Acórdão nº 06B2601 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução21 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Empresa-A intentou, no dia 12 de Julho de 2002, contra Empresa-B, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 11 707,27 e juros vincendos, sob o fundamento de lhe haver fornecido, a seu pedido, produtos de cortiça, emitindo para o efeito as respectivas facturas, a pagar a 90 dias após a sua emissão, e de que a ré só parcialmente as pagou, apesar de interpelada diversas vezes para pagar o restante.

A ré, em contestação, afirmou o acordo sobre a qualidade das rolhas, o tipo de encomendas e as condições de qualidade, e que mais de 40% delas eram defeituosas ou com qualidade inferior à encomendada, e que disso reclamou.

E em reconvenção pediu contra a autora a declaração de que nada lhe devia, que lhe assistia o direito à redução do preço e a sua condenação a indemnizá-la no montante de € 10187,60 por danos patrimoniais e em não menos de € 25 000 por danos não patrimoniais e juros desde a data da notificação da última.

Na réplica e na tréplica, respectivamente, a autora pediu a condenação da ré e esta a condenação daquela, por litigância de má fé, no pagamento de indemnização.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 15 de Julho de 2005, por via da qual foi a acção julgada procedente e a reconvenção improcedente, e condenada a ré a pagar à autora € 10 187,60 e juros desde 90 dias após as datas de indicadas facturas à taxa legal relativa às empresas comerciais, inicialmente 12%, e a partir de 1 de Outubro de 2004 9,01% e, desde 1 de Janeiro de 2005, 9,09%.

Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Março de 2006, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - as rolhas fornecidas pela recorrida não corresponderam às que lhe encomendou, pelo que há lugar à redução do preço, nos termos dos artigos 911 ° e 913° do C. Civil; - a recorrida cumpriu defeituosamente o contrato de fornecimento quanto à qualidade e à classe das rolhas que tinha que fornecer, elemento essencial do contrato para a recorrente; - assiste à recorrente o direito de invocar a excepção de não cumprimento, recusando o pagamento pedido pela recorrida enquanto não for reduzido o preço dos fornecimentos; - não se pode fixar o valor exacto dos danos a indemnizar por falta de prova do seu quantitativo não pode significar a eliminação do direito à indemnização, cabendo ao tribunal fixá-la com recurso à equidade, nos termos do artigo 566°, nº 3, do Código Civil.

- a condenação no que se liquidar em execução de sentença depende apenas da existência de danos e da inexistência de elementos para determinar o seu valor; - só assim é respeitado o princípio constitucional da sentença materialmente justa e de que o processo é o meio de alcançar a verdade material; - devem proceder os pedidos reconvencionais de declaração de que a recorrente tem direito de não pagar o peticionado preço das rolhas e à redução do preço e de ser indemnizada pelos prejuízos patrimoniais sofridos; deve relegar-se a liquidação do valor da redução do preço e dos prejuízos patrimoniais para execução de sentença; - a sentença recorrida violou os artigos 406°, 428°, 566°, n° 3, 911 °, 913°, do Código Civil, 661 °, nº 2, do Código de Processo Civil e 2° e 20° da Constituição.

Respondeu a recorrida em síntese útil de alegação: - os factos provados não revelam o acordo entre as partes do que consta sob II 11, 1ª e 2ª partes, nem a quantidade e a qualidade das rolhas ditas com anomalias, nem a que preços a recorrente vendeu algumas rolhas a clientes seus, nem que os descontos feitos extravasem das notas de crédito emitidas pela recorrida; - não determinada a quantidade e a qualidade das rolhas com anomalia não pode proceder o pedido baseado no cumprimento defeituoso; - tendo examinado a mercadoria logo após os fornecimentos e não tendo reclamado nos oitos dias seguintes, nos termos do artigo 471º do Código Comercial, não pode proceder a pretensão da recorrente; - não pode haver liquidação em execução de sentença porque a recorrente quantificou, contabilizou, apresentou contas e alegados prejuízos, mas não provou esses factos; - não é aplicável o disposto no artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, sob pena de haver duas acções idênticas com renovação da prova na segunda; - a fixação da indemnização segundo os princípios da equidade ofenderia o disposto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A autora dedica-se à actividade de indústria e comércio de produtos de cortiça, e a ré, sedeada em Itália, tem por objecto a actividade industrial e de comercialização de rolhas de cortiça, e Empresa-C é a sua representante em Portugal, e, desde, pelo menos, o ano de 1992, tem negócios com pessoas singulares e colectivas em Portugal.

