Acórdão nº 06P2315 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução28 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Após debate instrutório, desencadeado por acusação particular do assistente AA contra o Procurador-Adjunto BB, o Desembargador da Relação de Guimarães, titular da instrução requerida pelo acusado proferiu o seguinte despacho de não pronúncia [transcrição]: «Não há nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e, quanto a este, este Tribunal, por razões de economia e bom senso, tem que dizer desde já, que se está apenas perante uma questão comezinha sem qualquer dignidade penal.

Aliás, a denúncia do ora assistente deveria ter sido morta à nascença pois não faz qualquer sentido que se ponha na mão de particulares um meio de fazer prosseguir uma denúncia absolutamente insustentada, quando o mesmo acontece para os crimes ditos semi-públicos.

As expressões usadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público, nada revelam, objectiva a subjectivamente, de ofensivo e antes exprimem, para dar força às alegações, um mero juízo sobre a peça a que se respondia.

Nestes termos, e ainda com apelo aos princípios da economia e de melhor juízo, ao abrigo do disposto no artigo 307.º, n.º 1, do CPP, remete-se no demais para as razões de facto [e] de direito constantes do douto requerimento de abertura de instrução e, por consequência, não se pronuncia o arguido. Custas pelo assistente. Notifique.» Inconformado, recorre agora o assistente ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando em conclusão o objecto do seu recurso: 1- A simples adesão da veneranda decisão instrutória ora sindicada à tese jurídica, de facto e de direito, que sustentou a abertura da instrução decidenda, sem que ela tenha sido notificada ao assistente e sua defensora, nem acompanhe a decisão em crise, impede aquele, objectivamente, de poder contraditar tal argumentação fundamental, por não se descortinar com a necessária clareza que tese jurídica será essa; 2- Uma tal omissão corresponde à falta de fundamentação exigida, de forma peremptória, pelo n.º 4 do artigo 97.º do CPP.

3- Interpretação diversa da emergente na supra conclusão 1.ª, violará o imperativo plasmado no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade interpretativa aqui expressamente invocada para todos os efeitos legais.

4- A veneranda decisão instrutória sob recurso aduz ainda uma sui generis interpretação da norma estampada no n.º 1 do artigo 188.º do Código Penal, no que tange à legitimidade para deduzir acusação a qual pertence exclusivamente, in casu, ao ofendido, ora recorrente, como dali emerge insofismavelmente.

5- Outrossim no que tange à dignidade penal da ofensa em juízo a qual, também de forma incontroversa, do n.º 1 do artigo 180.º do citado Código, interpretada no sentido de que todo o cidadão tem direito à tutela da sua honra, consideração e bom nome, contra qualquer ofensa derivada de imputação ou formulação de juízo que sejam desvalorizantes, mesmo sob a forma de simples suspeita.

6- Acresce ainda que a frase que consubstancia o ilícito criminal indiciado, era absolutamente inútil para a boa e eficaz defesa da tese despenalizadora que o Senhor Procurador-Adjunto /arguido tecia, cujo mérito valeria de per se, fosse a queixa ali em apreço justa ou retaliadora.

7- De resto, esta última hipótese em vez de dar lugar a qualquer juízo de valor, da competência exclusiva do magistrado judicial, deveria, a mostrar-se suficientemente indiciada, dar lugar a inquérito penal por prática de ilícito de denúncia caluniosa, o que não foi feito.

8- Ficando assim manifesto à saciedade a mera intenção de formular juízo desvalorizante desnecessário sobre o recorrente, sem qualquer relevância ou eficácia para a posição defendida em juízo, para mais sendo o agente da ofensa licenciado em direito (Procurador Adjunto da República), perfeito conhecedor da lei e das consequências da sua violação, que consciente e voluntariamente, aderiu in limine ao perigo de ofender o recorrente.

