Acórdão nº 05P3789 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2006
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 01 de Março de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 407/98, do 2º Juízo Criminal da comarca de Santa Maria da Feira, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio simples previsto e punível pelos artigos 131º, 72º, n.º1 e 73º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal, e de uma contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 66º, do Regulamento Geral de Armas e 7º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 399/93, de 5 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 22/97, de 27 de Junho (redacção originária), na pena de 4 anos de prisão e na coima de € 375.
Nos termos do artigo 109º, do Código Penal, foi declarada perdida a favor do Estado a arma apreendida ao arguido e dois invólucros da mesma.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, visando o reexame da matéria de direito, no qual arguiu a nulidade do acórdão por haver sido condenado por factos diversos dos descritos na acusação e invocou ser incorrecta a qualificação jurídica dos factos provados e ser desajustada a dosimetria da pena, recurso que foi julgado improcedente.
Inconformado, recorre agora para este Supremo Tribunal, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação: 1. Resulta dos autos que o arguido ao empunhar a arma estava dominado por um estado emotivo intenso - muito nervoso e exaltado -, uma vez que tinha sido injustamente provocado pelo seu filho BB, que o levou à prática dos ilícitos.
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O arguido ao munir-se da arma e ao efectuar os disparos estava fortemente perturbado, humilhado, provocado e em estado de exaltação nervosa, num elevado grau de perturbação psicológica e mesmo de possível fúria, e que tudo era devido às situações descritas, designadamente porque tinha sido agredido pelo filho.
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Na esteira do que argumenta a doutrina e a jurisprudência, o estado de exaltação e perturbação psicológica do arguido resultou do acumular de situações que geraram um conflito interior inalterável, que durava há já bastante tempo (vide pontos 2.1.3, 2.1.15 e 2.1.16 da factualidade provada), que levou ao fenómeno do transbordamento, da descarga afectiva.
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Foi o comportamento agressivo do filho BB, com as constantes discussões e agressões perpetradas na pessoa do arguido e restantes membros do agregado familiar, que criou o tal conflito interior que o arguido não conseguiu resolver e que o levou a uma perda progressiva de forças, a um estado de emoção violenta que o dominou e o levou a empunhar a arma e a disparar na direcção onde se encontravam a esposa e o BB.
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Face ao circunstancialismo provado, está-se perante um crime de homicídio privilegiado, levado a cabo sob o impulso de grande perturbação psicológica e fúria do arguido, que lhe diminui sensivelmente a culpa.
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A conduta do arguido enquadra-se no artigo 133º, do Código Penal, a que corresponde a pena máxima de 5 anos de prisão, devendo ao arguido ser aplicada pena não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, considerando o circunstancialismo supra descrito que envolveu e motivou a conduta do arguido.
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Finalmente, as verificadas circunstâncias atenuantes, elencadas na sentença, a idade do arguido, o facto de ter prestado declarações confessando os factos, terem já decorrido cerca de 7 anos, mantendo o arguido bom comportamento, mostrando-se perfeitamente inserido na comunidade local, onde goza de enorme reputação, respeito e estima, ou seja, revela uma personalidade adaptada ao dever ser ético-jurídico, ter aguardado sempre o julgamento em liberdade provisória, cumprindo sempre as obrigações que lhe foram impostas, determinavam a atenuação especial da pena, ao abrigo do disposto no artigo 72º, do Código Penal, entendendo-se como excessiva a pena aplicada que deve fixar-se em 3 anos de prisão.
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Esta pena, tendo em conta as circunstâncias enumeradas que depõem a favor do arguido e que permitem formar um juízo de prognose favorável à sua adequação à ilicitude jurídico-criminal, fazendo a ameaça da execução da pena aliada à simples censura do facto uma adequada e suficiente cautela das finalidades da punição, deve ser suspensa na sua execução.
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O douto acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos artigos 40º, 48º, 72º, 73º, 131º e 133º, do Código Penal.
Com tais fundamentos, no provimento do recurso, pretende se revogue o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, fixando-se a pena em 3 anos de prisão suspensa na sua execução.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões: O acórdão recorrido está devidamente fundamentado, não merecendo qualquer reparo, quer quanto à subsunção jurídica efectuada, quer quanto à determinação da medida da pena concretamente aplicada ao recorrente.
Com efeito, por um lado, a factualidade provada não é susceptível de ser integrada pela norma contida no artigo 133º, do Código Penal; e, Por outro, na escolha e determinação da pena foram adoptados os critérios legalmente estabelecidos nos artigos 71º e 72º, do Código Penal, ou seja, foi levado em linha de conta a moldura penal prevista na norma infringida, o grau de ilicitude do facto e de culpa do agente, as exigências de prevenção, geral e especial, bem como todo o circunstancialismo que, de forma acentuada, é susceptível de diminuir a culpa do agente.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu sucinto parecer, consignou que o recurso não merece provimento.
O recorrente não respondeu.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
São duas as questões que o recorrente submete à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal, quais sejam a da qualificação jurídica dos factos provados e a da determinação da pena.
É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto (factos provados) (1): «7-1 O arguido e a CC eram casados um com o outro desde o dia 13/7/1957.
7-2 Desse casamento nasceram dois filhos, o DD e BB, os quais à data o factos viviam com os pais.
7-3 Entre os dois irmãos eram frequentes as discussões, sendo que a responsabilidade pelas mesmas eram atribuídas pelo arguido ao BB.
7-4 No dia 20 de Dezembro de 1998, cerca das 18 horas, no interior da residência do arguido e da família, sita no Lugar de 00000, nº 00, em ----, o DD e o BB travaram-se de razões por motivos não concretamente apurados.
7-5 Nessa altura a CC, mãe de ambos, subiu as escadas da residência e dirigiu-se ao primeiro andar da mesma casa, com vista a pôr termo à discussão que aí decorria entre os dois irmãos e durante a qual o BB já tinha partido alguns objectos que ali se encontravam.
7-6 Pouco tempo depois, e com o mesmo desiderato, subiu também o arguido munido de um pau com cerca de 70/80 cm com vista a repreender o BB; porém, usando da força, o BB retirou-lhe o referido pau, desferindo-lhe, de seguida, com ele um golpe na cabeça, provocando-lhe uma pequena escoriação, que não necessitou, todavia, de assistência médica (esta parte factual a negritos foi acrescentada após a produção de prova deste último julgamento).
7-7 Nessa altura, o arguido desceu as escadas e muniu-se da sua arma de caça, de dois canos paralelos, marca "Amadeo Rossi S.A.", com o nº R-62891, com a inscrição "Made in Brasil 12 Gauge 3", calibre 12 mm, canos pretos e coronha em madeira de cor castanha, melhor descrita e examinada a fls. 162; 7-8 De seguida, com a referida arma, já destravada e devidamente carregada com dois cartuchos - os quais se encontravam já introduzidos na mesma quando nela então...
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Acórdão nº 323/18.2PFLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2019
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