Acórdão nº 06P1801 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | SILVA FLOR |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal Tribunal de Justiça: I. No Tribunal Judicial de Valpaços, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, AA foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea i), do Código Penal, na pena de 13 anos de prisão.
E, na procedência parcial do pedido de indemnização formulado pelos demandantes BB, CC, DD e EE, na qualidade de esposa e filhos da vítima, foi o arguido condenado a pagar àqueles a quantia global de € 85.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a prática do crime, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde o trânsito em julgado da decisão condenatória. Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal a assistente BB e o arguido.
A assistente formulou na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem.
- Face ao supra exposto, a recorrente entende que os factos assentes nos autos, a forma como o crime foi praticado, em circunstâncias que revelam especial censurabilidade por parte do arguido, demonstram que, à data dos mesmos, este se encontrava totalmente capaz de os avaliar e de prever as suas consequências.
- A doença de que o arguido padece, há cerca de dez anos a esta parte, a qual tem como consequências, em geral, a baixa de auto-domínio, da capacidade de previsão e do exacerbamento da sua instabilidade/impulsividade, nunca afectou o seu comportamento social.
- Muito menos poderá, no nosso modesto entender, estar na base de uma atenuação da imputabilidade do arguido, o qual, "in casu", agiu com total frieza de ânimo, arquitectando ao pormenor, o modo, os meios, o momento da realização do crime, mantendo-se na intenção de matar por mais de 24 horas.
- A data dos factos, nenhum acto foi praticado pela vítima, mesmo banal, que pudesse exacerbar a instabilidade do arguido, ao contrário da desgarrada tese que este tentou demonstrar em sede de audiência e julgamento, de molde a "encaixar" neste quadro clínico.
- Assim, porque a ilicitude do facto é muito elevada - o bem vida é o bem supremo-, não havendo, como foi supra demonstrado, razões de atenuação da imputabilidade do arguido, entende, a recorrente, que a medida deverá aproximar-se do seu máximo.
- Ao assim não entender, parece que o Tribunal aplicou, com menos justeza, e adequação, o preceituado no art° 71° do Código Penal, pois, o sentido de retribuição ético-jurídica, as necessidades de reprovação e prevenção, a máxima ilicitude e maior dolo, bem como, todo o contexto de actuação do arguido, em confronto com os aspectos, que o julgador tem de sopesar, de acordo com os parâmetros, referidos nas várias alíneas do art° 71, n° 2, do supra citado diploma legal, impõem que ao arguido seja aplicada pena de prisão próxima do máximo da moldura penal.
O arguido por seu lado concluiu como segue: 1. Entende o recorrente que os factos dados como provados pelo acórdão recorrido enquadram-se no tipo de crime homicídio privilegiado previsto no artigo 133° do Código Penal.
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O comportamento do arguido é certamente desencadeado por uma emoção muito forte e compreensível.
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Na verdade, não se pode desconsiderar que o cunhado do recorrente foi assassinado pela vítima.
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Que a vítima (tio do recorrente) ao longo dos anos ameaçou de morte o recorrente e toda a sua família.
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A vítima era considerada pessoa agressiva.
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As provocações mútuas eram constantes, tendo a última, ocorrido no dia anterior aos factos, em que se injuriaram reciprocamente.
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Esta tensão no seio da família do recorrente já durava há cerca de 20 anos.
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Pelo que deve ser alterada a qualificação jurídica para homicídio privilegiado.
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O douto acórdão recorrido entendeu ser especialmente censurável a actuação do arguido, nos termos do n° 1 e n°2 do art.° 132° do C.P, por ter concluído que o arguido persistiu na decisão de matar e agiu com frieza de ânimo.
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Entendemos, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao douto Tribunal.
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Com efeito, a factualidade dada como provada, nomeadamente, os pontos l, 2, 3, 22, 23. 24, 39, 41, 42 c 43, contraria manifestamente a conclusão do douto tribunal em considerar preenchida a circunstância qualificativa do n° l e 2°, i) do art. 132 do CP.
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Na verdade, não é possível que o arguido tenha persistido na intenção de matar, e que agiu com frieza de ânimo, quando se provou a imputabilidade atenuada, face à doença de que padece o arguido.
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A voluntariedade do comportamento do arguido foi condicionada pela patologia neurológica que o afectava.
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Tendo-se em conta, por um lado a perícia e a culpa como o limite inultrapassável de fundamento da pena, esta não poderá ser senão a correspondente ao homicídio simples - não qualificado - cometido com imputabilidade diminuída.
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A diminuição da culpa do arguido, por força da diminuição da sua imputabilidade, impõe o regime da atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 20°, 72° e 73° do C.P.
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Acresce que, inúmeros factores depõem a favor do arguido, tanto a nível da culpa como das exigências de prevenção (idade, comportamento anterior aos actos, ilicitude diminuída, culpa atenuada por via da imputabilidade reduzida, ausência de antecedentes criminais).
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Pelo que a pena a encontrar deve se situar no limite do mínimo da pena aplicável.
Normas jurídicas violadas: Artigos 20°, 7r, 72°, 73°, 131°, 132° e 133°, todos do Código Penal.
Nestes termos e demais de direito deve o presente recurso obter provimento, e a) Alterar-se a qualificação jurídica dos factos para o homicídio privilegiado; ou b) Condenar-se o arguido pelo crime de homicídio simples; e, c) Aplicar-se o disposto conjugado dos n.º 2 do artigo 20°, 72° e 73° do C.P.
O arguido respondeu à motivação do recurso da assistente, sustentando que o mesmo deve ser rejeitado por ilegitimidade da recorrente e que, caso assim se não entenda, deve ser julgado improcedente.
A assistente respondeu à motivação do recurso do arguido, pronunciando-se pela sua improcedência.
O Ministério público respondeu às motivações dos dois recursos, pronunciando-se também pela sua improcedência.
Neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aquando do visto a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso da assistente, por falta de legitimidade da mesma.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de processo Penal, a assistente nada disse.
Tendo o recorrente requerido a produção de alegações, por escrito, sem que houvesse oposição dos recorridos, e enunciadas as questões que merecem especial exame, nos termos do artigo 417.º, n.os 5 e 6, do Código de Processo Penal, foram apresentadas alegações pelo recorrente e pelo Ministério Público.
O recorrente manteve o que havia expendido na motivação do recurso.
O Ministério Público disse em síntese: - É de acolher o afastamento da especial censurabilidade do homicídio; - Não ocorre fundamento para a atenuação especial da pena; - Subsumidos os factos no tipo do artigo 131.º do Código Penal, a pena não deverá ser inferior a 11 anos de prisão.
Colhidos os vistos legais e vindo os autos à conferência cumpre apreciar e decidir.
São questões a solucionar: No recurso da assistente - Rejeição do recurso.
No recurso do arguido - Qualificação jurídico-penal dos factos; - Atenuação especial da pena e medida da pena aplicável.
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O tribunal colectivo deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) O arguido AA e a vítima FF eram familiares, respectivamente, sobrinho e tio.
2) Entre ambos e as respectivas famílias existia um mau relacionamento derivado de desentendimentos familiares de longa data, e que se prolongava há mais de vinte anos.
3) Entre arguido e vítima eram frequentes provocações mútuas, tendo a última ocorrido no dia 19 de Janeiro de 2005, dia anterior ao da ocorrência dos factos.
4) Nesse dia, arguido e vítima cruzaram-se na via pública e entraram em discussão, injuriando-se reciprocamente.
5) Após o ocorrido no referido dia 19 de Janeiro de 2005, nessa mesma noite, o arguido decidiu que no dia seguinte tiraria a vida a...
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