Acórdão nº 06P1613 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução08 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS - Arguido/recorrente: AA (1) No dia 08Nov03, os arguidos BB, AA e CC decidiram apoderar-se de um veículo automóvel, utilizando para o efeito uma arma de fogo e uma faca. Pelas 02:40 horas, aperceberam-se de que DD estacionava na Av. ...., em Malveira, Mafra, a viatura Fiat Marea QT. Então, o arguido AA aproximou-se da dona do veículo, quando esta já se encontrava fora dele, e, a uma distância de 4 ou 5 metros dela, retirou da cintura uma pequena arma de fogo e, empunhando-a, disse-lhe para não se mexer e não gritar, senão dava-lhe um tiro. Uma vez junto dela, encostou-lhe a arma ao corpo enquanto lhe repetia que não se mexesse e não falasse, continuando a ameaçar que a matava. Depois, enquanto os arguidos BB e CC se aproximavam, o arguido AA disse-lhe para entregar a chave do carro a um dos outros. Quando os arguidos BB e CC já se encontravam junto da ofendida, aquele desapertou o fecho do casaco e retirou uma faca com lâmina de 21 a 22 cm de comprimento, recortada e curva no final, normalmente conhecida por "faca de mato", que apontou à ofendida, enquanto o arguido AA voltava a exigir-lhe a entrega das chaves da viatura e da mala que ela trazia, mantendo sempre a arma apontada. Perante a conduta dos arguidos a ofendida abriu a mão onde tinha as chaves do veículo, nas quais o arguido BB pegou, dirigindo-se então para a viatura, acompanhado do arguido CC, e sentando-se no banco do condutor (e este no banco traseiro). Nessa altura, o arguido AA pegou na mala da ofendida, que continha um telemóvel Nokia 7650, que havia adquirido meses antes pelo valor de 600 euros e, dirigindo-se para o automóvel, disse repetidamente: "Está quieta aí, não te mexas, olha que dou-te um tiro ali de longe." Seguidamente, entrou no veículo e sentou-se no banco ao lado do condutor, seguindo todos na viatura, conduzida por BB, em direcção a Mafra. No interior do veículo, mais precisamente no porta-bagagens, encontravam-se umas botas de cano alto em lycra de cor azul, no valor de 35 euros e um par de ténis Nike, já usados, cujo custo de aquisição havia sido de 155 euros, objectos, pertença da ofendida, que os arguidos BB, AA e CC fizeram coisa sua. Os arguidos abandonaram posteriormente o veículo QT, que veio a ser encontrado nesse mesmo dia, pelas 10:30, ao quilómetro 11 da CREL, no sentido Queluz/Belas, com a mala da ofendida mas já sem o telemóvel nem os restantes objectos. Em data posterior, um dos arguidos ofereceu à co-arguida EE as botas de lycra de cor azul, (...) que esta fez suas (...) e se encontravam ainda em seu poder no dia 22 de Novembro de 2004, altura em que foram apreendidas pela Polícia Judiciária de Lisboa na sua residência, em Casal de Cambra, Sintra, não aparentando sinais de uso.

Pelas 21:00 horas do dia 27Dez03, na Urbanização 14 de Agosto, na vila de Mafra, três indivíduos, utilizando para o efeito um veículo Fiat Uno em se faziam transportar, executando plano previamente acordado e conjugando esforços, embateram propositadamente com a viatura em que se deslocavam na retaguarda do automóvel ligeiro de passageiros Opel Corsa HB, propriedade de FF, que o conduzia na altura e que imediatamente parou após o embate, tendo saído da viatura a fim de ver os danos. Aproveitando o facto de ela ter saído da viatura, um dos indivíduos entrou no Opel, sentou-se no lugar do condutor e pôs-se em fuga. Cerca das 23:45, o carro foi localizado pela GNR a cerca de 500m do bar "....", na Foz do Lisandro, em Carvoeira, Mafra. Cerca da 1:00 hora do dia 28/12/2003, o arguido AA entrou na viatura, juntamente com a co-arguida EE, altura em que foi colocada uma viatura da GNR descaracterizada a obstruir a via, de forma a obrigá-los a parar. Depois, dois militares da GNR ordenaram a paragem do veículo, ao mesmo tempo que em voz alta se identificavam como militares da GNR e pelo menos um deles exibia a sua identificação. De imediato, o arguido AA, que conduzia o veículo, repentinamente e sem que nada o fizesse prever, efectuou diversas manobras de forma a conseguir passar a barreira policial, o que conseguiu, pondo-se em fuga, pela EN-247, em direcção a Sintra. Numa das manobras efectuadas pelo arguido AA para se pôr em fuga, o veículo por ele conduzido embateu no soldado Gaspar da GNR, passando-lhe com um pneu por cima do pé direito, derrubando-o e provocando-lhe traumatismos na nádega direita, cotovelo direito e pé direito (folha clínica de fls. 969). Em consequência das lesões sofridas, o militar foi transportado ao Centro de Saúde de Mafra, onde foi assistido, ascendendo a € 15,40 o custo da respectiva assistência, suportado pela ARS de Lisboa e Vale do Tejo.

