Acórdão nº 06P131 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução08 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1 1.1. AA , assistente no inquérito nº …, da .. Secção do DIAP de Lisboa, veio, nos termos dos arts. 54º e 43º e segs. do CPP, requerer a recusa do Senhor Procurador-Geral da República nesse processo, nos seguintes termos: «A - Justificação do meio processual adoptado: 1. De acordo com a norma do n.° 1 do art.º 54° do Código do Processo Penal, aplica-se aos magistrados do Ministério Público, o regime legal da recusa de juízes previsto nos artigos 43° a 41° do mesmo diploma, "com as adaptações necessárias, nomeadamente as constantes dos números seguintes" do referido artigo 54°.

  1. Simplesmente, a estrutura hierarquizada do Ministério Público e a possibilidade de intervenção, ainda que indirecta, no processo, por diversas formas, dos superiores hierárquicos do magistrado que - por exemplo - dirige o inquérito, leva a que a recusa tenha de poder, também, visar esses superiores hierárquicos, quando o comportamento destes se enquadre nos pressupostos legais.

  2. Trata-se de uma situação que não pode ocorrer no caso dos magistrados judiciais relativamente aos quais o regime legal está directamente definido e que, em consequência, rodeia de algumas dificuldades a tarefa de adaptação das normas legais aplicáveis.

  3. Estas dificuldades avolumam-se no caso, expressamente previsto na norma do n.° 2 do art.º 54° do Código do Processo Penal, em que no incidente da recusa o visado é o Procurador-Geral da República e que está regulamentado na nossa lei processual de forma notoriamente incipiente.

  4. No que toca à entidade perante o qual o pedido deve ser apresentado, não nos parece poderem subsistir dúvidas de que se deverá aplicar a solução constante da norma do artigo 45° n.º 1 b) do CPP, face à competência para o julgamento do incidente que é atribuída à Secção Criminal do STJ no art.º 54º do CPP.

  5. Dada a perfeita adaptabilidade da norma deste artigo 45° à situação presente, não pode o intérprete furtar-se ao seu cumprimento, não podendo recorrer, por analogia, ao procedimento previsto para o incidente de suspeição previsto no processo civil, já que isso significaria a violação do comando do referido n.° 1 do art.° 54º do CPP.

  6. Maiores dúvidas suscita, no presente caso, a compatibilização da solução exposta com o cumprimento da exigência legal da junção dos elementos probatórios com o pedido de recusa, como é exigido pelo n.° 1 do referido art.° 45°. do CPP.

  7. No caso, os elementos probatórios relevantes parecem ser a prova dos actos do Sr. Procurador-Geral da República praticados no âmbito do processo de inquérito em que o ora requerente é assistente e que justificam a recusa.

  8. Simplesmente o n.° 7 do artigo 86° é taxativo na enumeração dos casos em que é possível obter certidão de actos praticados no âmbito dos referidos processos de inquérito e neles não inclui a dedução do presente incidente de recusa.

  9. Está assim vedado ao requerente o recurso a quaisquer elementos constantes do processo de inquérito.

  10. Acresce que o ora requerente procurou que lhe fosse facultada certidão da determinação do Sr. Procurador-Geral da República que, em grande parte, fundamenta o presente pedido, tendo tal pedido sido recusado (doc. n.° 1).

  11. Todavia, o n.° 2 do art.º 54° do CPP é expresso em referir que o incidente é apreciado e decidido "sem obediência a formalismo especial" o que deve ser entendido compreendendo não só o formalismo processual, mas igualmente os meios de prova a produzir e os poderes dos julgadores em termos de iniciativa para obtenção da verdade material.

  12. Daqui que o requerente junte ao presente requerimento os elementos probatórios de que pode dispor, requerendo desde já que, se tal for considerado necessário, seja solicitada remessa dos elementos constantes do processo de inquérito, comprovativos dos documentos simples que o requerente pode juntar.

  13. Há, ainda, que dizer uma palavra sobre a oportunidade do presente pedido face à situação actual do processo de inquérito.

  14. Por mera coincidência, o processo de inquérito acima referenciado foi mandado arquivar por despacho da Sra. Procuradora-Adjunta da ... Secção datado de quarta-feira dia 14 de Dezembro, quando o semanário Expresso noticiara no sábado anterior dia 10 de Dezembro, que o requerente iria apresentar o presente incidente de recusa.

  15. O requerente não pode nem quer afirmar que o momento em que foi proferido o despacho de arquivamento teve algo a ver com a notícia em causa e com a tentativa de acabar com o processo antes de a recusa ser requerida.

  16. Todavia, a título de curiosidade e apenas para se ver até onde vão as coincidências, refere-se que o despacho de arquivamento foi proferido, após as 18h do referido dia 14, no mesmo dia em que o processo foi concluso à Ilustre Magistrada do MP e sem que se aguardassem as informações provindas da 6ª Secção que o Ofício recebido na véspera dizia irem ser enviadas "oportunamente" e sem que fossem realizadas diversas diligências requeridas pelo requerente fossem cumpridas - Doc. n.° 2.

