Acórdão nº 03P4425 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução20 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Após a realização de contraditório no âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 625/99, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, pela prática de cinquenta e um crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256º, n.ºs 1, alínea a) e 3, cinco crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256º, n.º 1, alínea a), e cinco crimes de falsificação de documento, na forma tentada, previstos e puníveis pelos artigos 256º, n.º1, alínea a) e 3, 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão por cada um dos primeiros cinquenta e um crimes, 7 meses de prisão relativamente a cada um dos cinco segundos crimes e 6 meses de prisão por cada um dos últimos cinco crimes.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena conjunta de 8 anos de prisão (1).

Desta decisão interpôs recurso o arguido, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação (2): 1. Antes de mais, e dando cumprimento ao disposto no artigo 412º, n.º 5, o recorrente refere que mantém interesse no recurso por si interposto a fls.3517 (datado de 4 de Junho de 2002), tendo sido admitido por douto despacho judicial de 14JUN2002, de fls.3557), recurso esse que se encontra retido, a aguardar o presente e com o mesmo deverá subir a este Tribunal.

  1. No que ao crime continuado respeita, ensina-nos o Prof. Eduardo Correia ("Direito Criminal", vol. 2, pág. 210 e 211) que "pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito".

  2. No caso dos autos, para além do facto do arguido ter-se apetrechado tecnicamente para a consecução de falsificações (o que facilita a continuidade criminosa), a procura incessante, por banda de cidadãos estrangeiros indocumentados a residir em território português, de documentos facilitava e até incentivava àquela continuidade.

  3. Havendo claras e evidentes responsabilidades do poder político na existência de tantos e tantos cidadãos estrangeiros ilegais, que procuram melhores condições de vida! 5. Entende-se que, in casu, com o decorrer do tempo e a procura existente de documentos falsos, era cada vez menos exigível que o recorrente se comportasse de outra forma, isto é, que deixasse de falsificar documentos.

  4. É entendimento do recorrente ser de aplicar à matéria de facto dada como provada o disposto no artigo 30º, n.º 2, do Código Penal.

  5. O Tribunal recorrido violou tal disposição legal, não tendo interpretado e aplicado como o deveria ter feito, ou seja, no sentido agora descrito pelo recorrente.

  6. Não sendo este o entendimento de V. Ex.ªs, sempre o arguido deverá ser condenado pela prática de um único crime de falsificação agravada de documento, atendendo à "unidade típica de acção em sentido amplo", designação defendida por Jescheck.

  7. Sendo certo que o arguido se propôs a uma actividade de falsificação de documentos, manteve esse dolo ao longo do tempo no projecto por si inicialmente empreendido, violando sempre de forma unitária o mesmo tipo de crime - situação motivacionalmente unitária.

  8. O acórdão recorrido não invoca qualquer circunstância que, não fazendo parte do tipo de crime, deponha a favor ou contra o arguido, e nomeadamente as descritas no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.

  9. A ilicitude pode considerar-se normal para o tipo de ilícito, a motivação do crime prendeu-se com a impossibilidade do arguido poder pôr em funcionamento o estabelecimento comercial que havia trespassado (era uma mercearia - pequeno comércio que não resiste às "Grandes Superfícies") e que pretendia alterar para churrascaria.

  10. As condições pessoais do arguido são-lhe favoráveis, confessou o crime, é primo delinquente, está integrado social, familiar e profissionalmente, contando agora com a legalização do referido estabelecimento comercial, para onde poderá ir trabalhar quando regressar à liberdade.

  11. O acórdão recorrido, na ausência de quaisquer referências concretas, violou o disposto no artigo 71º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), c) e d), do Código Penal.

  12. Não bastando referir, de forma genérica como o fez, aquela disposição legal, antes impondo-se uma concretização relativamente ao caso do ora recorrente.

  13. Deveria o Tribunal recorrido ter interpretado e aplicado no sentido por nós atrás explanado, os factos dados como provados ao normativo referido e dessa forma...

  14. Condenar o recorrente AA em pena de prisão unitária que não fosse além dos 5 anos (cinco) anos de prisão, e dessa forma alcançar a plena reintegração social do mesmo.

    O recurso foi admitido.

    Na contra-motivação apresentada a Exm.ª Procuradora da República concluiu: 1. O arguido AA aceitou a matéria dada por provada nos autos em apreço.

  15. Dos factos tidos por provados na decisão impugnada não se alcança que o arguido, ora recorrente, tenha actuado de forma "essencialmente homogénea" durante o período de oito meses durante o qual praticou as viciações de documentos.

