Acórdão nº 06S899 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução20 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - AA, residente na Avª ....., nº ....-.... Dtº, em Lisboa, nesta acção movida contra BB, Lda, com sede na Rua ......, nº ...., Carnaxide - Linda-a-Velha, pede que se declare a ilicitude do seu despedimento e que esta seja condenada a pagar-lhe: - a diferença entre as retribuições mensais que lhe eram pagas (de acordo com a categoria de "escriturária") e as que correspondem às funções efectivamente exercidas pela autora ("course administrator"), com retroactivos; -a indemnização de antiguidade prevista no artº 13º da LCCT, agravada nos termos do artº 33º-1-2 da LCT, cujo montante, à data da propositura da presente acção, era de € 8.749,6; - a quantia de € 3.826,24, a título de créditos laborais, nomeadamente os emergentes da cessação do contrato de trabalho, independentemente da causa desta; - e a de € 25.045,78, correspondente ao valor global e provisoriamente liquidado das retribuições vencidas e vincendas até à data da sentença, tendo por valor de referência o salário relativo às funções de "course administrator".

Alegou, em síntese, que ao serviço da ré sempre desempenhou as funções correspondentes a esta categoria profissional (course administrator), mas que sempre foi remunerada pela ré de acordo com a categoria que esta formalmente lhe atribuiu (escriturária). Diz ainda que, em 20 de Fevereiro de 2001, por razões de saúde, apresentou baixa médica e que, em 3.07.2001, foi despedida pela ré na sequência dum processo disciplinar iniciado no período de baixa.

Na contestação, a ré sustenta que as funções desempenhadas pela ré correspondem às de escriturária e que o despedimento foi com justa causa.

Em reconvenção, pede que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.557,00, a título de reembolso por despesas inerentes ao cancelamento de um curso fora de tempo, para o qual não havia inscrições, a quantia de, pelo menos, € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais (degradação da imagem da ré decorrente da actuação da autora) e ainda € 159,75, saldo da conta corrente da autora e que resulta da diferença entre a quantia de € 2.185,48 e o valor deduzido e demonstrado no recibo de acerto de contas (enviado à autora), no montante de € 2.025,73, ou aquele valor (€ 2.185,48), caso não se aceite a referida dedução efectuada.

A autora respondeu, sustentando, no fundamental, que: - a ré invocou factos que não constam da nota de culpa e da decisão final do processo disciplinar, designadamente, a alegação de que tratava os clientes da ré com "maus modos"; - a reconvenção é inadmissível e o invocado saldo de conta corrente a favor da ré não se acha minimamente demonstrado; - a ré alterou deliberadamente a verdade, invocando factos que sabe serem falsos.

Termina no sentido da improcedência da reconvenção e pedindo que a ré seja condenada em multa e indemnização, como litigante de má fé.

Em resposta, a ré sustenta a admissibilidade do pedido reconvencional e pede a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização, esta nunca inferior a € 3.000,00, com fundamento em ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, visto que recebeu da ré o adiantamento do subsídio de doença, tendo recebido da Segurança Social o mesmo valor.

Feito o julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente (quanto aos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, independentemente da causa desta) e totalmente improcedente a reconvenção, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.978,29, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 7% ao ano desde 04/07/2001 até 30/04/2003, e à taxa legal de 4% ao ano - ou das que estiverem subsequentemente em vigor - desde 01/05/2003 até integral pagamento. No mais, absolveu a ré do pedido (ou seja, quanto ao pedido de condenação da ré no pagamento das diferenças salariais emergentes da alegada discrepância entre as suas funções e a sua categoria normativa e no pagamento dos créditos emergentes da inexistência de justa causa e do alegado carácter abusivo do despedimento).

O tribunal da 1ª instância entendeu, ainda, não estar demonstrado que qualquer das partes tivesse litigado de má fé.

Da sentença apenas apelou a autora, mas sem sucesso, pois o Tribunal da Relação confirmou-a.

De novo inconformada vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª) - Para haver justa causa de despedimento é indispensável que tenha havido um comportamento culposo do trabalhador, de tal modo grave que seja impossível a subsistência da relação de trabalho, incumbindo à entidade empregadora demonstrar objectiva e concretamente o nexo de causalidade entre o dito comportamento e a referida impossibilidade (artº 9º-1 da LCCT); 2ª) - Atento o princípio da proporcionalidade, não haverá justa causa de despedimento se for possível aplicar ao trabalhador uma sanção menos grave, sendo para o efeito insuficiente a formulação de um juízo abstracto sobre a existência de justa causa, não apoiado em factos concretos que sustentem essa conclusão (artº 12º-5 da LCCT); 3ª) - O tribunal também não pode considerar irrelevantes as circunstâncias abonatórias invocadas pelo trabalhador, com base num juízo abstracto sobre a gravidade das mesmas (idem); 4ª) - Ao decidir em contrário, o acórdão recorrido violou o referido princípio e entendeu incorrectamente o sentido dos supra indicados preceitos legais.