O veículo HB foi posteriormente abandonado no Cacém, onde foi encontrado a 29Dez03, com os espelhos retrovisores partidos, o farol da frente do lado esquerdo partido, o emblema da marca do veículo retirado. A reparação dos estragos verificados na viatura HB ascende a 983,70 euros. (...) O arguido AA conduziu-o sem ser titular de carta de condução ou outro documento que legalmente o habilitasse a conduzir. Bem sabia que não era titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que os habilitasse à condução estradal e que, nestas circunstâncias, lhe estava vedada tal actividade. Os três primeiros arguidos actuaram de comum acordo e em comunhão de esforços ao retirarem e levarem consigo o Fiat Marea, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade da sua legítima proprietária. Ao empunharem e apontarem à ofendida a arma de fogo e a faca acima descritas, bem como ao proferirem as expressões acima mencionadas, sabiam que as suas condutas eram adequadas a causar medo e receio na ofendida, agindo com a intenção de dessa forma a impedir de se apoderarem do veículo. Ao passar com o pneu do veículo por cima do pé do militar da GNR, que se encontrava devidamente identificado, o arguido AA actuou com o propósito conseguido de se pôr em fuga do local, tendo representado como possível atingir o militar da GNR como atingiu e que podia causar lesões no mesmo, como causou, tendo aceitado que tal acontecesse. Em todas essas suas condutas, os arguidos agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. O arguido AA sofrera as seguintes condenações: - no âmbito do processo sumário 336/02.6GJSNT do 1º Juízo Criminal de Sintra e pela prática, em 14/07/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. art. 3º n.º 2 do DL 2/98, 70 dias de multa à taxa de 3 euros por dia e, em alternativa, 46 dias de prisão (sentença de 15/7/2002); - por sentença de 9/10/2003, proferida no processo comum singular n.º 145/01.0 PQLSB da 2ª secção do 2º Juízo Criminal de Lisboa e pela prática, em 24/11/2001, de um crime de furto de uso de veículo na forma tentada, p. p. art. 208, nºs 1 e 2, do CP, foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa de 5 euros por dia e, em cúmulo jurídico, na pena única de 180 dias de multa à mesma taxa. O arguido AA é filho de pais separados, tendo reingressado no agregado da progenitora com cerca de 8 meses, vindo a estabelecer bom relacionamento com o novo companheiro desta. O seu percurso escolar foi instável, tendo registado problemas de agressividade no contexto escolar, tendo concluído apenas o 6º ano de escolaridade após várias reprovações. No plano laboral não exerceu de forma consistente qualquer actividade, registando apenas algumas ocupações pontuais e indiferenciadas. O seu comportamento evoluiu de forma negativa, acabando por abandonar o agregado familiar materno, tendo ido viver com um irmão toxicodependente, circunstância que agravou o consumo de haxixe que o arguido já iniciara.

Após ter cumprido um período de 10 meses de prisão preventiva (entre Dezembro de 2002 e Outubro de 2003), regressou ao lar materno, onde se integrava à data da prática dos factos. Tem revelado fraco investimento pessoal no decurso da actual detenção, registando uma punição recente por posse de substâncias proibidas.

  1. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 1.º Juízo de Mafra, em 20Out05, condenou AA (-18Jan84), pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (art.s 210, nºs 1 e 2, al. b) e 204, n.º 2, al. f) do CP: prisão de 3 a 15 anos), na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário (art. 347º do CP: prisão até 5 anos), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; pela prática em autoria material de um crime de condução ilegal (art. 3º, n.º 2, do DL 2/98), na pena de 4 meses de prisão; e, e em cúmulo jurídico (2) , na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão: Do crime de roubo agravado.

    Vêm os três arguidos acusados da prática, em co-autoria material, de um crime de roubo qualificado, p. p. art.s 210, nºs 1 e 2, al. b) e 204 nº 2, al. f) do CP. Nos termos do citado art. 210º, comete o crime de roubo "quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir". A lei prevê para este crime uma moldura penal de 1 a 8 anos de prisão, elevando-se para prisão de 3 a 15 anos quando se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do art. 204 (vide al. b) do n.º 2). O roubo é assim um crime complexo, que ofende bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos de natureza pessoal, traduzindo-se a um tempo na violação do direito de propriedade e detenção de coisas móveis, da liberdade individual de decisão e acção, bem como da integridade física da vítima. Aqui a lesão dos bens de natureza pessoal surge como o meio de agredir o património do lesado, que pode ou não coincidir com a vítima do constrangimento. Conforme vem explicitado no...

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