  1. A autora e a ré iniciaram as suas relações comerciais, traduzidas no fornecimento e venda pela primeira à segunda e na compra por esta àquela, de rolhas, pelo menos em 1992.

  2. De harmonia com o acordado e a prática que sempre foi seguida, os fornecimentos da autora à ré eram efectuados mediante prévia encomenda verbal da última em Portugal, e foi acordado entre ambas que os fornecimentos deveriam ser pagos no prazo de noventa dias a contar da emissão da respectiva factura.

  3. A ré apresentou à sua representante em Portugal uma foto-classificação, mediante a qual identificava as classes de rolhas que seriam susceptíveis de comercialização, que iam desde a categoria superior, passando pela primeira, terceira, quarta e quinta.

  4. A autora obrigou-se a fornecer à ré, conforme as encomendas desta, as rolhas de cortiça indicadas nas facturas, nas quantidades e qualidades aí referidas, estas últimas das classes superior e primeira.

  5. A qualidade das rolhas fornecidas pela autora à ré dentro dos parâmetros acordados constitui sempre para a segunda uma condição essencial dos fornecimentos contratados, e a última sempre transmitiu à primeira, designadamente através dos seus representantes em Portugal, a necessidade de se observarem as qualidades encomendadas.

  6. A ré procedia a um controlo da qualidade dessas rolhas, primeiro através de um exame macroscópico efectuado pela sua representante em Portugal e, depois, em Itália, imediatamente após a chegada delas à sua sede ou instalações, por máquina da marca Sistel.

  7. Caso esse exame revelasse que mais de quarenta por cento das rolhas da classe examinada estavam abaixo do nível de qualidade da classe de rolhas encomendadas, a ré procedia ao envio de notas de débito, de modo a que o fornecimento de tais rolhas fosse pago ao preço da classe inferior aos respectivos fornecedores; e, no caso de tal exame revelar que sessenta por cento ou mais das rolhas da classe examinada fosse inferior ao nível de qualidade da classe de rolha encomendada, a ré procedia, quando assim o entendesse, à devolução da respectiva mercadoria aos respectivos fornecedores.

  8. No exercício da sua actividade, a autora forneceu à ré as quantidades de rolhas de cortiça constantes das facturas a seguir discriminadas, que a primeira debitou à última nos seguintes valores, de acordo com as encomendas por esta efectuadas: factura n.º 3236, emitida em 27 de Outubro de 2000, no valor de € 20.325,90; factura n.º 3411, emitida em 7 de Dezembro de 2000, no valor de € 15.363,10; factura n.º 3562, emitida em 26 de Janeiro de 2001, no valor de € 41.275,50; factura n.º 3665, emitida em 23 de Fevereiro de 2001, no valor de € 16.834,30; factura n.º 3721, emitida em 12 de Março de 2001, no valor de € 24.815,00; e factura n.º 3789, emitida em 26 de Março de 2001, no valor de € 23.992.

  9. No verso das facturas referidas sob 8, juntas a folhas 6 a 12, constam, entre outras, as seguintes condições gerais de venda: -. As reclamações relativas às encomendas já executadas, total ou parcialmente, deverão ser feitas dentro de oito dias a contar da recepção das mercadorias; - o direito de propriedade do vendedor relativamente às mercadorias fornecidas permanece até á sua integral liquidação.

  10. Parte das rolhas fornecidas pela autora à ré referidas sob 8, em quantidade e qualidade que não foi possível determinar, apresentavam, conjuntamente ou isoladamente, um número de poros superior à qualidade encomendada, falta de amadurecimento da cortiça, fissuras laterais e verdura.

  11. A ré deu conta das anomalias mencionadas sob 10 ao seu fornecedor em Portugal, que, por sua vez, deu delas conhecimento à autora.

  12. As referidas anomalias existentes nas rolhas, leva a que, nalguns casos, desde logo ou ao longo dos tempos, não vedem convenientemente o vinho engarrafado, permitindo a infiltração e a passagem de ar através delas.

  13. Algumas das...

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