Acórdão nº 06P1706 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução14 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1.

Na 9.ª Vara Criminal de Lisboa (3.ª Secção), no âmbito do processo comum colectivo n.º 0000/02.4SCLSB, foram julgados, entre outros, os arguidos AA e BB e condenados por um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/1, o primeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão e a segunda, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.

2.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento aos recursos, mantendo as penas fixadas.

3.

Recorrem agora para este Supremo Tribunal, colocando, em síntese, as seguintes questões, que assim se sumariam:

  1. O arguido AA: 1 - A decisão do Tribunal de Instrução Criminal enferma do vício de omissão de pronúncia e num segundo plano de omissão de fundamentação, tendo o tribunal «a quo» decidido mal essa questão, por não ter reconhecido aquela omissão.

    2 - As intercepções telefónicas foram ordenadas sem que houvesse indícios suficientes para fundamentarem o despacho, sendo tais intercepções um meio excepcional de aquisição de prova.

    3 - O despacho que as ordenou é nulo, por falta de fundamentação factual, afectando tal vício todos os despachos posteriores proferidos na mesma esteira.

    4 - A nulidade referida é insanável, por insanáveis os vícios que afectam as provas obtidas, sendo inconstitucional a interpretação segundo a qual eles possam ser susceptíveis de sanação.

    5 - As listagens de facturação de chamadas, localização celular e identificação dos números de origem e do destinatário não cabiam no despacho do juiz de instrução, ao contrário do que decidiu o tribunal «a quo», que considerou estar tal autorização implícita, devendo todos os elementos obtidos por aquela forma ter sido mandados destruir, com afectação irremediável da demais prova.

    6 - Não houve acompanhamento e controlo das operações de escuta pelo juiz de instrução (validação judicial, destruição, apresentação ao juiz e transcrições).

    7 - O entendimento vertido no acórdão recorrido viola os artigos 188.º, n.ºs 1 e 3 e 189.º do CPP, sendo inconstitucional a interpretação feita (artigos26.º, n.º 1, 32.º, n.º 8 e 34.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) 8 - As intercepções telefónicas, com a amplitude com que foram realizadas, violam o direito à reserva da vida privada (art. 26.º, n.º 1 da CRP).

    9 - Daí, o deverem ter sido declaradas nulas, ordenando-se a destruição dos suportes magnéticos e a eliminação das transcrições.

    10 - Omissão de pronúncia pelo tribunal «a quo» por não ter conhecido da desconformidade das transcrições das intercepções telefonicas.

    11 - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não permitir a imputação subjectiva e carência de actos concretos de tráfico que permitam a imputação objectiva, sendo que o tribunal recorrida também se não pronunciou quanto a estas questões e daí outra nulidade de que o acórdão recorrido padece.

    12 - Alteração da fundamentação (não permitida) pelo tribunal recorrido, sendo que a fundamentação do acórdão condenatório da 1.ª instância dava azo a uma contradição insanável entre a fundamentação e os factos apurados, que não permitiam a condenação do recorrente.

    13 - Erro notório na apreciação da prova, cuja nulidade daí resultante foi apropriada pelo tribunal recorrido, ao não reconhecer tal vício.

    14 - O recurso da matéria de facto não foi apreciado - outra nulidade -, para além de interpretação (não sindicação de tal decisão) inconstitucional pelo tribunal recorrido, violadora do art. 32.º, n.º 1 da CRP.

    No final, o recorrente pede a revogação do acórdão recorrido.

  2. A arguida BB: 1 - Erro notório na apreciação da prova, tendo o tribunal da Relação mantido como provados factos que a recorrente não cometeu, designadamente os que tipificam a conduta punível.

    2 - Violação do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º e 340.º .º 1 do CPP), integrando o erro notório.

    3 - Insuficiência da matéria de facto para a decisão ou violação do princípio in dubio pro reo.

    4 - A entender-se que existe crime, a factualidade provada só permite a qualificação pelo tráfico para consumo (art. 26.º do DL 15/93, de 22/1) ou, na pior das hipóteses, pelo tráfico de menor gravidade (art. 25.º).

    5 - A pena é excessiva, tendo o tribunal omitido documentos demonstrativos da toxicodependência da recorrente e factos posteriores que provam a reinserção social.

    Termina pedindo a absolvição, ou, quando assim se não entenda, a condenação pelos tipos legais referidos, com aplicação de pena adequada e proporcional suspensa na sua execução, caso a mesma seja superior aos 32 meses que esteve presa preventivamente e sujeita à medida de obrigatoriedade de permanência na habitação, com vigilância electrónica.

    4.

    O Ministério Público no tribunal «a quo» não ofereceu resposta.

    5.

    Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público teve vista dos autos.

    Colhidos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento.

    O Ministério Público sustentou que a Relação decidiu todas as questões que foram postas, não havendo omissão de pronúncia, e quanto às questões colocadas na decisão interlocutória transitaram em julgado, sendo questões que não puseram termo à causa, não havendo recurso para o STJ. Para além disso, os factos estão bem enquadrados legalmente, nada havendo a dizer relativamente à pena imposta à recorrente BB.

