Acórdão nº 06P2052 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1.

1.1.

No Tribunal Colectivo da 1ª Vara Criminal do Porto, no Pº nº … IDPRT, responderam os arguidos - …, LDA, com o NIPC nº …, e sede na Rua …, …, Santo Ildefonso, Porto; - BB, filho de … e de …, nascido em … em Massarelos, Porto, solteiro, desempregado, residente na Rua …, …, …, Porto e - CC, filha de … e de .., nascida em … em Massarelos, Porto, solteira, cambista em caixa de serviços financeiros, residente na Rua …, …, Habitação …, Porto, pronunciados que iam pela autoria de três crimes de abuso de confiança fiscal, dois deles p. e p., à data dos factos, pelo artº 24º, nº 1, do DL 20-A/90, de 15/1 (RJIFNA), e o terceiro p. e p. pelo artº 24º, nºs 1 e 5, do mesmo diploma e, actualmente pelo artº 105º, nº 1, da Lei 15/2001, de 5/6 (RGIT).

A final, - a arguida CC foi absolvida; - o arguido BB e a arguida AA, Lda foram julgados autores materiais de 18 crimes (dolosos) de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1 e 24º, nºs 1 ou 4, do RJIFNA, relativos a outras tantas prestações tributárias - IRS, IRC e IVA - não entregues ao Fisco, entre 20.03.97 e 20.06.98, cujo procedimento criminal, no entanto, veio a ser julgado extinto «por prescrição, ocorrida cinco anos depois de cada referida data», nos termos dos arts. 15º nº 1 e 4º nº 1, do RJIFNA e 120º e 121º, do CPenal; - a arguida AA, porque entretanto foi declarada falida, viu extintas a responsabilidade e o procedimento criminais relativos à autoria material, entre 20.7.98 e 15.02.2001, dos restantes 39 crimes (dolosos) de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1 e 24º, nºs 1 ou 4, do RJIFNA, , em conformidade com o disposto nos arts. 141º e 146, do CSC e 127º e 128º, nº 1, do CPenal; - o arguido BB, como autor material de um crime (doloso) continuado de abuso de confiança fiscal simples, relativo às mesmas 39 prestações tributárias não entregues entre 20.07.98 e 15.02.2001, p. e p. pelos arts. 30º, nº 2, do CPenal e 6º, nº 1, 7º, nº 1, 9º, nºs 1 e 2 e 24º, nº 1, do RJIFNA e, desde 06.07.2001, pelo artº 105º, nº 1, do RGIT, em um ano de prisão cuja execução foi suspensa por um ano e 6 meses ao abrigo dos arts. 50º, nº 1, do CPenal e 11º, nº 7, do RJIFNA e 14º, nº 1, do RGIT, com a condição de, até ao termo do prazo de suspensão, comprovar o pagamento de €47.452,61 e acréscimos legais.

1.2.

Inconformada, a Senhora Procuradora da República interpôs recurso - para o Tribunal da Relação do Porto, mas que foi admitido, aliás correctamente, para subir ao Supremo Tribunal de Justiça por, como veremos, impugnar apenas a decisão de direito - tendo tirado da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1- Realizado o julgamento o tribunal colectivo decidiu, numa parte, julgar BB autor material entre 20.7.98 e 15.02.2001 dos factos, atinentes às provadas 39ª a 57ª prestações tributárias, constitutivos de um crime (doloso) continuado de abuso de confiança fiscal simples p.p. pelos arts 30° n° 2 do CP95 e 6° n° 1, 70 n° 1, 90 n°s 1 e 2 e 24° n° 1 do RJIFNA, desde 06.7.2001 p.p. pelo art 105° n° 1 do RGIT, e condená-lo em um ano de prisão suspensa por um ano e seis meses com a condição de até ao termo do prazo de suspensão comprovar neste processo o pagamento dos 47.452.61 € e acréscimos legais.

2- O Ministério Público não se conforma com a decisão, na parte em que julgando BB e AA. autores materiais entre 20.3.97 e 20.6.98 de 18 crimes (dolosos) de abuso de confiança fiscal p.p. conforme arts 6° n° 1, 7° n° 1 e 24° n°s 1 ou 4 do RJIFNA, e por prescrição ocorrida cinco anos depois de cada referida data declara extinta a responsabilidade e procedimento criminais conforme arts 15° n° 1 e 4° n° 1 do RJIFNA. 120° e 121° do CP95.

3- Não se entende qual o critério para o tratamento desigual da actividade reiterada do arguido nestes dois períodos temporais, a qual foi exercida de modo ininterrupto.

4- Como vem sendo defendido pela Jurisprudência, nomeadamente no Ac. STJ de 20/6/2001 (CJ. Ac do STJ 2001. II. p. 227-230) face à revogação do n° 6 do art. 24 do DL 394/93, nada obsta a que se aplique o regime previsto no art. 30 n°2 do CP.

