Acórdão nº 06P1394 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução18 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, BB, CC e DD foram julgados na 1ª Vara Mista de Sintra e aí foi decidido: - quanto ao arguido AA, condená-lo como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção da Lei 11/04, de 27 de Março, na pena de dez (10) anos de prisão, como autor material de um crime de detenção de arma proibida (quanto à caçadeira de coronha e canos serrados) previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão, como autor material de um crime de detenção ilegal de arma (quanto ao revólver) previsto e punido pelos artigos 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, e 6.º, n.º 1, da Lei 22/97 de 27 de Junho, na redacção da Lei 98/01, de 25 de Agosto, com pena de nove (9) meses de prisão; e em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de onze (11) anos de prisão; - quanto à arguida BB, condená-la como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção da Lei 11/04, de 27 de Março, na pena de sete (7) anos de prisão; - absolver os arguidos CC e DD.

Da sentença recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa os arguidos AA e BB e também o M.º P.º (este apenas inconformado quanto à absolvição dos dois outros arguidos), mas esse Tribunal, por acórdão de 7 de Fevereiro de 2006, negou provimento aos recursos e confirmou a decisão recorrida.

  1. Inconformados, recorrem agora os arguidos AA e BB para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação conjunta, extraem as seguintes conclusões: I - De acordo com as razões de facto e de direito atrás aduzidas, que aqui se dão como inteiramente reproduzidas, II - Verifica-se que as autoridades aduaneiras procederam à abertura da encomenda aérea referenciada no processo, no decurso de um inquérito que já corria em ordem à averiguação dos factos relacionados com a mesma e agindo sempre, nas sobreditas condições, a pedido informal, sob as directrizes e em nome dos elementos da Polícia Judiciária que tinham a seu cargo a investigação do processo, III - Pelo que os meios de prova logrados por tais órgãos de polícia criminal, não podem deixar de estar sujeitos ao mesmo regime das provas produzidas em processo penal, e, nomeadamente, à observância das normas contempladas nos seus art.ºs 174°, 178° e 179°, sob pena de nulidade e IV - Sem prejuízo de inconstitucionalidade das normas constantes nos art.ºs 4°, ponto 14, 37° e 46° do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento ( CEE ) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro, quando interpretadas no sentido preconizado, no, aliás, douto Acórdão recorrido, isto é, no sentido de que as autoridades aduaneiras não devem estrita obediência às normas processuais penais quando actuam no âmbito e para os fins do processo criminal, por grave violação do disposto nos art.ºs 18°, 26°, 32°, n.º 8 e 34°, nºs 1 e 4 da nossa Lei Fundamental.

    V - Não obstante, o Tribunal a quo não se pronunciou, em concreto, sobre a validade de tal actuação levada a cabo pelas autoridades aduaneiras ao longo dos autos e posta em crise no anterior recurso interposto pelos arguidos, VI - Tendo-se apenas limitado, praticamente, a esgrimir com a natureza especial os poderes que resultam do Código Aduaneiro Comunitário para os órgãos de polícia criminal alfandegários, para daqui concluir pela legitimidade da actuação dos mesmos in casu, VII - Pelo que a douta sentença recorrida até padece, neste ponto, da nulidade taxativamente prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 379° do Cód. Proc. Penal, VIII - Na medida em que os recorrentes não obtiveram, assim, qualquer resposta sobre tanto.

    IX - Donde enfermar de nulidade absoluta, com todas as suas consequências legais, e, designadamente, as decorrentes do denominado pela doutrina «efeito à distância», a apreensão na Alfândega do Aeroporto de Lisboa, no dia 04.04.29, do volume que compunha a encomenda aérea, no qual foi detectado produto estupefaciente, X - Porque efectuada pela autoridade policial sem ter sido previamente autorizada ou ordenada pelo Juiz de Instrução do processo e, ainda, também, porque não foi este a primeira pessoa a tomar conhecimento do seu conteúdo, XI - Sendo que a "ingerência" levada a cabo por tal autoridade na mesma teria sempre de materializar-se com observância das regras contempladas nos mencionados art.ºs 174°, 178° e 179° do Cód. Proc. Penal, sob pena de nulidade, XII - Tanto mais que não realizada como medida cautelar e de polícia ou no decurso de revistas ou buscas, nos termos do art.º 249°, n.º 2, ai. c) do Cód. Proc. Penal e como melhor se fundamenta no anterior recurso interposto pelos arguidos, que por isso mesmo nesta parte se dá aqui como inteiramente reproduzido.