  16. Muito pelo contrário, extrai-se desses factos a forma como, ao longo do tempo, o arguido foi adequando a sua conduta de forma a ter sucesso com a mesma.

  17. Ainda que lhe tivesse sido dito que existiria uma investigação em que tinha sido referido o seu nome, mostrou-se indiferente e invocou a protecção divina para continuar a praticar os factos que se veio a provar que praticou.

  18. Dos ditos factos não de retira, também e ainda, que este arguido, ao praticar os mesmos tenha actuado a coberto de condições que lhe eram alheias, que lhe facilitaram as condutas e atenuaram a medida da sua culpa.

  19. Não existem no douto acórdão censurado factos dados pro provados que suportem a integração das condutas detidas pelo arguido AA no disposto no artigo 30º, do Código Penal.

  20. Daí que, e bem, no douto acórdão em causa, lhe tenha sido imputada a prática de 56 crimes de falsificação de documento, na forma consumada, e outros cinco crimes de falsificação, na forma tentada.

  21. Na realidade, o arguido AA violou a norma prevista pelo artigo 256º, do Código Penal, tantas vezes quantas pôs em crise a fé pública de cada um dos 61 documentos que viciou e tentou viciar, de todas elas estando perfeitamente ciente que o fazia, defraudando o Estado e terceiros.

  22. Não incorre, pois, o douto acórdão visado, em qualquer violação da norma contida no artigo 30º, do Código Penal.

  23. Muito se estranha a posição tida pelo arguido ora recorrente no ponto em que, pretendendo ser condenado por um único crime de falsificação de documento, ache justa e adequada uma pena de cinco anos de prisão (máximo legal permitido).

  24. O arguido tem, justiça lhe seja feita, consciência da gravidade que revestiu toda a sua conduta e sabe que a pena a alcançar para a mesma terá de corresponder a tal gravidade.

  25. Mais benévolo foi o Tribunal Colectivo que, em cúmulo jurídico, lhe aplicou a pena única de oito anos de prisão.

  26. E fê-lo, obedecendo, como sempre, a uma interpretação rigorosa dos artigos 70º e 71º, do Código Penal, mas valorando significativamente as condições pessoais do arguido.

  27. Não violou a decisão recorrida o disposto no artigo 71º, do Código Penal, ou qualquer outro, aliás 15. A medida da pena em concreto aplicada a este arguido é justa e, por seu intermédio, se alcançam os fins que a lei quer ver preenchidos no caso em apreço.

  28. Impõe-se, assim, que seja mantido, nos seus precisos termos, o douto acórdão censurado, como que farão Vossas Excelências, aliás, como sempre, Justiça.

    Na vista que teve nos autos o Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal considerou nada obstar ao conhecimento do recurso.

    Relativamente ao recurso que incidiu sobre a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decisão que apreciou os recursos interlocutórios interpostos pelo arguido na fase de instrução, aos quais já fizemos referência em nota de rodapé, deixou-se consignado no exame preliminar ser o mesmo de rejeitar, decisão que, por razões de celeridade e de economia processual, se relegou para audiência.

    Certo é que o Ministério Público, quer no Tribunal da Relação de Lisboa, quer neste Supremo Tribunal, pronunciou-se no sentido da rejeição daquele recurso.

    Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

    Questão prévia que cumpre decidir é a da rejeição do recurso interlocutório.

    Segundo preceito do artigo 420º, n.º 3, do Código de Processo Penal (3), em caso de rejeição do recurso, o acórdão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os sujeitos processuais e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

    Especificando sinteticamente os motivos da rejeição, dir-se-á.

    Estabelece o artigo 432º, alínea b), do Código de Processo Penal, que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º.

    Por outro lado, preceitua o artigo 400º, n.º1, alínea c), que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.

    A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na qual se entendeu negar provimento aos recursos interlocutórios e que ora se pretende seja sindicada por este Supremo Tribunal, obviamente que não pôs termo à causa.

    A inadmissibilidade do recurso é motivo de rejeição - artigos 420º, n.º1 e 414º, n.º 2, do Código de Processo Penal -, sendo certo que a decisão que admite o recurso, que determina o efeito que lhe cabe e o regime de subida não vincula o tribunal superior - artigo 414º, n.º 3.

    Deste modo, há que rejeitar o recurso em apreço.

    Entrando no conhecimento do recurso da decisão final verifica-se que o recorrente nas conclusões que extraiu da motivação apresentada submete à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal as...

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