  17. Quer dizer que, no mesmo dia, após as 18h o processo foi analisado, ponderada a decisão e proferido o longo despacho que se junta. Aqueles que falam em falta de produtividade da nossa justiça têm aqui o mais formal desmentido! 19. De qualquer forma, o referido despacho foi já objecto de recurso hierárquico pelo ora requerente, face às clamorosas insuficiências existentes no inquérito e que não poderiam ser devidamente supridas através da instrução - Doc. n.° 3.

  18. Simplesmente, nos termos legais, o recurso foi apresentado perante o superior hierárquico da Magistrada que proferiu despacho de arquivamento, ou seja, perante o Sr. Procurador BB, conforme resulta do disposto no art.º 278° do CPP.

  19. Com efeito, apesar da letra da lei não o prever expressamente, ninguém hoje duvida seriamente da legitimidade do assistente para interpor tal reclamação - cfr. por ex. e entre muitos o artigo do Dr. António Henriques Gaspar "Impugnações das decisões do Ministério Público no Inquérito" in "Revista do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público", n.º 49 páginas 71 e seguintes.

  20. Simplesmente, a posição de parcialidade neste processo deste Sr. Procurador é, pelo menos, idêntica à da sua subordinada, como resulta de toda a sua anterior intervenção no processo da Casa Pia, de cujo inquérito foi responsável.

  21. Assim, a reclamação interposta não só mantém a possibilidade legal da recusa, pela subsistência do processo, - ver artigo acima indicado página 76 - como reforça a sua absoluta necessidade no sentido de não permitir que na sua decisão entrem elementos que conflituam com o respeito do direito fundamental do requerido à honra e dignidade pessoal.

    B - Fundamentação do Pedido: 1. Em 31 de Dezembro de 2003, o ora requerente apresentou queixa pelo crime por denúncia caluniosa, posteriormente alargada aos crimes de depoimento falso e difamação, no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, por ter tido conhecimento - por tal ter sido amplamente noticiado pela comunicação com efeitos devastadores sobre a vida do denunciante e dos seus familiares - que, depoentes no inquérito do chamado processo Casa Pia, o haviam falsamente implicado em actos relacionados com abusos sexuais de menores .

  22. Essa queixa foi apresentada contra incertos, na medida em que estando o processo Casa Pia, nessa altura, ainda em segredo de justiça, não conhecia o ora requerente a identidade daqueles que falsamente o haviam implicado no processo.

  23. A participação foi distribuída à … Secção do Diap tendo-lhe sido dado o número …, ficando responsável pelo inquérito a Sra. Procuradora da República Dra CC.

  24. Junta-se fotocópia da referida participação crime e posterior alargamento ao crime de difamação, que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais (Doc. n.°4 e 5).

  25. Seguidamente, o ora requerente requereu a sua admissão como assistente nos autos, que veio a ser deferido, ficando a aguardar o desenvolvimento dos termos do inquérito (Doc.6).

  26. Para sua total surpresa, foi o ora requerente notificado em 20 de Dezembro do ano de 2004 que, por "determinação do S. Exa. o Conselheiro Procurador-Geral da República, proferida ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.º 68° do Estatuto do Ministério Público, o presente processo deverá ser redistribuído às Licenciadas DD e EE, Procuradoras-Adjuntas da … Secção do Diap" (Doc. n.° 7).

  27. O ora requerente nunca conheceu o exacto teor da citada determinação do Sr. Conselheiro Procurador-Geral da República, - essencial para poder ter todos os elementos para atacar o seu teor - na medida em que viu indeferidos, quer o pedido nesse sentido apresentado às Magistradas do Ministério Públicos que passaram a dirigir o inquérito, quer as reclamações hierárquicas interpostas desse primeiro indeferimento, decididas pelo Procurador da … Secção quer pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta, Coordenadora do Diap (Docs. n.°s 8 e 9) 8. Todavia, esta Ilustre Magistrada, no despacho de indeferimento - doc. n.° 9 -, rectius no despacho em que se absteve de conhecer a reclamação, embora recusando fornecer o teor completo da determinação em causa, considerou poder prestar alguns esclarecimentos sobre o respectivo conteúdo, à semelhança do que havia sido efectuado directamente pela Procuradoria-Geral da República, em relação a outros interessados que igualmente desejavam conhecer o teor integral dela.

  28. E, assim, foi esclarecido pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta, Coordenadora do DIAP que a referida determinação fundou-se: - de um lado, na indissociabilidade dos inquéritos redistribuídos com o processo designado "caso Casa Pia" em fase de julgamento e na relação de confiança que se estabeleceu entre as vítimas - muitas delas frágeis - e as magistradas a quem os inquéritos foram redistribuídos; - tendo ainda concorrido para a formação da decisão o risco de agravamento das condições psicológicas dos denunciados, pela iminência...

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