Acórdão nº 06P1913 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2006
Magistrado Responsável | HENRIQUES GASPAR |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em processo comum, com a intervenção do Tribunal Colectivo, o Ministério Público acusou AA, solteiro, trabalhador rural, nascido a 12 de Agosto de 1985 , na freguesia da Ribeira Seca , concelho da Calheta , filho de BB e de CC , residente no ... , .. , Lajes do Pico e actualmente detido preventivamente no Estabelecimento Prisional de Apoio da Horta DD, casado, agricultor , nascido a 19 de Março de 1965 , na freguesia e concelho de Lajes do Pico , filho de EE e de FF , residente na rua do ...,..., ....., Lajes, imputando-lhes a prática dos factos que integram, em co-autoria material e em concurso real : - um crime de homicídio qualificado , p. p. pelos artºs 132° , n° 2 , al.s d) e i) , com referência ao artº 131° , todos do Código Penal (diploma a que se reportam os demais preceitos legais referidos sem menção de origem) ; - um crime de furto , p. p. pelo artº 203° , n°s 1 e 3 e - um crime de dano , p. p. pelo artº 212° , n°s 1 e 3 ; - o arguido AA , em concurso real , um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal , p. p. pelo artº 3° , n° 2 , do Dec. Lei n° 2/98 , de 3 de Janeiro , com referência aos artºs 121° , 122° e 123° , do Código da Estrada .
Efectuado o julgamento, e com os procedimento do artigo 358º, nº 3 do Código de Processo Penal, o tribunal colectivo julgou o arguido AA co-autor da prática, em concurso real, de: - um crime de homicídio qualificado , p. p. pelos artºs 4º , do Dec. Lei 401/82 , de 23.09 , 73º , nº 1 , 131º e 132º , nºs 1 e 2 , al. i) ; - um crime de furto simples , p. p. pelos artºs 4º do Dec. Lei 401/82 , 73º nº 1 e 203º , nº 1 ; - um crime de dano , p. p. pelos artºs 4º , do Dec. Lei 401/82 , t3º , nº 1 e 212º , nº 1 ; - dois crimes de profanação de cadáver , p. p. pelos artºs 4º , do Dec. Lei 401/82 , 73º , nº 1 e 254º , nº 1 , al. a) ; - cúmplice da prática de um crime de homicídio , p. p. pelos artºs 4º , do Dec. Lei 401/82 , 27º , 73º , nº 1 , 131º e 132º , nº 1 . al. i) e - autor material da prática de um crime de condução sem habilitação legal , p. p. pelos artºs 4º , do Dec. Lei 401/82 , 3º , nº 2 , do Dec. Lei 2/98 , de 03.01 , e 73º , nº 1 e , consequentemente , condená-lo nas penas de dez (10) anos de prisão ; seis (6) meses de prisão ; seis (6) meses de prisão ; oito (8) meses de prisão ; oito (8) meses de prisão ; dois (2) anos e seis (6) meses de prisão e três (3) meses de prisão , respectivamente ;em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de onze (11) anos de prisão ; E julgou o arguido DD co-autor da prática, em concurso real de: - um crime de homicídio qualificado , p. p. pelos artºs 131º e 132º , nºs 1 e 2 , alínea i) ; - um crime de furto simples , p. p. pelo artº 203º , nº 1 ; - um crime de dano , p. p. pelo artº 212º , nº 1 ; - dois crimes de profanação de cadáver , p. p. pelo artº 254º , nº 1 , al. a) e - autor material da prática de um crime de homicídio qualificado , p. p. pelos artºs 131º e 132º , nº 1 , al. i) e , consequentemente , condená-lo nas penas de dezassete (17) anos de prisão ; dez (10) meses de prisão; dez (10) meses de prisão, doze (12) meses de prisão; doze (12) meses de prisão e dezasseis (16) anos de prisão, respectivamente; em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de vinte e cinco (25) anos de prisão.
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Não se conformando com a decisão, o arguido DD recorre para o Supremo Tribunal com os fundamentos constantes da motivação que apresenta, e que condensou com a formulação das seguintes conclusões: 1ª O que permitiu identificar os autores dos factos, o seu modo de proceder e as suas motivações foram as declarações dos arguidos, sendo que os demais elementos de prova, apenas permitiram certificar a coerência daquelas declarações; 2ª. A colaboração do recorrente e do seu co-autor foi insuprível e decisiva e, por isso, há-de ter reflexos na determinação da pena, de forma superlativa; 3ª. Não valorando o carácter decisivo dessa colaboração, e o que ela diz da personalidade do arguido e do seu arrependimento, o acórdão violou o disposto no n.° l e 2 do art. 71.° do Cód. Penal.
4ª.Um segundo tiro desferido sobre uma vítima (GG) que se sabe ferida de morte por um primeiro tiro e que, em qualquer caso, morreria por acção do fogo posto na viatura em que seguia, só pode ser considerado como de "misericórdia", para lhe evitar o sofrimento; 5ª. A especial censurabilidade necessária à caracterização de um homicídio como qualificado, há-de ser retirada dos elementos de prova que constem dos autos; 6ª. Os elementos de prova decisivos foram as declarações dos arguidos e elas vão no sentido de que o segundo tiro foi dado com a exclusiva intenção de evitar mais sofrimento à vítima, 7ª. Corrobora essa interpretação o facto de a vítima estar agonizante, em sofrimento e de a sua morte ser inevitável, por força de um primeiro disparo, não havendo, nos autos, qualquer elemento que deponha em sentido diferente; 8ª. Qualificando a morte de GG, o douto acórdão violou, por erro de interpretação, a alínea i) do art. 132° do C.P.
