Acórdão nº 06P2321 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | SANTOS MONTEIRO |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º ../05.4JAPRT , do Tribunal Judicial de Ílhavo , foi , com outra , submetido a julgamento AA , vindo , a final , a ser condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º 21.º n.º 1 , do Dec.º-Lei n.º 15/93 , de 22/1 , na pena de 6 anos e 6 meses de prisão .
I . Inconformado com o teor da decisão proferida interpõs o arguido recurso para a Relação de Coimbra que aquela confirmou , de novo interpondo recurso para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : È integrante do crime de tráfico de estupefacientes a verificação de intuito lucrativo , pelo que não ocorrendo está em causa a sua condenação .
Também não é razoável condenar alguém sem que o traficante conheça o valor da mercadoria suposta e ilicitamente a transaccionar , circunstância que ocorria com o arguido , que não pode ser condenado .
Assim mostra-se violado o princípio da presunção de inocência do arguido e o de que não há pena sem culpa formada -art.ºs 29.º . 32.º e 205.º , da CRP .
A condenação assentou no recurso a provas irregularmente obtidas , desde logo numa busca não autorizada ou ordenada pelo Juiz , nos termos do art.º 177.º , do CPP .
A autorização concedida pelo arguido não é um dos casos em que o juiz possa ser substituído pelo visado , por estarem em causa os direitos à privacidade e intimidade , que , apenas , podem ser condicionados e supervisionados , em casos particulares , pelo juiz.
Mas ainda que o visado pudesse substituir-se ao juiz , o imóvel objecto da busca não pertencia ao arguido nem de facto nem de direito .
Não podia a busca ser autorizada pelo recorrente , devendo reputar-se nula , nos termos do art.º 177 .º , do CPP .
A busca realizada na garagem pela mesma razão não podia ser validada pelo consentimento do arguido .
Sendo a garagem uma edificação separada do domicílio, com entradas autónomas e acesso permitido a terceiros , deveria obter-se uma autorização autónoma para o efeito , o que não sucedeu .
A busca é nula por ausência de autorização do juiz competente constatando-se violação da privacidade fora das hipóteses legais -art.ºs 177.º , do CP e 34.º n.º 2 , da CRP : Sendo nulas as buscas as apreensões nulas são , tanto mais que se não verificou , " a posteriori" uma validação expressa por despacho do competente juiz , não bastando um acto tácito , havendo uma violação do art.º 178.º , do CPP .
Igualmente se mostram nulas as supostas provas obtidas através da recolha de dados dos telemóveis , visto que o foram sem autorização do juiz , quer se entenda que são correspondência aberta quer se pugne pelo entendimento de que devem ser tratados no âmbito das chamadas telefónicas .
O acesso aos telemóveis é restrito ao conhecimento do código pessoal de acesso , pelo que não são equiparadas a mensagens aí obtidas a correspondência aberta .
É impossível , de resto , por falta de registo de horas , datas e números, concluir que ainda não haviam sido lidas pelo arguido .
Devia ter havido , dada a equiparação desses dados informativos a comunicações , um despacho de um juiz a autorizar a respectiva recolha , nos termos dos art.ºs 187.º , 188.º , 189 .º e 190 .º , do CPP .
Devem esses elementos ser reputados nulos visto estar em causa o direito à inviolabilidade do domicílio e ao sigilo de correspondência e restantes meios de comunicação , cujas restrições são apenas consentidas nas condições enunciadas no CPP e no respeito pela autorização de um juiz Até porque nunca foi estabelecida uma relação de propriedade entre o recorrente e os telemóveis Deve considerar-se que não estão redigidos os pressupostos para a condenação do arguido ou atenuar-se especialmente a pena .
II O Exm.º Procurador Geral -Adjunto na Relação defendeu o acerto da decisão recorrida e , neste STJ , o Exm.º Procurador Geral-Adjunto requereu que se designasse dia para o julgamento .
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Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que , com pertinência ao arguido , se provaram os factos seguintes : Em Dezembro de 2004 , o arguido AA arrendou um apartamento , com garagem fechada , sito na Av. ..., n.º 111.º , 1.º , direito , na Barra , com o propósito de ali vir a guardar substâncias estupefacientes .
No início de Fevereiro de 2005 , o arguido AA deslocou-se a Espanha para Portugal , a fim de diligenciar pela armazenagem , na referida garagem , de cocaína e pela sua posterior distribuição por locais não apurados .
Com vista a efectuar os contactos necessários tinha consigo os telemóveis com os n.ºs ... e ... e um outro , da marca Nokia , modelo 100 , sem qualquer cartão .
No dia 2 de Fevereiro por volta das 14h40 , o arguido mantinha guardados no interior da garagem em questão três fardos , com noventa embalagens , de um quilograma cada , contendo cocaína , seis sacos de serapilheira rasgados e vazios , semelhantes aos que envolviam os " fardos " , um x-acto , um alicate e uma pá com cabo em madeira .
O arguido conhecia as características do produto que detinha , destinando-o à distribuição e venda a terceiros , bem sabendo que a sua detenção e venda eram proibidas e punidas pela lei penal .
O arguido agiu de forma voluntária , consciente e livre .
O arguido vivia e trabalhava há mais de 15 anos na cidade de Marbella , em Espanha , exercendo a actividade profissional de vendedor de automóveis , actividade essa que se ressentia pela dificuldade em vender automóveis em segunda mão .
O arguido não tem antecedentes criminais .
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A primeira questão a abordar respeita à invocada nulidade da busca domiciliária que , segundo o arguido , não foi autorizada pelo juiz , ao qual não pode aquele substituir-se nos termos do art.º 177.º , do CPP , uma vez que o imóvel não lhe pertence , nem de facto nem de direito .
Por outro lado , a garagem sendo uma edificação separada do domicílio com entradas autónomas e acesso permitido a terceiros deveria ser objecto de uma autorização de busca autónoma , com requisitos próprios , que não foi obtida no caso vertente .
Vejamos : O art.º 174.º...
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