Acórdão nº 06P1608 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2006
Magistrado Responsável | SOUSA FONTE |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1.
1.1.
No Processo nº 00/04.0TE.LSB, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, respondeu, com outros, a arguida AA, devidamente identificada nos autos, designadamente no acórdão aí proferido, fls. 3282, que foi condenada nos seguintes termos: a) pela prática, em autoria material, de um crime de extorsão, sob a forma tentada, p. e p. pelos arts. 223º, nº 1, 22º e 23º, todos do CPenal, em um ano e seis meses de prisão; b) pela prática, em co-autoria material, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artº 372º, nº 1, do CPenal, em três anos e nove meses de prisão; c) pela prática, em co-autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artº 371º, nº 1, do C Penal, em um ano de prisão; d) em cúmulo jurídico, na pena conjunta de quatro anos e seis meses de prisão.
1.2.
Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa o Ministério Público e a Arguida (além de um outro co-Arguido) que, pelo acórdão de fls. 3924 e segs, julgando parcialmente procedente o primeiro e improcedente o segundo, acrescentou à condenação dela a sanção acessória de proibição do exercício de função por 5 anos, prevista no artº 66º do CPenal.
1.3.
Ainda irresignada, a Arguida interpôs novo recurso, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões.
1° A arguida e ora recorrente foi condenada pelos crimes de extorsão, na forma tentada, corrupção passiva para acto ilícito e na pena acessória de suspensão de função, por um período de cinco anos, com base em toda uma factualidade dita provada com fundamento exclusivo no depoimento do co-arguido, BB.
2° Depoimento não corroborado objectiva e relativamente a todos os factos que imputou à ora recorrente e que conduziram à sua condenação pela prática dos referidos crimes.
3° Traduzindo de modo muito particular a regra da corroboração uma exigência acrescida de fundamentação, deverá a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente, sendo nula a decisão assim proferida, nos termos do n° 2 do art° 374° do Código de Processo Penal.
4º Ferida, ainda, de constitucionalidade, nos termos devidamente expressos na motivação de recurso e que aqui se reproduzem para todos os efeitos, 5º Dada a imprescindível convocação dos princípios constitucionais que condicionam a estrutura acusatória do processo, na observância dos comandos destinados a garantir a conformidade do procedimento probatório à regras de um Estado de Direito Democrático.
6° Nomeadamente, presumindo-se sempre a inocência de qualquer arguido em processo Penal, nos termos do art° 32° da Constituição da República Portuguesa.
7º Sendo-lhe sempre e sem qualquer excepção favorável a dúvida, 8º Enquanto objecto de imputação, não corroborada objectivamente, de factos que veemente negou, por força e na sequência do depoimento de um co-arguido no mesmo processo.
9º O Tribunal "a quo" errou de forma evidente, na decisão proferida sobre a matéria de facto nos pontos 16, 17, 18 e 19.
10º Erro que resulta do texto da própria decisão em 1ª instância e por simpatia, na ora recorrida.
11º Por se[r] patente que, ao contrário do que sustentou em apoio da posição manifestada pelo Ministério Público, constar de forma tácita do ponto 19°, o facto da arguida e ora recorrente ter desviado a missiva ali em causa, guardando-a num cacifo, longe do olhar de quem quer que seja, com o intuito de mais tarde a utilizar em seu próprio proveito.
12° Constituindo tal vício erro notório na apreciação da prova e tornando nula a decisão nesse preciso aspecto, nos termos da al. e) do n° 2 do art° 410° do Código de Processo Penal.
13° Com as devidas consequências na decisão penal proferida, dada a essencialidade de toda a matéria em causa na condenação proferida, relativamente ao crime de extorsão, na forma tentada.
14° Entendeu a recorrente no seu recurso para o Tribunal "a quo" incorrectamente julgados os factos relativos ao caso DD, concretamente os vertidos nos pontos 29 a 38, 69, 71, 77, 81, 82 e 85.
15° O Tribunal "a quo" assim não entendeu, mas não concretizou minimamente tal entendimento, 16° Apenas transcreveu a decisão da 1º instância, afirmando possuir esta todas as virtudes de uma fundamentada decisão.
17° O que manifestamente não chega em termos do cumprimento do dever de pronúncia, mau grado a referência feita de modo genérico para uma determinada e delimitada parte, aliás longa e diversificada, da decisão transcrita.
18° Ao invés de - parafraseando a decisão desse Supremo Tribunal de Justiça transcrita na supra motivação, concretizar a afirmação de que o Colectivo testara o depoimento do co-arguido BB com outros meios de prova, indicando ou precisando, justamente, quais tinham sido esses meios de prova.
19° Devendo, por consequência, declarar-se nula a decisão ora recorrida por omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n° 1 do art° 379° do Código de Processo Penal.
