Acórdão nº 05P4403 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução15 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 00/04, do 1º Juízo Criminal de Barcelos, após realização de contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA , com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de um crime de maus-tratos a cônjuge previsto e punível pelo artigo 152º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal, e de um crime de violação de proibições previsto e punível pelo artigo 353º daquele diploma legal, nas penas, respectivamente, de 3 anos de prisão com execução suspensa pelo período de 5 anos e de 200 dias de multa à taxa diária de € 3.

Interpôs recurso a Digna Magistrada do Ministério Público.

Na motivação apresentada concluiu: A. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º e 71º, do Código Penal, sendo que a factualidade dada como provada e todo o circunstancialismo espácio-temporal e concreto que rodeou a prática dos factos, sua sequência, reiteração e desrespeito por anterior advertência e especial aviso do tribunal, de modo nenhum se compaginam com uma situação que justifique ou abalize um juízo de prognose favorável à actuação do arguido no futuro e à determinação da suspensão da pena.

  1. Suspensão da pena que ora se impugna, devendo consequentemente manter-se no mais a condenação do arguido nas penas fixadas e pelos crimes que lhe são imputados, naturalmente se revogando e anulando a decisão de suspensão da pena de prisão aplicada pela autoria material de um crime de maus-tratos a cônjuge. Dando-se obviamente provimento ao recurso.

O recurso foi admitido.

Na contra-motivação o arguido formulou as seguintes conclusões: 1. Muito bem decidiu o douto Tribunal recorrido quanto à suspensão da execução da pena de prisão pelo período de cinco anos.

  1. Ao contrário do alegado pelo recorrente onde refere que "se perfila de todo incorrecta, não legal e ainda de todo desajustada da factualidade provada e não compaginnável com a realidade constatada", com o que não concorda o recorrido.

    Senão vejamos 3. O arguido foi condenado no processo comum singular n.º 0000GBBCL, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, pelo crime de maus-tratos a cônjuge a 13 meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactar a sua mulher e de se manter afastado da residência desta pelo período de dois anos, no dia 17 de Junho de 2004.

  2. Ora, alguns dos factos de que o arguido veio acusado nos presentes autos foram praticados, como o Digno Agente do Ministério Público alegou, em Janeiro, Março e Maio de 2004, anteriormente à condenação referida no retro artigo, não se podendo falar de violações das medidas que serviram de base à suspensão da execução da pena de prisão.

  3. Por outro lado, na acusação pública dos presentes autos, relativamente ao crime de maus-tratos a cônjuge, o aqui recorrido, só vem acusado de ter "maltratado" a BB no dia de Janeiro de 2004, e no dia 3 de Setembro de 2004 lhe ter dado um pontapé na perna direita, não se querendo com tal "desculpar" a atitude do aqui recorrido, mas tão-somente chamar a atenção de que a acusação pública quanto ao crime de maus-tratos a cônjuge não é muito violenta.

  4. Existe caso julgado e violação do princípio ne bis in idem relativamente às situações que o casal viveu desde que se casou, porque o douto acórdão proferido nos presentes autos forma também a sua convicção e dá como provadas tais situações, situações pelas quais o aqui recorrido já tinha sido julgado e condenado no processo 0000GBBCL, ou seja, o arguido foi julgado duas vezes pelos problemas que o casal tinha no seu casamento no decurso do tempo.

  5. Na restante parte da acusação pública o arguido vem acusado de violar as medidas que lhe foram impostas no processo singular já atrás referido, concretamente, em dias dos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2004, alturas em que o aqui recorrido estava sob o efeito do álcool e queria visitar os seus filhos.

  6. O aqui recorrido aproximou-se da sua esposa, sempre quando estava sob o efeito do álcool, mas também é verdade que já se arrependeu como ficou provado no Douto Acórdão recorrido.

  7. Além do arrependimento, pediu perdão à BB e aos seus filhos e indemnizou-os até onde lhe era possível e tem trabalho assegurado, em Espanha, pelos seus antigos patrões, tendo de trabalhar para pagar o sustento se seus filhos.

  8. Conforme ficou provado no artigo 40 dos factos provados do Douto Acórdão: "As pessoas que lidam com o arguido têm-no como boas pessoa, bom trabalhador e esperto na arte de serralheiro".

  9. Refere o Digno Agente do Ministério Público que os factos dados como provados e o seu comportamento, de "modo algum se compaginam com um arrependimento que agora se apregoa (porque de todo convém!) e que de modo nenhum são desculpáveis ou minimizados por algumas vezes ter praticado os factos embriagado (…)" 12. O que se esquece é que o recorrido está sob a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação há sete meses, isto é, esteve sete meses preso, privado da sua liberdade, um direito que todo o ser humano tem e que só pode ser retirado em ultima ratio.