    XIII - E nulidade de prova obtida regulada no n.º 3 do art.º 126° do Cód. Proc. Penal, a que não é de aplicar, por força do n.º 3 do art.º 118°, nem o art.º 119° nem o art.º 120°, todos deste mesmo diploma legal e XIV - Em conformidade com a qual, ressalvados os casos previstos na lei, são nulas as provas obtidas mediante intromissão na correspondência sem o consentimento do respectivo titular.

    XV - E tratando-se de uma nulidade absoluta e, por conseguinte, insanável, fulminada pelos citados art.ºs 32°, n.º 8 e 34°, nºs 1 e 4, ambos da CA.P., sem margem para dúvidas, portanto, que será nula toda a prova subsequente carreada para os autos pelos elementos da Polícia Judiciária que tiveram a seu cargo a investigação do caso dos autos e XVI - Concretamente, a resultante das apreensões realizadas quer nas instalações do cofre do armazém da "Portway", localizadas no Edifício 17 da Alfândega do Aeroporto de Lisboa - diligência esta, aliás, a partir da qual não resultam nenhuns indícios que possibilitem imputar aos recorrentes a prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, como bem se demonstra no seu local próprio - quer nas residências das arguidas BB e DD quer nas próprias pessoas dos arguidos, XVII - Visto que só não seria de julgar deste modo, se por acaso se demonstrasse que estas aludidas apreensões, enquanto carreadoras para os autos de diferente prova, eram absoluta e processualmente independentes da apreensão que foi efectuada na Alfândega do Aeroporto de Lisboa no dia 04.04.29 pelas autoridades policiais, XVIII - Dado que então este meio ilegal de obtenção de prova não teria a virtualidade de inquinar toda a restante prova não ilegal vertida no processo, XIX - Todavia, não é isto manifestamente o que se verifica no presente caso, XX - Na medida em que se mostra cristalinamente nos autos e resulta claramente do conjunto da prova oral que foi produzida em Audiência de Julgamento, que o conhecimento prévio e ilegítimo do conteúdo do volume que compunha a encomenda aérea, no qual foi detectado produto estupefaciente no decorrer da vistoria realizada à mesma pelas autoridades públicas, foi a única causa que desencadeou a posterior acção policial, desenvolvida, por forma legítima e adequada, pela investigação XXI - Daqui que não possa concluir-se de modo nenhum pela irrelevância de " efeitos " jurídicos daquela primeira apreensão, e, XXII - Assim, admitir-se como válida toda a prova obtida com todas as posteriores apreensões judicialmente ordenadas.

    XXIII - Forçosamente, por conseguinte, que há aqui que considerar o que a doutrina apelida por «efeito à distância», XXIV - Ou seja, o arrastamento da nulidade do primeiro meio ilegal de obtenção de prova, que assim torna inválida toda a prova depois obtida na sequência e por causa da inicial e ilegitimamente recolhida, conforme se estatui no n.º 1 do art.º 122° do Cód. Proc. Penal, XXV - Aliás, efeito este que só não se verificará, como sustenta o Prof. Manuel da Costa Andrade na sua obra " Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal " ( fls. 65 ), quando o recurso aos processos hipotéticos de investigação permitiria seguramente alcançar o mesmo resultado probatório, XXVI - O que porém de todo em todo não acontece no caso dos autos, visto que sem a primeira apreensão efectuada pelos agentes policiais nenhuma das restantes se lhe seguiriam.

    XXVII - Resultantemente, impõe-se a absolvição dos recorrentes.

    XXVIII - As circunstâncias previstas no art.º 24° do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pressupõem um plus da ilicitude contemplada no crime base do art.º 21°, dado que este já se encontra projectado para a punição de traficâncias de média e de grande dimensão, XXIX - Pelo que a avultada compensação remuneratória como circunstância de agravamento dessa ilicitude, tem necessariamente que revelar uma especial censurabilidade e um desvalor social incomparavelmente superiores ao já contido no dito crime base, XXX - Apontando, assim, forçosamente para autorias que sejam determinadas a gerar um lucro bastante relevante, obtido por intermédio do "comércio" do grande tráfico e das grandes redes de distribuição, XXXI - O que, contudo, salvo diferente opinião, não se tira...

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