9ª. Para que se verifique o crime de profanação de cadáver, necessário é que esse crime seja um fim em si mesmo; já não quando seja instrumento de um outro crime; 10ª. Ficou provado que a única intenção dos agentes, ao destruírem os cadáveres, era a de ocultar a prática do homicídio, tudo fazendo parte do mesmo plano para matar HH, ou seja, tudo dentro da mesma resolução criminosa - de homicídio.
11ª. Caso assim não se entenda, como se justifica, então, a punição de AA como co-autor de um crime de homicídio qualificado na pessoa de HH, já que ficou, também, provado que a sua participação nos factos foi a de, precisamente, auxiliar o recorrente na destruição, pelo fogo, dos cadáveres de HH e GG? 12ª. Concluindo da forma como fez, condenado o recorrente por dois crimes de profanação de cadáver, violou, mais uma vez por erro de interpretação os art. 254.°, n.° l, ai. a), art. 14.°, 26.° e 29.°, todos do Cód. Penal.
Termina pedindo que o acórdão recorrido seja «parcialmente revogado», e em consequência: «a) Ser o recorrente condenado pela prática um crime de homicídio simples, e não de homicídio qualificado, na pessoa de GG; b) Ser anulada a condenação do recorrente no que respeita aos dois crimes de profanação de cadáver, c) Ser a confissão tida como elemento relevante na descoberta da verdade material e pressuposto do arrependimento sincero, procedendo à revisão das penas parcelares aplicáveis a cada um dos crimes; d) Ser a pena concretamente aplicada ao recorrente revista, nos termos supra expostos, diminuindo-se a sua medida».
O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu à motivação, entendendo, em conclusão, que «s deve dar-se provimento parcial ao recurso revogando-se o douto acórdão na parte em que condena os arguidos pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de profanação de cadáver, p. e p., pelo artigo 254°, n.° l, alínea a) do CP, mantendo-se, porém, o mesmo nos seus precisos termos quanto ao restante, nomeadamente na penas de 25 anos e 11 anos de prisão em que foram condenados os arguidos DD e AA».
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Neste Supremo Tribunal, a Exmªa Procuradora-Geral Adjunta considera que nada impede o conhecimento do recurso.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir: 4. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos: 1 - O arguido AA começou a consumir produtos estupefacientes , nomeadamente , heroína , a partir de Julho de 2004 , data em que foi trabalhar para o café denominado "..." , sito na rua do ... , .... , S. Roque do Pico , o qual era explorado pelo HH , a quem passou a adquirir tal produto para consumir .
2 - Trabalhou para o HH durante cerca de três meses, de Julho a meados de Outubro de 2004.
Durante tal período de tempo manteve com ele uma boa relação , ao ponto do HH lhe confidenciar onde guardava o estupefaciente utilizado para o tráfico , actividade a que também se dedicava .
3 - Ficou acordado entre ambos que o vencimento do AA seria de € 600 mensais.
Contudo, durante o período de tempo que ali trabalhou o arguido apenas recebeu € 200 .
4 - Cerca de duas semanas após ter deixado de trabalhar para o HH , como forma de se ressarcir dos salários não pagos , o arguido dirigiu-se ao local denominado por Mistério , no concelho das Lajes do Pico , ao local onde sabia que o HH guardava o produto estupefaciente que transaccionava (heroína e cocaína) e , da totalidade que ali se encontrava , retirou cerca de sete gramas de heroína , deixando lá o resto .
Da heroína que de lá retirou consumiu parte e a outra parte cedeu a terceiros com o que auferiu a quantia de € 80 .
5 - Nesse mesmo dia, no parque de campismo das Lajes do Pico , o HH , já sabedor que tinha sido o arguido AA quem lhe tinha tirado a heroína , exigiu-lhe o pagamento da quantia de € 1.900 , tendo-lhe então apontado uma pistola e efectuado um disparo que passou tão perto da sua cabeça que chegou a queimar-lhe alguns cabelos .
6 - Na realidade, em Agosto de 2004 , o arguido AA foi detido na ilha de S. Jorge na posse de produtos estupefacientes que estava a transaccionar por conta do HH .
Foi presente a primeiro interrogatório judicial e restituído à liberdade com obrigação de apresentações periódicas .
Contudo , o HH alegava que lhe tinha pago uma caução de € 1.900 para que ele aguardasse o julgamento em liberdade , quantia essa que agora reclamava .
7 - Exigiu-lhe também o HH naquela ocasião a devolução do produto estupefaciente que lhe havia tirado caso contrário "iria tratar-lhe da saúde" .
8 - Alguns dias depois , o HH apossou-se do motociclo da marca "Peugeot" , modelo "Zenith" , com a matrícula 1 LGP , que o arguido AA havia adquirido em finais de 2004 .
9 - Foi também por estes dias que o arguido o AA , com medo de represálias por parte do HH , foi para S. Jorge , onde esteve a viver em casa da mãe , de onde apenas regressou ao Pico em Fevereiro de 2005 .
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