Acórdão nº 06B336 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Abril de 2006
Magistrado Responsável | OLIVEIRA BARROS |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 28/3/2001, AA e mulher BB intentaram na comarca de Armamar acção declarativa com processo comum na forma ordinária contra CC e DD.
Alegaram, em suma, ter celebrado com estes contrato verbal de trespasse dum estabelecimento comercial de vestuário, na convicção de que pertencia em comum aos RR, e de que estes eram casados, e ter-lhes entregue, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 4. 500.000$00, mas que os mesmos se escusaram sempre à outorga de escritura pública desse contrato, tendo os AA tomado então conhecimento de que o contrato de arrendamento do estabelecimento não estava reduzido a escritura pública e de que o trespasse não tinha sido comunicado ao senhorio.
Pretendem que o predito contrato de trespasse celebrado com os RR, nulo por vício de forma, fique sem efeito, reavendo a quantia que lhes entregaram e que estes se recusam a devolver, apesar de instados para esse efeito.
Com estes fundamentos, pediram a condenação dos RR no pagamento da quantia de 4.500.000$ 00, com juros legais desde o dia da interpelação que efectuaram.
Contestando, os demandados excepcionaram a ilegitimidade do Réu por não ser parte no contrato de trespasse firmado com os AA, não sendo os RR, na altura, casados, e sendo o estabelecimento propriedade exclusiva da Ré. Em impugnação, ainda, dos factos aduzidos pelos AA, sustentaram ter-lhes sido mostrada uma cópia do contrato-promessa de arrendamento comercial, por período limitado, do estabelecimento, e que foram estes que se recusaram a outorgar a escritura pública de trespasse. Por outro lado, os AA venderam toda a mercadoria existente no estabelecimento e entregaram o espaço ao senhorio.
Assim, aceitando a nulidade do falado contrato de trespasse e a devolução da quantia recebida, pretendeu a Ré receber, por sua vez, 8.469.473$00 da mercadoria ( incluindo uma margem de lucro de 80% e IVA a 17% ), e 2.472.913$00, do mobiliário, que deixou na loja, e, ainda, o valor do direito ao arrendamento e ao trespasse, que avaliou em 1.500.000$00, montantes esses acrescidos de juros moratórios.
Excepcionou, nessa base, a compensação desses valores até ao montante de 4.500.000$00, e, em reconvenção, pediu a condenação dos AA no pagamento do valor sobrante de 7.942.386$00, com juros moratórios, à taxa legal, desde a data da notificação da contestação.
A título subsidiário, e para o caso de improcedência da excepção peremptória de compensação, pediu a condenação dos AA no pagamento da quantia global de 12.442.386$00, com os juros moratórios já referidos.
Houve réplica.
Em audiência preliminar, admitiu-se o pedido reconvencional e proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada e se afirmou a validade e a regularidade da instância.
Indicados os factos assentes e organizada a base instrutória, veio, após julgamento, a ser proferida, em 11/3/2005, sentença do Círculo Judicial de Lamego que julgou parcialmente procedentes tanto a acção, como a reconvenção.
Em consequência, o Réu foi absolvido do pedido deduzido contra ele.
Absolvidos uns e outra do mais pedido, a Ré foi condenada a pagar aos AA a quantia de 4.500. 000$00, correspondente a € 22.445,91, e estes foram condenados a pagar àquela a de 8.500.000$ 00, correspondente a € 42.397,82, mas, operada compensação entre essas quantias, os AA ficaram condenados a pagar à Ré a importância de 4.000.000$00, correspondente a € 19.951,92, acrescida de juros de mora, à taxa legal sucessivamente vigente, desde o dia 13/5/ 2001 até efectivo e integral pagamento.
A Relação do Porto negou provimento ao recurso de apelação que os AA interpuseram dessa sentença ; e é dessa decisão que vem, agora, pedida revista.
Em remate da alegação respectiva, os AA deduzem as conclusões que seguem, decalcadas, algumas, das oferecidas no recurso de apelação : 1ª - Como permitem os arts.646º, nº4º, e 660º, nº2º, CPC, e em vista, ainda do Acórdão Uniformizador nº14/84, a resposta ao quesito 1º deve ser alterada em conformidade com a alegação dos RR plasmada nos artigos 16º, 17º e 18º da contestação - este último reportando-se a confissão aceite pelos AA.
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- Deram-se, ainda, por assentes, - e por isso, à luz dos normativos citados, devem ter-se por não escritos -, factos não alegados, nem queridos, pelas partes, o mesmo se dizendo da valoração atribuída a negociações totalmente nulas entre a Ré e a EE e, por isso, como res inter alios acta, inoponíveis aos recorrentes, pelo menos ao A.