9- Ofensa penalizada pelo direito vigente, nos artigos 180.º, n.º 1, e 188.º do CP, direitos de personalidade especialmente tutelados também pelo imperativo constitucional do artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, na interpretação dada pela veneranda decisão recorrida às sobreditas normas penais, considerando-se correctas as que sobressaem do aduzido nas conclusões 4.ª a 8.ª da presente motivação.

10- Vão assim expressamente arguidas para todos os efeitos legais as inconstitucionalidades interpretativas a que se faz referência nas conclusões 3.ª e 9.ª supra.

11- Carecendo, por tudo isto, a veneranda decisão instrutória de revogação e substituição por outra que pronuncie o Senhor Procurador Adjunto/arguido pelo crime de que foi acusado pelo agora recorrente, para submissão a julgamento com as garantias de defesa da lei.

12- Violou, assim, o Meritíssimo Senhor Juiz Desembargador a quo, por erro de interpretação e, ou, aplicação o preceituado nos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do C.Penal, 97.º n.º 4, 307.º, 308.º do CPP, e 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Com subscrição da peça por «defensora oficiosa», termina pedindo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que pronuncie o arguido pelo crime de difamação «com a agravação prevista».

Responderam o Ministério Público junto do tribunal recorrido e o arguido, em suma defendendo a improcedência do recurso.

2.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O recorrente erigiu em questão prévia a pretensa «violação frontal do preceituado nos artigos 97.º n.º 4, 307.º e 308.º, todos do CPP, em submissão ao imperativo do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa».

Isto porque a decisão instrutória em causa aderiu aos fundamentos de facto e de direito do requerimento de abertura de instrução, «sem a transcrever». E como tal texto não foi notificado previamente - prossegue - «constitui dificuldade séria para o recorrente e sua patrona irem a debate sem conhecer a matéria a debater, obstáculo maior é poder aceitar ou contestar a tese jurídica que, assim, sustenta a decisão a sindicar, impedindo um são, correcto e eficaz estudo e consequente adução de tese contraditória, se ela couber».

Sem razão atendível, o faz, porém.

Em primeiro lugar, porque a lei, aliás expressamente invocada no despacho em crise, permite ao juiz de instrução que fundamente o despacho de pronúncia ou não pronúncia «por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução» - art.º 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal o que constitui, nesta medida, uma excepção ao dever geral de fundamentação «com especificação dos motivos de facto e de direito» previsto no artigo 97.º, n.º 4.

Mas a fundamentação por remissão, como no caso sucedeu, não é, nem de perto nem de longe, equivalente a «falta de fundamentação» e só esta está prevista no artigo 205.º da Constituição.

Não se pode, assim, censurar um tribunal que adopte a opção processual que a lei lhe faculta.

Aliás, o recorrente não chega ao ponto de afirmar qual o pretenso vício que daí teria resultado e quais as consequências processuais atinentes.

E, a fazê-lo, tê-lo-ia feito em vão.

Por outro lado - e entramos noutra questão preliminar - a partir do momento em que foi notificado do despacho de abertura de instrução e, simultaneamente, para o debate instrutório - fls. 326 e 328 - obviamente que ficou sabendo que fora requerida a abertura daquela fase eventual do processo.

Se nesse momento não recebeu cópia do requerimento em causa, e mesmo que de nulidade processual se tratasse, o tempo para reagir começou então logo a esvair-se - art.º 120.º, n.º 3, c) do CPP.

Só agora o ensaiando atacar a alegada omissão - que, de todo o modo, não constituiria verdadeira nulidade, mas mera irregularidade - fá-lo a destempo, e, portanto, inconsequentemente - artigos 121.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do mesmo Código.

De resto, sempre o recorrente, devidamente representado como está, teve e tem o processo ao seu dispor para consulta, de modo a que, sentindo-se pouco esclarecido sobre não importa que fragmento do processo, poder consultá-lo ou pedir as necessárias cópias. Para mais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
13 temas prácticos
13 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT