Acórdão nº 06P1949 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução19 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa veio interpor recurso ordinário, nos termos dos artigos 406;407 nº1 al. A) e 408 do Código de Processo Penal, da decisão proferida por aquele Tribunal que decidiu conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando o despacho proferido em 11 de Outubro de 2005 e, consequentemente, julgou extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado pela prática, em 1992, de um crime de burla agravada p. e p. pelos artigos 313° e 314°, alínea cl, da redacção originária do Código Penal de 1982.

São as seguintes as conclusões formuladas pelo recorrente: A-A decisão recorrida foi tomada, em síntese, com base no entendimento de que: a) - Se não verificava, "in casu", qualquer causa de suspensão da prescrição á luz do disposto no art. 119.°, nº 1 daquele compêndio normativo (CP/82), designadamente a que vem prevista na alínea a) do nº 1, sendo certo que já havia decorrido o prazo a que alude o seu art. 117.°, nº 1/b); b) - Embora o arguido tenha sido declarado contumaz por despacho de 21-10-95, situação em que se manteve até 11-10-05, tal declaração de contumácia, ocorrida no domínio de vigência do Código Penal de 1982 (versão do DL 400/82, de 23 de Setembro) e do Código de Processo Penal de 1987 (versão do DL 78/87, de 17 de Fevereiro), não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto no art. 119.°, n.º1, al. a) deste Código; c) - Estando ferida de inconstitucionalidade, material e orgânica, a interpretação do segmento «a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até a apresentação ou a detenção do arguido», inserto no nº 1 do artigo 336.° da redacção originária do Código de Processo Penal, no sentido de que aí se consagra uma causa especial de suspensão da prescrição do procedimento criminal, admitida pelo corpo do nº 1 do art. 119.° da redacção primitiva do Código Penal de 1982.

3 - Certo é, porém, que esta dimensão normativa dos preceitos em causa viola a Jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 10/2000, publicado no DR, I Série - A, de 10-112000, no sentido de que «no domínio de vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal».

4 - Em obediência ao entendimento firmado neste Aresto Uniformizador de Jurisprudência e bem assim ao preceituado no art. 119.°, n.º 1 do Código Penal/1982, o Tribunal ora recorrido deveria antes ter considerado que o prazo de prescrição se suspendeu a partir da declaração de contumácia do arguido, que se verificou por despacho de 21-10-95, mantendo-se até ao dia 11-10-05, data em que a mesma foi declarada cessada.

5 -De resto, se é certo que a decisão ora impugnado fundamentou a sua divergência, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 445.° do CPP, certo é também que essa fundamentação não introduziu argumentos novas que não tenham já sido esgrimidos (designadamente nos votos de vencido dos Ex.mos Conselheiros dissonantes da tese que acabou por fazer vencimento) no decurso da querela jurisprudencial que conduziu a apontada fixação de jurisprudência.

6 - Acresce que, sendo apenas de índole constitucional os fundamentos dessa divergência, o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou, no Acórdão n.º 449/2002, de 29 de Outubro, publicado no DR - 11 Série, de 12-12-02, no sentido de que «não é inconstitucional a norma do art. 119.°, n.º 1 do Código Penal de 1982, quando interpretada no sentido de abranger, como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, a declaração de contumácia».

7- A decisão recorrida violou, assim, o disposto nos arts. 119.°, nº 1 do C. Penal de 1982 e 336.°, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal de 1987 e a Jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 10/2000.

8 - Devendo, por isso, ser revogada e mandada substituir por outra que leve em conta que a declaração de contumácia suspendeu a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do artº119.°, nº 1, alínea a) do C. Penal de 1982, versão original.

O arguido respondeu pela forma patente dos autos pedindo a confirmação da decisão recorrida.

Nesta instância o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto pronuncia-se pela rejeição do recurso.

Os autos tiveram os vistos legais Cumpre decidir:-Impõe-se uma primeira referência á admissibilidade do presente recurso com a configuração atribuída pelo recorrente, ou seja definir se a decisão recorrida constitui, ou não, um "terminus" processual relevante nos termos do artigo 400 nº1 alínea c) do Código de Processo Penal.

A questão em apreço, se bem que de enunciado singelo, prende-se com a própria estrutura e princípios do direito processual penal. Na verdade, na perspectiva jurídica assumida pela lei adjectiva aquele ramo do direito surge como uma regulamentação disciplinadora de investigação e esclarecimento de um crime concreto, que permite a aplicação de um consequência jurídica a quem, com a sua conduta, tenha realizado um tipo de crime. Nesta medida constitui ele de um ponto de vista formal, um «procedimento» público que se desenrola desde a primeira actuação oficial tendente àquela investigação e esclarecimento até à obtenção de uma sentença com força de caso julgado ou até que se execute a reacção criminal a que o arguido foi condenado. Procedimento este que põe em causa não apenas o arguido, na sua relação com o detentor do poder punitivo representado pelos órgãos que no processo intervêm, mas uma série de «terceiros»-as testemunhas, os declarantes, os peritos, os intérpretes que estabelecem entre si e com os sujeitos processuais as relações jurídicas mais...

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