20° De qualquer forma, sendo patente a total ausência de corroboração do depoimento do co-arguido BB em toda a referida factualidade, bem como de qualquer outro meio de prova que a sustente, com especial relevância do facto, sempre negado pela arguida e ora requerente, relativo à entrega do relatório da Inspecção Geral de Finanças, 21° Deverá ser considerada de todo infundamentada a decisão da matéria de facto no referido contexto, 22° Vício não apenas fatal para a decisão, nos termos do n° 2 do art° 374° e al. a) do n° 1 do art° 379°, ambos do Código de Processo Penal, 23º Mas que determina a sua completa invalidade, nos termos da invocada inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais que constituem o verdadeiro crivo por onde deverá passar a aferição dos limites inultrapassáveis do subjectivismo próprio do princípio da livre apreciação da prova.
24° Os princípios constitucionalmente consagrados da presunção da inocência e do "dúbio pro reo" Termos em que, deverá o presente recurso ser deferido e por força das invocadas nulidades, ser anulada a decisão ora recorrida, substituindo-se por outra que: a) Absolva a arguida e ora recorrente dos crimes de extorsão, na forma tentada e corrupção passiva para acto ilícito; b) Mantendo-se, apenas, a pena parcelar que lhe foi aplicada relativamente ao crime de violação do segredo de justiça; c) Revogue a pena acessória de proibição do exercício de função; d) Sendo, para o efeito, salvo melhor ponderação de Vossas Excelências, declarada a inconstitucionalidade da norma contida no art° 127° do Código de Processo Penal, se interpretada no sentido de, no confronto exclusivo entre depoimentos não corroborados objectivamente, de dois ou mais co-arguidos, se decida a contenda a favor de um deles, relativamente a factos imputados aos restantes, com base na aplicação do princípio da livre apreciação da prova e convicção do juiz, por flagrante violação do princípio da presunção da inocência e "in dúbio pro reo" constitucionalmente consagrados no n° 1 e 2 do art° 32° da Constituição da República portuguesa.
e) Ou caso assim não se entenda, nomeadamente, por limitação dos poderes desse Supremo Tribunal de Justiça, estando em causa o julgamento da matéria de facto, f) Seja determinada a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para efeitos do conhecimento das invocadas nulidades, inconstitucionalidade e pronúncia sobre todas as questões que lhe compete conhecer, nos termos expostos
.
1.4.
Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação que suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso e consequente rejeição, por força do disposto no artº 400º, nº 1-f), do CPP (dupla conforme).
Rejeição, acrescenta, que sempre será de decretar por a Recorrente vir novamente manifestar a sua discordância quanto à matéria de facto assente e se ter limitado, no presente recurso, a renovar a argumentação deduzida no recurso para o Tribunal da Relação, por isto equivaler a falta de motivação.
De qualquer modo, remata, deve confirmar-se o acórdão recorrido.
1.5.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto, na oportunidade conferida pelo artº 416º do CPP, emitiu parecer onde concluiu pela improcedência da questão prévia suscitada pelo seu Excelentíssimo Colega [-tendo o Tribunal da Relação alterado parcialmente a decisão recorrida, acrescentando à condenação da Recorrente a pena acessória de proibição de exercício de funções, não pode deixar de se considerar que, para todos os efeitos, houve uma agravação da posição da arguida; - a Recorrente «vai um pouco mais longe do que a simples impugnação da matéria de facto», pois argui a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia; - a repetição das razões invocadas em anterior recurso, se a Recorrente entende serem válidas, não constitui fundamento de rejeição, tanto mais que, no caso, não deixou de «controverter alguns dos argumentos utilizados no acórdão da Relação procurando demonstrar a incorrecção do seu julgamento e, mais do que isso, imputa ao próprio acórdão recorrido uma nulidade por omissão de pronúncia»], com o inerente prosseguimento dos autos para julgamento, «sem embargo de também se reconhecer que, inexistindo propriamente uma impugnação especificada das penas aplicadas (…), que pelo contrário se reconhecem como adequadas e mesmo resultado da benevolência do tribunal, o recurso … se aproxima muito daquilo que se vem entendendo como manifesta improcedência».
1.6.
Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, a Recorrente insurgiu-se essencialmente contra o juízo de que o recurso se aproxima muito daquilo que se vem entendendo como manifesta improcedência, vincando que «o que no fundo e de facto está agora e aqui em causa é a circunstância de tais decisões [da 1ª instância, que "proclamou como verdade processual" ter entregado ao co-arguido BB cópia de um relatório da IGF e de ter desviado uma carta dirigida à PGR] não terem sido confirmadas pelo Tribunal «a quo» mas apenas...
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