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- Na verdade, nenhuma prova se fez de que o preço do " trespasse " fosse de 8.500.000$00 ou, tendo em conta que a forma a que o mandato obedece é a prescrita na lei para o contrato a que se destina, de que os AA tivessem mandatado a EE com poderes para esta se obrigar por eles na fixação desse valor, tendo-se apenas alegado que aquela fora incumbida de entabular negociações com os RR no sentido de adquirir a dita loja e, ainda, que estes lhes pagaram 4.500.00$00 ( cfr. resposta ao quesito 2º).
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bis - As negociações contaram sempre com a presença de ambos os RR, sendo com ambos que todas as cláusulas foram acordadas, e sendo sempre o Réu quem pôs e dispôs, como se vê da confissão levada ao artigo 8°, da resposta ao quesito 2° e, ainda, do cheque não impugnado junto aos autos, comprovativo de que este recebera na sua conta 3.250.000$00. Tal questão foi silenciada, ao arrepio dos arts.660°, nº2º, e 668°, nº1º, al.d), CPC, não a tendo o Tribunal levado em conta, nem valorado devidamente.
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- Em sede de responsabilidade contratual, importa, ainda valorar - o que não se fez, com desrespeito pelo disposto nos arts.217º e 288º, nºs 3º e 4º, C.Civ. - que o Réu actuou antes e durante a execução do contrato, fazendo seu o preço, de modo a inculcar nos recorrentes a ideia de que assumira também o negócio como seu, vindo tal corroborado no artigo 8° da contestação e devidamente comprovado na resposta ao quesito 2°.
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- Os AA só ajuizaram os RR in extremis, após se terem proposto restituir-lhes o espaço físico antes de o entregarem ao senhorio, obrigando-se ainda a reporem o valor das peças já vendidas, tendo-se aqueles recusado a aceitar tal solução, não aceitando receber as instalações e exigindo-lhes o pagamento duma quantia medonha e desproporcionada.
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- Não sendo os RR legítimos titulares do estabelecimento, como uma universalidade, essa recusa é injustificada, o que faz, desde logo, afastar a aplicação literal do art.289°, com referência aos arts.289°, nº3º, e 1269º, C.Civ., pois a nulidade aí prevista só geraria a obrigação de restituírem aos RR o que deles tivessem recebido, nada se tendo provado que aponte os AA como culposa ou negligentemente responsáveis pelo incumprimento do negócio.
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- Acresce que ao recusarem-se a aceitar a restitutio in integrum proposta pelos AA, os RR incorreram em incumprimento definitivo, e não em simples mora accipiendi, pelo que a solução a adoptar não pode ser aquela de que se lançou mão na 1ª instância e que o acórdão recorrido sufragou.
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- De facto, seria de todo injusto condenarem-se os AA a ficarem sem o dinheiro que entregaram, a pagarem aos RR, e com juros, o resto do valor que tinha sido acordado, como se o negócio tivesse sido integralmente cumprido, reconhecendo-se-lhes um direito que nem sequer tinham reclamado.
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- As instâncias incorreram, assim, na nulidade prevista no art.668°, nº1º, al.d), CPC, com referência ao disposto nos arts.798°, 801° e 809° C.Civ., na medida em que os RR estão em mora desde 3/10/2000, data em que foram interpelados, sendo certo que se recusou aos AA o mesmo tratamento, quando, afinal de contas, nenhuma culpa lhes é assacável pela frustração do negócio.
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- Injustiça tanto mais notória quanto é certo que, ficando o pedido contra os RR muito aquém do disposto no art.442°, nº2º, 2ª parte, C.Civ., os AA acabaram por ser condenados a pagar-lhes na íntegra o valor de um contrato nulo e que, apesar disso, só não foi cumprido por sua própria culpa, quando é certo que se fossem legítimos titulares do estabelecimento, sempre poderiam exigir do senhorio a restituição da loja, pois a decretada nulidade do contrato retroagiria em relação às partes e ao próprio senhorio.
Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As questões que importa resolver são as seguintes :- pretendida alteração da resposta dada ao quesito 1º ( três primeiras conclusões ); - indicada omissão de pronúncia em sede de apreciação da responsabilidade do Réu (duas conclusões seguintes, isto é, 3ª bis e 4ª) ; - não titularidade por parte dos RR do estabelecimento como uma universalidade, com efeitos na obrigação de restituição decorrente da nulidade do contrato de trespasse por inobservância da forma legal ( como melhor explicado no recurso de apelação, por não haver contrato de arrendamento validamente celebrado , quando acordado o trespasse da loja - conclusões 5ª e 6ª ) ; - nulidade prevenida no art.668°, nº1º, al.d), CPC, em vista da não condenação dos RR em juros sobre a quantia que lhes foi entregue (conclusões 7ª a 10ª).
Convenientemente ordenada, a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue ( indicando-se, entre parênteses as...
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