5- 0 fundamento do crime continuado (art. 30 n° 2 do CP) encontra-se na considerável diminuição da culpa do agente devido ao carácter exógeno da conduta, que lhe cria uma especial solicitação para o crime.

6- Resulta da matéria de facto provada, que o comportamento reiterado do arguido se desenrolou no mesmo contexto, de forma homogénea, dirigindo-se contra o mesmo bem jurídico, violando o mesmo tipo legal de crime (abuso de confiança fiscal).

7- A pluralidade de resoluções tomadas decorreu no âmbito de uma solicitação exterior que facilitou de maneira apreciável a sua reiteração criminosa, existindo conexão espacial e temporal entre os vários actos que ocorreram no período indicado nos factos dados como provados, isto é entre 20/3/97 e 15/2/2001.

8- 0 juízo de censura e de culpa unitário é que estrutura a culpa no caso do crime continuado, sendo desse modo que deverá ser aferida toda a conduta do arguido.

9- Nos termos dos arts 118° n°1 al b) do CP82 e 119° n° 2 al b) do actual CP, o prazo de prescrição só corre "nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto" 10- Acresce que no crime de abuso fiscal na forma continuada «deve atender-se ao valor que corresponde a cada apropriação da prestação tributária e não ao total de todas as prestações que integram a continuação criminosa, para se apurar se a respectiva conduta corresponde à sua cominação simples ou agravada».

11- A última e mais elevada prestação devida e não entregue ao Estado foi a relativa ao IVA do 4° trimestre de 2000, no montante de € 7.583.33 - importância essa muito inferior ao limite (5.000.000$00) referido no n° 5 do art. 24 do RJIFNA e também inferior ao limite (€ 50.000) referido no n° 5 do art. 105 do RGIT, pelo que sempre se terá de manter a qualificação do crime de abuso de confiança fiscal como simples.

Violou assim o douto Acórdão recorrido o disposto nos arts 30° n° 2 do CP95 e 4° n°1, 6° n° 1, 9° n°s 1 e 2, 15° e 24° n° 1 do RJIFNA, art 105° n° 1 do RGIT, arts 15° n° 1 e 4° n° 1 do RJIFNA. 118 nº 1al b) do CP e 119° n° 2 al b) do CP95, pelo que deve ser revogado nesta parte e o arguido condenado como autor material entre 20.03.97 e 15.02.2001 de um crime (doloso) continuado de abuso de confiança fiscal simples, devendo proceder ao pagamento do total de 11.886.77 € a título de IRS, o total de 1.720.86 € a título de IRC e o total de 57.016.50 € a título de IVA (cfr n°17 dos factos provados) e acréscimos legais…» 1.3.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta do Supremo Tribunal de Justiça nada viu que obstasse ao conhecimento do objecto do recurso.

1.4.

Do mesmo parecer foi o Relator no exame preliminar, razão por que, colhidos os vistos legais, foi designada data para a audiência, a que se procedeu nos termos que constam da respectiva acta.

Tudo visto, cumpre decidir.

  1. Decidindo: 2.1.

    É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto que, já o dissemos, não foi impugnada: Factos Provados 1. AA, NIPC …, com sede na Rua …, …, …, Porto, encontra-se matriculada na CRC do Porto desde 29.11.94 sob o nº 2712 / 941129 e tem por objecto social o fabrico de roupa de trabalho.

  2. Está, nessa qualidade e pelo exercício da actividade de fabricação de fatos de tra- balho CAE 18210, inscrita como sujeito passivo de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e é colectada em IRC pelo Serviço Local de Finanças do Porto-4.

  3. São seus sócios: BB, CC, cada um com uma quota de 200.000$00.

  4. Pelo menos desde 1997 inclusive que BB foi exercendo de facto as funções de gerente da SOCIEDADE pois, sendo BB e CC seus únicos represen-tantes legais como únicos sócios logo designados gerentes, desde tal 1997 BB, apenas ele pelo menos desde 4/2000, nessa qualidade de efectivo gerente diário conhecia as concretas obrigações regulares da SOCIEDADE perante a AT.

  5. Todavia, não obstante bem conhecer as obrigações que sobre si impediam, ao longo de quase todos os meses dos anos de 1997 a 2000 BB não fez SOCIEDADE entregar importâncias retidas por esta a título de IRS-A, IRS-B, IRS-F, IRC e IVA.

  6. De facto, em vários meses dos anos de 1997 a 2000, SOCIEDADE e BB, apesar de terem procedido ao pagamento de rendimentos de trabalho dependente, rendimentos de trabalho independente e rendimentos prediais e de terem efectuado as correspondentes retenções de IRS e de IRC, não entregaram essas retenções nos cofres do Estado, conforme estavam legalmente obrigados.

  7. Assim e no que tange a IRS e IRC, retiveram os seguintes valores em cada uma daquelas categorias: [segue-se o quadro de onde constam as verbas retidas e não entregues ao Fisco...

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