  10. O recorrido "teve todo o tempo do mundo" para reflectir, ver que errou e para se corrigir para viver uma nova vida, querendo ir trabalhar para Espanha, para refazer a sua vida, recomeçar de novo.

  11. Não se deve dar uma nova chance a alguém que sabe que errou e que quer se queira quer não já esteve privado da sua liberdade sete meses? 15. Resultou provado que existiu uma posterior alteração do comportamento do aqui recorrido, portanto, julga-se que a suspensão da execução da pena de prisão, pela segunda vez, constitui protecção suficiente para os bens jurídicos violados pelo arguido - neste sentido o Acórdão da RL, processo número 1087/2003-3, de 17.03.2004.

  12. "A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar" - Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 74 e ss.

  13. In casu, a pena que foi aplicada ao arguido acautela os fins de prevenção, quer gerais quer especiais, além de que, se o recorrido violar qualquer medida imposta no Douto Acórdão irá de seguida cumprir os três anos a que foi condenado.

  14. Atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, conclui-se que a ameaça da prisão e a simples censura do facto realizam de forma adequada as finalidades da punição, artigo 50º, n.º1, do Código Penal.

  15. O arguido não infringiu grosseiramente qualquer condição que existia para a suspensão da execução da pena de prisão, sendo que, a infracção grosseira de que se fala no artigo 56º, n.º1, alínea a), do Código Penal, consiste numa actuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorre, não devendo por isso ser tolerada.

  16. O arguido demonstrou arrependimento e pediu perdão à sua mulher e filhos e mais, deixou de beber, demonstrando assim que houve uma alteração do seu comportamento, justificando-se a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado.

  17. Não foram violadas nenhumas normas legais, concretamente os artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal.

  18. Pelo que, muito bem decidiu o douto Tribunal a quo.

    A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na vista que teve nos autos, consignou nada obstar ao conhecimento do recurso, tendo promovido a designação de dia para julgamento.

    Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

    Única questão colocada em recurso é a da escolha da pena relativamente ao crime de maus-tratos, entendendo a Digna Magistrada recorrente não se justificar a aplicação ao arguido de uma pena de substituição, devendo ser condenado em pena detentiva.

    Paralelamente, em momento prévio, há que apreciar, tanto mais que de conhecimento oficioso, questão suscitada pelo recorrido na contra-motivação, qual seja a da exceptio judicati relativamente a parte dos factos pelos quais foi condenado.

    O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos (1): «1.- O arguido AA e a assistente BB casaram em 10 de Dezembro de 1983, tendo desde então passado a residir no Lugar do 000 , em 000, nesta comarca de Barcelos, até 1994, e desde então, no Lugar de 000, em 000, também nesta comarca de Barcelos.

  19. - Logo após o início do casamento, e devido a problemas com a ingestão de bebidas alcoólicas em excesso por parte do arguido, o relacionamento deste com a sua esposa BB deteriorou-se.

  20. - Desde então, no interior da residência, o arguido de forma constante e repetida, pelo menos semanalmente, desferia murros e pontapés no corpo da BB, chamava-a de "puta, vaca, badalhoca, rota, estúpida" e outros nomes similares e afirmava à BB que a «ia matar».

  21. - No dia 5 de Janeiro de 2004, cerca das 20 horas e 15 minutos, no interior da residência do casal, o arguido desferiu murros na cabeça da sua esposa BB e desferiu-lhe murros no ombro direito e na mão direita.

  22. - No dia 17 de Janeiro de 2004, o arguido, sabendo que a sua esposa BB havia fugido de si para a casa do pai dela, sita no Lugar do 000, Casa da 00 em 0000, nesta comarca de Barcelos, colocou-se à porta da residência deste (seu sogro) CC, não deixando ninguém entrar nem sair.

  23. - No dia 18 de Janeiro de 2004, o arguido pregou, com pregos, as portas interiores da casa do casal, para evitar que a sua esposa ali entrasse, e mudou as fechaduras das portas de casa.

  24. - Desde então o arguido vem seguindo a sua esposa por toda a parte, perseguindo-a mesmo no local de trabalho.

  25. - O arguido diz constantemente à sua esposa que a vai matar.

  26. - No dia 21 de Março de 2004, no lugar de Moledo, em 000, nesta comarca de Barcelos, junto à Igreja, utilizando uma máquina fotográfica, o...

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