Acórdão nº 06P360 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2006
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 29 de Março de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 000/04, do Tribunal Judicial da comarca de Figueira de Castelo Rodrigo, após a realização de contraditório foi proferido acórdão que condenou a arguida AA, com os sinais dos autos, como autora material, em concurso real, de um crime de homicídio simples e de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 131º e 143º, n.º1, do Código Penal, nas penas de 13 anos de prisão, 1 ano de prisão e 15 meses de prisão, respectivamente, sendo em cúmulo jurídico condenada na pena conjunta de 14 anos e 6 meses de prisão (1).
Foi interposto recurso pela arguida para o Tribunal da Relação de Coimbra, visando o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, recurso que foi julgado improcedente.
Inconformada, recorre agora para este Supremo Tribunal, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação: A. Do cotejo da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento com os factos dados como provados na sentença recorrida, constata-se a existência de erro de julgamento, devendo o mesmo ser anulado em conformidade com o disposto no artigo 410º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal e artigo 712º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
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Face aos elementos de prova produzidos nos autos, nomeadamente na audiência de discussão e julgamento, não pode o tribunal a quo considerar provada a autoria do crime de homicídio por parte da arguida.
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Ao não fazer esta valoração, o tribunal a quo, além de incorrer em erro de julgamento partiu para a valoração da prova em violação da regra do artigo 127º e do princípio constitucional do in dubio pro reo.
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Face aos elementos de prova produzidos nos autos, nomeadamente na audiência de discussão e julgamento, não pode o tribunal a quo considerar provada a autoria do crime de homicídio por parte da arguida, sob pena de se violar o princípio constitucional do in dubio pro reo (artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa).
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Admitindo a apreciação da prova efectuada pelo tribunal judicial de Figueira de Castelo Rodrigo e pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, existem elementos suficientes para a qualificação do crime de homicídio privilegiado e não homicídio simples.
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Houve, in casu, uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto desencadeador dos acontecimentos (a provocação de que a arguida foi alvo) e o facto "provocado", ou seja, foi um conjunto de estímulos que levou ao desenrolar dos acontecimentos.
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Em causa esteve um "forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual o homem normalmente fiel ao direito, não deixaria de ser sensível".
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O acórdão recorrido deveria ter enquadrado a conduta da arguida na previsão legal do artigo 133º, do Código Penal, pelo que, não o tendo feito, deparamo-nos com uma contradição entre os factos provados e a sua qualificação jurídica, por um lado e, por outro, uma violação do disposto nos artigos 131º e 133º, do Código Penal.
I. Não existem dúvidas de que a conduta da arguida resultou de um estado de espírito motivado por receio, perturbação e forte conflito emocional. Todos os acontecimentos e provocações referidos e provados criaram na arguida um sério receio de que grande mal lhe seria provocado e que a sua vida e integridade física se encontravam ameaçados.
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No caso dos presentes autos, a arguida foi provocada, primeiro na sua propriedade (Barracão), depois na casa de seus pais e sobre ela foram proferidas ameaças, sendo o seu estado de espírito de forte receio e de grande exaltação.
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Ora estamos perante homicídio privilegiado desde que exista nexo de causalidade entre a própria emoção violenta (exaltação) e o facto de que resultou a morte da vítima.
L. No tocante aos dois crimes de ofensa à integridade física, nada justifica a aplicação da pena de prisão, quando a lei, em alternativa prevê pena de multa.
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A opção por penas privativas da liberdade, para estes dois tipos de crime, viola claramente o disposto nos artigos 70º e 71º, do Código Penal.
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Caso não seja efectuada diferente qualificação jurídica para os factos e se conclua pela autoria por parte da arguida do crime de homicídio, dever-se-á dosear a pena adequada ao crime de homicídio privilegiado.
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Por mera hipótese cautelar, caso se concluísse pela prática de homicídio simples, as circunstâncias do caso, o estado de grande exaltação da arguida, o seu comportamento anterior, a sua colaboração com a realização da justiça impunham a aplicação à arguida da pena mínima abstractamente prevista para o tipo legal de crime (artigo 131º, do Código Penal), ou seja, 8 anos.
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O acórdão recorrido viola as normas dos artigos 70º, 71º, 127º e 133º, do Código Penal e artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Exm.º Procurador-Geral Adjunto manifesta o entendimento de que: - O recurso não é admissível na parte em que a decisão recorrida se pronuncia sobre os crimes de ofensa à integridade física, atenta a moldura penal respectiva; - Não se verifica o pretenso vício do erro notório na apreciação da prova, tanto mais que o mesmo vem arguido com fundamento numa diferente e pessoal apreciação dos elementos probatórios; - Inexiste violação do princípio in dubio pro reo, violação que vem invocada, apenas, em função de uma distinta perspectiva da prova; - Os factos atinentes ao homicídio encontram-se correctamente qualificados, sendo notório que não integram crime privilegiado; - As penas mostram-se equilibradas e justas, sendo inteiramente desadequado sancionar o homicídio com a pena mínima prevista na moldura punitiva.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, após se haver pronunciado sobre a regularidade da instância, promoveu a designação de dia para julgamento.
No exame preliminar deixou-se consignado que o recurso deve ser parcialmente rejeitado, rejeição cujo conhecimento se relegou para a audiência, por razões de celeridade e de economia processual.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
Começando por delimitar o objecto do recurso, verifica-se do exame da motivação e respectivas conclusões que a recorrente submete à apreciação e conhecimento deste Supremo Tribunal as seguintes questões: - Erro notório na apreciação da prova; - Violação do princípio in dubio pro reo; - Incorrecta qualificação dos factos relativamente ao crime de homicídio; - Errada escolha da pena no que tange aos crimes de ofensa à integridade física; - Desajustada dosimetria da pena no que diz respeito ao crime de homicídio.
Questão prévia que cumpre conhecer é a da rejeição parcial do recurso.
Estabelece o artigo 420º, n.º1, do Código de Processo Penal, que o recurso deve ser rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414º, n.º 2.
Por sua vez, dispõe o n.º 2 do artigo 414º, que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação.
Conforme preceito da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º, do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º, n.º 3.
Por outro lado, de acordo com o artigo 434º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, n.ºs...
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