Acórdão nº 05P4399 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1. "AA", identificado nos autos, recorre do acórdão de 21.10.05, do Tribunal da Comarca de Santa Comba Dão (proc. n.º 180/02), que (para o que, agora, importa) decidiu : 'a)- Condenar o arguido como autor material da prática de um crime de violação, referido em A) dos factos provados, p.p.p no art. 164º do CP, na pena de quatro (4) anos de prisão ; b)- Condenar o arguido como autor material da prática de um crime de violação, referido em B) dos factos provados, p.p.p no art. 164º do CP, na pena de quatro (4) anos de prisão ; c)- Condenar o arguido como autor material da prática de um crime de violação, referido em C) dos factos provados, p.p.p no art. 164º do CP, na pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão ; d)- Condenar o arguido como autor material da prática de um crime de violação, referido em D) dos factos provados, p.p.p no art. 164º do CP, na pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão ; e) - Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão . (...) ' 1.1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões : 1. A douta sentença recorrida violou os artigos 30.º n.º 2, 40.º n.º 2, 71.º, 79.º, 164.º e 165.º, todos do Código Penal.

  1. Dos factos dados como provados na douta sentença aqui em crise, resulta que o arguido se aproveitou das incapacidades físicas e mentais da ofendida.

  2. Assim, o Tribunal "a quo" deveria ter aplicado a norma constante no artigo 165.° do Código Penal, Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto no artigo 165.° n.° 2 do Código Penal, e não norma que prevê o crime de violação no artigo 164.° do mesmo diploma.

  3. No entendimento do recorrente, o tribunal "a quo" interpretou erradamente a subsunção dos factos dados como provados à norma do crime de violação (artigo 164.° c. penal) quando deveria ter aplicado a norma constante do citado art. 165.º do mesmo diploma) 5. Face à factualidade apurada, nomeadamente, o nexo temporal entre as datas das alegadas praticas ilícitas do arguido, temos que a primeira situação verifica-se no mês de Agosto de 2000 e as restantes delimitam-se entre Agosto de 2000 e Setembro de 2002; 6. Existe um nexo temporal delimitado e um quadro de circunstâncias exteriores que facilitariam a reiteração das suas condutas, conforme atrás mencionado.

  4. O bem jurídico protegido é a liberdade e autodeterminação sexual, sendo que, no caso do arguido essa realização terá sido feita de uma forma essencialmente homogénea sobre a ofendida como parece indicar o próprio texto da sentença recorrida (pag. 14).

  5. O arguido deveria ter sido condenado apenas pela prática de um crime continuado de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, nos termos dos artigos 30.° n.° 2, 40.° n.° 2 e 79.° do Código Penal, com os consequentes reflexos na medida da pena que seria objectivamente inferior à aplicada pelo Tribunal "a quo" .

  6. Com o devido respeito, no caso em questão estão reunidos os requisitos do crime continuado que diminuem consideravelmente a culpa do aqui recorrente .

  7. Assim, reunidos todos os requisitos da continuação criminosa e não tendo o tribunal "a quo", considerado tal facto, no caso concreto, violou as citadas normas dos artigos 30.° n.° 2, 40.° n.° 2 e 79.° do Código Penal, 11. Se o recorrente tivesse sido condenado pelo crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência na forma continuada (ou mesmo pelo crime de violação) e não por quatro crimes violação, por certo, teria uma pena menos pesada.

  8. Neste entendimento (crime continuado) e mesmo que a norma do artigo 164.° do código Penal estivesse correcta, ao arguido não deveria ter sido aplicada pena de prisão superior a quatro anos.

  9. Por outro lado e neste contexto, o montante indemnizatório fixado a favor da ofendida, seria necessariamente mais reduzido.

    Termos em que, nos melhores de Direito e nos que doutamente suprirão, modificando a douta sentença recorrida, na parte em que foi ora alegada, e assim farão V.ªs Ex.ªs JUSTlÇA. ' 1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls. 394) 1.3 Respondeu o Ministério Público, a defender o decidido . (fls. 398 a 405) 2. Realizada a audiência, cumpre decidir .

    2.1 A matéria de facto considerada assente pelo Tribunal de Santa Comba Dão é do seguinte teor : A) 1)- Em dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2000, em casa do arguido, sita na Rua 5 de Outubro, ..., ..., Carregal do Sal, o arguido AA convidou a BB para irem buscar água a uma fonte sita na freguesia de Travanca de São Tomé, Carregal do Sal, área desta comarca, ao que aquela acedeu, por ele ser seu tio e confiar nele.

    2)- O arguido transportou então a BB no seu veículo automóvel, até à mencionada fonte, após o que, conduziu o carro para um pinhal situado ali próximo.

    3)- Após ter imobilizado o carro, o arguido disse à BB que queria ter relações sexuais com ela, utilizando a expressão "dá-me a bicha", ao que ela respondeu negativamente, tendo, ainda, referido que tinha medo de engravidar.

    4)- Seguidamente, no banco traseiro do automóvel, o arguido, valendo-se da sua superior força física e das incapacidades físicas e mentais da BB, agarrou-a, despiu-se a si e a ela e em seguida introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, aí o friccionando até ejacular.

    5)- Durante todo o lapso de tempo em que o arguido manteve a relação sexual, a BB foi sempre dizendo ao arguido que não queria.

    6)- Depois, o arguido disse à BB que lhe dava uns brincos e uma pulseira em ouro, se não dissesse nada à mãe e à tia.

    1. 7)- Em dia não concretamente apurado, mas localizado entre Agosto de 2000 e Setembro de 2002, da parte da tarde, a BB encontrava-se a regar flores no jardim da casa do arguido, sita na Rua 5 de Outubro, ..., Papízios, Carregal do Sal, tendo-lhe este dito para ir para o interior da casa, o que aquela não acedeu.

      8)- Em seguida, o arguido agarrou na BB, pegou-lhe ao colo e levou-a para o interior da residência, conduzindo-a para um quarto e deitando-a na cama, dizendo-lhe então que queria ter relações sexuais com ela, dizendo "dá-me a bicha", ao que a BB respondeu negativamente.

      9)- Acto contínuo, o arguido, valendo-se da sua superior força física e das incapacidades físicas e mentais da BB, levantou-lhe a saia, tirou-lhe as cuecas e introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, aí o friccionando até ejacular.

      10)- Após o que a BB se dirigiu à casa de banho a fim de lavar a zona da vagina, vestindo-se em seguida.

      11)- Durante o período em que o arguido manteve a relação sexual, a BB disse-lhe que não queria e gritou por ajuda, mas ninguém a ouviu, uma vez que estavam sozinhos em casa e o arguido tinha fechado as portas, janelas e persianas da habitação.

      12)- Antes de o arguido deixar a BB ir embora, disse-lhe que lhe dava objectos em ouro, se não dissesse nada a ninguém.

    2. 13)- Em dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2002, a BB encontrava-se na cozinha da sua residência, sita em Endereço-A, ..., Papízios, Carregal do Sal, área desta comarca.

      14)- A dada altura, o arguido entrou na cozinha, após o que fechou as portas da habitação, e disse à BB que queria ter relações sexuais...

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