tenha de dar o seu consentimento (art.º 69° da mesma Convenção); 11. Numa interpretação literal o funcionamento do artigo 68° n 1 da Convenção apenas exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: que o agente se tenha subtraído (fugido) ao cumprimento da pena ou medida de segurança; e que se tenha evadido (ausentado) para o país da sua nacionalidade; 12. Tudo o mais que se exija ao preenchimento daquela cláusula - nomeadamente que a sua qualquer atitude evasiva seja posterior à condenação - é requisito que a mesma não comporta; 13. No caso dos autos o agente, tendo cometido um ilícito penal em Portugal, ausentou-se para o seu país (Espanha), com isso se tendo subtraído (escapado) à acção da justiça portuguesa e ao cumprimento da pena que lhe veio a ser aplicada, condenação de que foi, aliás, notificado; 14. Pelo que, não havia assim que dar cumprimento ao disposto nos nºs 4 a 7 do art.º 107° da Lei 144/99, face à desnecessidade do consentimento do condenado conforme estabelece o art.º 69° da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen; 15. No mesmo sentido, ou seja, quanto à desnecessidade do consentimento do condenado, aponta o elemento histórico, já que as circunstâncias que justificaram a celebração da Convenção com aquele conteúdo estão relacionadas, não já apenas com a melhor integração social do condenado - que o cumprimento da pena no seu país de origem traz implícito - mas também com a necessidade de evitar ou reduzir situações de impunidade decorrentes do facto de um cidadão estrangeiro, para se subtrair à acção da justiça do país em que cometeu um crime por que veio a ser condenado, se refugia no país de que é natural; 16. Situação particularmente facilitada hoje, no âmbito da União Europeia, pela abolição das fronteiras internas e que a Convenção quis, daquela forma, "compensar"; 17. Por fim, com a substituição do sistema complexo e moroso das extradições, por um sistema de directo de entrega entre as autoridades judiciárias, concretizado através do regime do mandado de detenção europeu, a extradição/entrega de nacionais para execução de sentença penal estrangeira pode ser negada pelo Estado-Membro de execução, desde que o mesmo se comprometa a executar essa pena nos termos do seu direito nacional; 18. O que, numa interpretação actualista dos art.ºs 68° nº 1 e 69° da Convenção, nos permite concluir também, no caso dos autos, pela desnecessidade do consentimento do condenado para a delegação da execução da sentença penal portuguesa no Reino de Espanha.

19. Uma vez que, por este procedimento, fica assim já delegada no Reino de Espanha a execução da sentença penal portuguesa 20. Pelo que decidindo pela necessidade desse consentimento o acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 68 nº 1 e 69° da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen., em vigor na ordem interna portuguesa desde 26 de Março de 1995 - Resolução da Assembleia da República nº 35/93, de 25 de Novembro, ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 55/93, da mesma data, e os nºs 4 a 7 do art.º 107° da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto.

Termina pedindo seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro em que se decida não haver lugar ao cumprimento do disposto nos números 4 a 7 do art.º 107° da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, atenta a desnecessidade do consentimento do condenado, conforme estabelecem os artigos 68° nº 1 e 69° da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.

Entretanto, em cumprimento da carta rogatória a que supra se fez menção, o arguido AA negou o seu consentimento ao pedido do Ministério Público.

Nessa sequência, a Relação do Porto, «por não estarem reunidas as condições legais necessárias para que se possa proferir decisão favorável à transmissão», deliberou, indeferir o pedido.

Mais uma vez irresignado, recorre o Ministério Público ao Supremo Tribunal de Justiça, reeditando o objecto do recurso nesta repetição da «síntese conclusiva»: 1. A questão objecto do recurso prende-se com a interpretação do art.º 68° nº 1 da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, particularmente quanto ao significado do segmento "... se subtraiu, evadindo-se para o seu país, ao cumprimento desta pena ou medida de segurança..."; 2. A Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, manteve a sujeição do instituto da extradição a um controlo, em primeiro lugar, de natureza política e só depois, uma vez o mesmo aceite directamente, ou por delegação, pelo membro do governo...

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