    A defesa do arguido AA remeteu para a motivação de recurso, e a da recorrente BB bateu-se novamente por uma diminuição sensível da pena, que deveria ser suspensa na sua execução.

    1. FUNDAMENTAÇÃO: 6. Matéria de facto proveniente das instâncias: 6. 1. Factos dados como provados: 1. As arguidas MPe CS são, respectivamente, mãe e filha; 2. Os arguidos MN e AN são irmãos; 3. Na data da prática dos factos, os arguidos MPe RFeram companheiros, vivendo o segundo em casa da primeira há menos de dois meses; 4. Os arguidos CS e MN são companheiros, e este último viveu, desde data não apurada e até 23 de Julho de 2003, em casa da primeira; 5. Os arguidos BB e FR tinham sido companheiros, tendo tido uma filha, que vive apenas com a mãe, sendo que no período temporal adiante indicado tais arguidos já não viviam juntos; 6. O arguido AA tem a alcunha de "Noca", a arguida BB a de "Surda", o arguido FR a de "Fanan" e o arguido MN é também tratado por "Marquinhos"; 7. Os arguidos MP, CS, AO, AN e BB dedicaram-se à venda de estupefacientes, designadamente, de embalagens de heroína e/ou cocaína (e também de pedaços de haxixe em relação a esta última), pelo menos no período compreendido entre Fevereiro e 23 de Julho de 2003, data em que a PSP cumpriu os mandados de busca emitidos nos autos, sendo que as arguidas AO e AN ainda prosseguiram tal actividade por mais alguns dias, pelo menos até 11 de Agosto de 2003; 8. Pelo menos as arguidas AO e AN vendiam na via pública, principalmente na zona da Meia Laranja, junto à Rua Maria Pia, em Lisboa; 9. As arguidas MPe CS actuavam em conjunto, contactando a CS os fornecedores dos estupefacientes, que ambas guardavam nas suas casas, onde era embalado, e, depois, procediam também ambas à sua venda; 10. Estas arguidas igualmente guardavam nas suas casas as quantias monetárias obtidas com tal actividade, sendo que a MPainda aí guardava objectos em ouro e relógios, também provenientes da referida actividade, e sacos plásticos, que usava no embalamento do estupefaciente; 11. Pelo menos em Fevereiro/Março de 2003, o arguido AA era um dos fornecedores dos estupefacientes vendidos pelas arguidas MPe CS; 12. Aquele arguido adquiria os estupefacientes junto de indivíduos de identidade não apurada e procedia, depois, à sua entrega a vários indivíduos, entre eles à arguida CS, após proceder à sua divisão em embalagens, o que fazia na sua casa com a ajuda de uma balança, local onde igualmente apontava, em papéis, dados sobre as quantidades de droga vendida; 13. Pelo menos uma vez, as arguidas MPe CS foram auxiliadas nas vendas dos estupefacientes pelo arguido MN; 14. As arguidas AO e AN adquiriram estupefacientes às arguidas MPe CS; 15. A arguida AO guardava em sua casa bicarbonato de sódio, produto normalmente utilizado para "corte" de estupefacientes; 16. O arguido FR destinava a heroína que lhe foi apreendida à venda a terceiros; 17. No período compreendido entre, pelo menos, Março de 2003 e Julho de 2003, a arguida BB era também fornecida de produtos estupefacientes, designadamente heroína, pelas arguidas MPe CS, destinando tais estupefacientes à venda a terceiros; 18. Igualmente para posterior venda a terceiros, a arguida BB era fornecida de haxixe por indivíduo de identidade não apurada; 19. Esta arguida guardava o estupefaciente na sua casa, onde o embalava em sacos plásticos antes de proceder à sua venda; 20. No desempenho da referida actividade de venda de estupefacientes, os arguidos MP, CS, AA, BB e AN utilizavam telemóveis, através dos quais mantinham conversas entre eles e com terceiros para combinarem entregas de estupefacientes e os procedimentos a desenvolver para a sua venda; 21. No período compreendido entre Fevereiro de 2003 a Julho de 2003 a arguida MP utilizou o cartão de telemóvel com o nº 900000 (interceptado no IMEI 0000000, sob o alvo 19 699); 22. Também nesse período, a arguida CS utilizou o cartão de telemóvel com o nº 900000, pertença da mãe, e ainda o cartão de telemóvel com o nº 9000000, que foi interceptado sob o alvo 19985, sendo que este último cartão foi pontualmente utilizado pelo arguido MN; 23. Pelo menos em Fevereiro/Março de 2003, o arguido AA utilizou o cartão de telemóvel com o nº 900000, que foi interceptado sob o alvo 19984; 24. Pelo menos em Maio e Junho de 2003, a arguida BB utilizou o cartão de telemóvel com o nº 900000, que foi interceptado sob o alvo 21526; 25. Pelo menos em Março de 2003, a arguida AN utilizou o telemóvel com o nº 9000000 e, pelo menos em Maio de 2003, o arguido FR utilizou o telemóvel com o nº 900000; 26. Utilizando os referidos telemóveis, as arguidas MPe CS combinavam...

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