Acórdão nº 06P99 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. AA e BB interpuseram recurso extraordinário de revisão do acórdão do acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo do 1.º Juízo do Tribunal de Cascais, (329/01.0JELSB), que condenou ambos os recorrentes, em co-autoria e como reincidentes, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, dos artigos 21.º, n.º1 e 24.º, alínea c) do DL 15/93, de 22/1, o primeiro na pena de 11 anos de prisão e a segunda, na pena de 10 anos de prisão, que a Relação de Lisboa, em recurso, baixou respectivamente para 9 e 8 anos de prisão, e posteriormente o Supremo Tribunal de Justiça, também em recurso, baixou ainda para 8 anos a pena aplicada ao recorrente AA, mantendo a fixada para a recorrente BB, ficando assim ambos os recorrentes condenados na pena de 8 (oito) anos de prisão.

    1. Concluíram assim a motivação conjunta dos recursos: I) - Os Recorrentes cumprem, actualmente pena de prisão efectiva de 8 anos, em consequência da sua condenação como co-autores reincidentes de um Crime de Tráfico Agravado de Estupefacientes (art. 24 al. e) do D.L. 15/93), no processo que correu termos no 1,° Juízo Criminal de Cascais e foi posteriormente objecto de Recursos para Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça; II) - Consideram os Recorrentes que a decisão da qual resultou a respectiva condenação está em oposição com a sentença do 4° Juízo Criminal de Cascais, proferida no processo n° 458/03.6TACSC, em que era arguido CC.

      III) - Porquanto, os dois processos pronunciam-se sobre os mesmos factos de forma contraditória, de molde a pôr em causa a justiça da condenação dos aqui Recorrentes; IV) - Já que os mesmos factos que consubstanciam as duas sentenças, na medida em que mereceram diferente interpretação por parte do Tribunal» levaram no caso dos Recorrentes à sua condenação e no caso do CC à absolvição; V) - Sendo evidente que os dois processos julgaram a mesma realidade material, embora com arguidos diferentes, de forma inconciliável e contraditória; VI) - E os factos que num processo foram considerados assentes e serviram para condenar os Recorrentes, foram considerados não provados no processo do CC; VII) - Nomeadamente, foi considerado provado, no processo em que os Recorrentes foram condenados, que o CC era a pessoa que directa ou indirectamente através de agentes, fornecia o produto estupefaciente aos Recorrentes para estes posteriormente comercializarem; VIII) - E, no processo dos Recorrentes, toda a acusação e posterior condenação foram baseadas neste facto dado por assente que o CC lhes fornecia a droga que depois estes vendiam; IX) - Enquanto no processo crime instaurado contra o CC ficou provado que este jamais vendera droga ouqualquer produto estupefaciente aos Recorrentes; X) - Assim sendo, e evidente a oposição entre os factos que sustentam ambas as decisões, até porque a verificação do Crime de Tráfico de Estupefacientes pressupõe a existência de um produto ilícito que é fornecido por alguém, no caso dos Recorrentes por CC, que outro processo iliba de toda a actividade criminosa; XI) - A contradição entre estes factos e consequentemente os julgados que fundamentam, assume carácter relevante, já que toda a acusação e condenação dos Recorrentes assenta na comercialização de um produto ilícito que é fornecido por uma pessoa (CC) que outro processo absolve da venda de produto estupefaciente aos Recorrentes; XII) - Neste pressuposto, a condenação dos Recorrentes é posta em causa, porque assente era factos considerados não-provados noutro processo, questionando-se a justiça do julgamento; XIII) - Considerando que, neste caso, é preferível pôr em causa o valor da segurança e estabilidade do caso julgado, em nome da salvaguarda da Justiça e da descoberta da verdade material; XIV) - Estando assim preenchido os pressupostos legais do art°. 449 al e) do C. P. C. para ser admitido o presente Recurso de Revisão de Sentença.

      (…) 3.

      O recurso foi admitido, tendo o Ministério Público junto do juízo da condenação oferecido a sua resposta, na qual concluiu: 1 - Não se descortina a existência de qualquer contradição entre as duas decisões, dependendo os factos provados num e noutro processo da prova produzida em audiência de julgamento.

      2 - Da decisão do 4.º Juízo Criminal não consta como provado qualquer facto inconciliável com os factos que serviram de fundamento, nos presentes autos, à condenação dos arguidos.

      3 - Assim, do confronto das duas decisões não resulta qualquer grave dúvida sobre a justiça da condenação.

      4 - Pelo que não existe fundamento para que se proceda a recurso de revisão nos termos do art. 449, n.º 1, alínea c) do CPP.

    2. Na informação a que alude o art. 454.º do CPP, o juiz do processo limitou-se a concordar com a posição do Ministério Público.