Termina no sentido de ser revogado o acórdão recorrido.

Nas contra-alegações, a ré suscita uma questão prévia. Entende que, perante a estruturação das alegações e face às respectivas conclusões, se verifica uma tentativa de voltar a discutir a matéria de facto, razão pela qual o recurso deve ser rejeitado.

Se assim não for entendido, deve ser mantido o acórdão recorrido.

No seu douto parecer, a Exmª Magistrada do MP, pronuncia-se no sentido de ser concedida a revista.

A ré respondeu, para discordar desta posição.

II - Questões Fundamentalmente esta: se há justa causa de despedimento III - Factos 1. Em 24/06/1998, a empresa CC, Lda colocou a autora AA ao serviço da ré BB S.A. para exercer nesta última as funções de secretária.

2. Em 01/08/1998, a autora (na qualidade de "2ª outorgante") e a ré (na qualidade de "1ª outorgante") celebraram entre si o acordo escrito intitulado "Contrato Individual de Trabalho a Termo Certo" cuja cópia se acha de fls. 57 a 59 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 26/01/1999, a autora (na qualidade de "2ª outorgante") e a ré (na qualidade de "1ª outorgante") celebraram entre si o acordo escrito intitulado "Contrato Individual de Trabalho" cuja cópia se acha de fls. 60 a 62 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. São do seguinte teor as cláusulas 1ª, 2ª e 3ª dos acordos escritos mencionados nos nºs 2 e 3: "Cl. 1ª - Pelo presente contrato o segundo outorgante obriga-se a prestar a sua actividade ao primeiro, ficando assim no desempenho das respectivas funções sob a sua autoridade e direcção.

Cl. 2ª - Funções 1. As funções a desempenhar pelo 2º outorgante serão as determinadas para uma Escriturária, executando de acordo com procedimentos e instruções específicas, operações administrativas de apoio à Formação a Clientes, podendo a entidade patronal atribuir-lhe qualquer outro tipo de funções, sem prejuízo da sua categoria profissional.

2. (…).

Cl. 3ª Categoria Profissional O trabalhador terá a categoria profissional de escriturária.

5. Nos cartões de visita da autora consta a designação "Course Administrator, Customer Training".

6. Antes de Fevereiro de 2001, a autora efectuou reuniões com a Srª Drª DD, Directora de Recursos Humanos da ré; com o Sr. Dr. EE, Director de Divisão de Serviços da ré, e com a Srª FF, responsável pela Área de Formação a Cliente da ré e, em meados de Fevereiro de 2001, reuniu também com o Sr. Eng. GG, Director de Departamento da ré; 7. Em 20/02/2001, a autora apresentou "baixa médica", entregando na ré a competente documentação.

8. A ré enviou à autora a carta datada de 21/03/2001, por esta recebida na mesma data, cuja cópia se acha a fls. 19, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual lhe comunica que lhe foi "aberto inquérito tendo em conta (…) desobediência e desrespeito à Chefia Directa (…) Mau relacionamento com clientes exteriores e afectação da imagem da empresa (…)".

9. A autora enviou à ré, que a recebeu em 08/05/2001, a comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 217-218 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual lhe comunica ter-lhe "instaurado processo disciplinar" e ser "intenção da sociedade AA, Lda, proceder ao seu despedimento com justa causa, pelo que se junta Nota de Culpa, com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputáveis".

10. Juntamente com a comunicação escrita referida no nº 9 a ré enviou à autora o escrito intitulado "Nota de Culpa" cuja cópia se acha de fls. 219 a 224 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. Em resposta à comunicação escrita e "nota de culpa" referidos nos nºs 9 e 10, a autora enviou à ré, que a recebeu em 21/05/2001, a comunicação escrita intitulada "Resposta à Nota de Culpa", cuja cópia se acha de fls. 225 a 228 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual refuta as imputações constantes da "Nota de Culpa" referida no nº 10, terminando a Resposta do seguinte modo: "Considero (…) absolutamente infundado o presente processo disciplinar, dada a inexistência de qualquer comportamento ilícito da minha parte, reiterando veementemente a minha inocência quanto aos factos que me foram imputados na nota de culpa".

12. Aquando dos factos descritos nos nºs 8 a 11, a autora encontrava-se ainda na situação de "baixa médica".

13. A ré enviou à autora (que a recebeu), a comunicação escrita intitulada "Decisão do Processo Disciplinar", datada de 25/06/2001, cuja cópia se acha a fls. 271 e cujo teor aqui se dá por...

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