    3. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público acompanhou aquela resposta, acrescentando algumas considerações complementares, tudo no sentido da recusa da pedida revisão.

    4. Colhidos os vistos nos termos do art. 455.º do CPP, o processo veio para conferência para decisão.

  2. FUNDAMENTAÇÃO 7. Factos em que assentou a decisão condenatória.

    1. 1. Factos provados: A) DD vivia com uma filha de AA e BB e daí a ligação entre eles e entre este casal e EE, irmão de DD. FF conheceu AA por terem cumprido penas juntos em estabelecimentos prisionais portugueses. FF conhecia DD mercê da ligação familiar deste com AA e BB.

      B) Em Setembro ou Outubro de 2001, GG e HH conheceram-se e interessaram-se reciprocamente pelas respectivas actividades no âmbito da venda de drogas, designadamente a compra e revenda de cannabis sob a forma de pólen de haxixe. Abordaram o assunto e passaram a dedicar-se em conjunto à respectiva compra, guarda e revenda: GG passou a entregar a HH várias quantidades dessa substância, e este passou a guardá-las na sua casa sita em Azenhas do Mar, Colares, Sintra.

      C) Por volta do dia 05.12.2001, AA e sua mulher BB [deslocaram-se a local não apurado e] receberam 4 amostras de resina de cannabis [resina separada, em bruto ou purificada, obtida a partir da espécie botânica Cannabis sativa L., vulgarmente conhecida como haxixe, produto vegetal prensado composto por um triturado de sumidades secas floridas ou frutificadas do pé fêmea da referida planta ao qual serve de ligante a resina da própria planta] que lhe foram entregues por CC.

      Trouxeram-nas para a zona de Cascais e entregaram-nas a FF para este sondar o mercado a fim de apurar qual das quatro tinha melhor aceitação entre os consumidores dessa substância. Essas amostras apresentavam marcas de fabricante, em baixo relevo impresso na sua massa. Pelas características dos desenhos desses sinais, AA e FF passaram a referir-se-lhes como "Renault", "Folha", "nº 1" e nomes semelhantes, pois uma das amostras de haxixe apresentava a marca do seu fabricante em formato de losango semelhante ao logótipo da referida marca de automóveis; outra apresentava o número 1 (fls. 143) e outra dessa apresentava uma marca em formato de folha de árvore. Este tipo de denominação do haxixe, nas conversas havidas entre compradores e vendedores, em função dos símbolos apostos pelos respectivos produtores, é comum aos diversos arguidos, podendo ver-se a fls. 813 "sabonetes" que apresentam símbolos tais como "7", "OK" ou "Peixe".

      D, E, F e G) No dia 10 ou 11 de Dezembro de 2001, no stand de venda de carros de que dispunham em Chelas, Lisboa, AA e BB intermediaram uma venda de larga quantidade de haxixe a ter lugar entre DD, no seu meio conhecido por DD e que actuava como "empregado" de CC, e FF, este como comprador: DD encontrou-se no stand dos arguidos AA e BB com FF e aí propôs-lhe que lhe comprasse haxixe que disse ser trazido de Marrocos, na quantidade de 236 quilogramas e ao custo de 155.000$ (€ 773,13) cada quilo, o que perfaria a totalidade de 36.580.000$ (€ 182.460,27). Como contraproposta, FF propôs-se comprar 100 kg e pagar apenas depois de ter procedido à revenda da substância. As negociações prolongaram-se ao longo dos dias seguintes, pessoalmente e por telemóvel. A entrega esteve inicialmente marcada para um armazém de que FF dispunha em Galinheiras, Lisboa, mas esse plano foi depois alterado, tendo-se planeado que as conversações e a entrega decorreriam numa das ruas do Estoril. Em preparação da entrega do carregamento de droga, tiveram lugar diversos encontros e várias reuniões entre diversos arguidos: No dia 11.12.2001, até às 19:40, FF reuniu-se com AA e BB no stand de venda de carros que estes exploravam na Rua Luís Cristino, em Lisboa. Pelas 20:19, FF chegou ao seu armazém de Galinheiras para receber a droga, mas a entrega foi adiada. No dia 12.12.2001, mais uma vez, pelas 10:27, FF aprestou-se a receber o carregamento de drogas numa sua garagem, o que não veio a ter lugar. Depois, pelas 12:32, FF e GG reuniram-se, no carro "Mercedes Benz" ....., no parque de estacionamento do supermercado "Intermarché" de Póvoa de Stª Iria. E, depois, reuniram-se no mesmo dia e no mesmo local, pelas 13:03.

      O carregamento seria entregue a FF por GG, este trabalhando para CC. Para...

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