Acórdão nº 05P3457 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2005
Magistrado Responsável | PEREIRA MADEIRA |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
No processo comum colectivo nº .../01.4GCCLD, do ...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha, foi submetido a julgamento o arguido AA, acusado, pelo Ministério Público, da prática de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s. 172º, nº 2 e 177º, nº 1, al. a), do C. Penal.
Contra o arguido, foi formulado pela assistente BB na qualidade de representante legal do seu filho menor CC, pedido cível de indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 25.000, 00.
Realizado o julgamento, foi decidido: - Absolver o arguido da prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s. 172º, nº 2 e 177º, nº 1, al. a), do C. Penal.
- Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.s. 172º, nº 2 e 177º, nº 1, al. a), do C. Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido, condenando o arguido/demandado a pagar a BB na qualidade de representante legal do seu filho menor CC, a quantia de € 25.000, 00, a título de reparação por danos não patrimoniais.
Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso para Relação de Lisboa o Ministério Público e o arguido, o primeiro pedindo a agravação da pena para oito anos de prisão e o segundo, além de impugnar a matéria de facto que, a seu ver, deveria conduzir à absolvição, impetra, a não ser assim a redução da pena para próximo do «limite mínimo», além de que a indemnização fixada não deveria ultrapassar os €15.000.
Mas aquele tribunal superior, por acórdão de 16/6/2005, negou provimento a ambos os recursos.
De novo irresignado, recorre agora ao Supremo Tribunal de Justiça o arguido traçando deste jeito conclusivo o objecto do recurso [transcrição]: 1. O Tribunal da Relação, ao decidir como decidiu, nos termos constantes do douto acórdão, pugnando pela manutenção da decisão de 1.ª instância, violou assim o disposto nos artigos 40.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º do Código Penal.
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Na determinação da medida da pena à face dos parâmetros legais, a mesma é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, intervindo ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, agravam ou atenuam a responsabilidade penal, nos termos do art.º 71.º, n.º 1 e 2, do C.P.; por seu turno os fins das penas visam a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente.
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A culpa é o juízo de censura dirigido ao agente do crime pelo mau uso que fez do seu livre arbítrio, no sentido de que podia e devia dirigir a sua conduta no sentido do lícito.
A personalidade é o mais idóneo substracto a que pode ligar-se a culpa no sentido jurídico-penal acabado de transcrever.
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Para além desta regra geral para determinação da medida da pena, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, temos ainda que atender aos concretos factores da medida da pena, constantes do elenco não exaustivo, do n.º 2 do art.º 71.º do C.P. e ainda as constantes do art.º 72.º do mesmo Código.
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O acórdão recorrido na parte que ora se recorre, limitou-se à apreciação da decisão da 1.ª instância, não apreciando nem se pronunciou sobre a alegação do recorrente, designadamente no tocante ao decurso do tempo sobre a data da prática dos factos e a presente data, factor este que pode funcionar como atenuação especial em favor do ora recorrente.
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Entre a data da prática dos factos de que foi condenado, isto é, 9 de Setembro de 2001, até à do acórdão, perfaz cerca de 3 anos, mantendo-se o agente, em liberdade e de boa conduta, que se traduziu, quer no cumprimento das medidas de coacção e demais limitações impostas, quer ainda pela inexistência de quaisquer comportamentos censuráveis pela lei.
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É certo que entendeu o Tribunal recorrido que é elevado o grau de ilicitude da conduta praticada e intenso se apresenta o dolo (dolo directo) que presidiu à sua conduta.
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Também é certo que o recorrente não prestou declarações em julgamento sobre os factos de que foi condenado, sendo o direito ao silêncio um direito que lhe assiste, que não pode ser utilizado em seu desfavor, ou ser o recorrente "punido" e censurado pelo exercício de um direito que lhe assiste.
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Tal não legitima no entanto a concluir, e salvo o devido respeito pelo acórdão recorrido, que não tenha havido arrependimento do arguido, até porque atenta a natureza do crime em causa, e o pudor social inerente a este tipo de crimes, gerou no recorrente um certo mal estar e até mesmo vergonha de falar no mesmo.
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Havia ainda que atender ao facto de o recorrente ser uma pessoa humilde, proveniente de um meio rural, tenso apenas o 4.º ano de escolaridade, e ainda o facto de que, desde que saiu do Estabelecimento Prisional onde esteve detido preventivamente se encontra a trabalhar, encontrando-se inserido e tendo sido aceite na sociedade.
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Ora a pena em si, qualquer que ela seja, visa desde logo a protecção de bens jurídicos, mas tem também em vista a reinserção do agente na sociedade e não a sua exclusão.
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Aplicar ao recorrente uma pena de prisão efectiva de 6 anos e 6 meses de prisão, se por um lado preenche o fim da prevenção geral, por outro lado prejudica a outra finalidade das penas - a de prevenção geral (sic) - pondo em causa uma futura e eficaz reinserção do sujeito na sociedade, frustrando assim o objectivo decorrente da aplicação das penas num estado social e democrático de direito.
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Pelo que se entende que a pena aplicada é desajustada, devendo a mesma ser reduzida, e situar-se mais próximo do limite mínimo legal.
Respondeu a assistente em defesa do julgado.
Subidos os autos, manifestou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto promovendo a remessa dos autos para julgamento.
A única questão a decidir prende-se com a medida concreta da pena que o recorrente quer ver situada próximo do «mínimo legal», além do quantum indemnizatório fixado.
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Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
Vejamos os factos provados O arguido AA, nascido a 20/10/1972, casou em 4 de Junho de 1997, com DD, a qual é irmã de BB.
A BB ficou viúva de EE em 27/11/1999 e tem dois filhos, o FF, com 15 anos de idade e o CC, nascido em 25/08/1994, sendo aquela a responsável pelos cuidados, saúde e educação destes.
A mesma trabalha como ajudante de lar na Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã, auferindo, mensalmente, cerca de € 450 e realizando turnos de fim-de-semana, noites e horas extraordinárias.
Após ter ficado viúva e atenta as suas dificuldades económicas, a assistente, juntamente com os seus filhos, foram viver para casa dos seus pais, sita na Rua ..., nº 1, lugar e freguesia de M..., concelho da Lourinhã.
Quase todos os fins-de-semana, o arguido, a esposa e a filha de ambos (a GG, nascida em 22/10/2000), deslocavam-se a M..., na Lourinhã, onde vivem a BB, os seus pais e os seus filhos, sendo que, antes do nascimento da sua filha, o arguido e a esposa, igualmente, ali se deslocavam.
Enquanto a esposa convivia com os familiares, o arguido costumava ausentar-se para as praias dos concelhos da Lourinhã, Peniche e Óbidos, onde habitualmente pescava à linha.
Atendendo à relação de afinidade de confiança que se havia estabelecido entre o arguido e os seus sobrinhos menores, o FF e o CC, aquele passou a levá-los consigo para a praia, quando ia pescar.
Assim, os menores passaram a acompanhar o tio, ora arguido, quer à praia, quer aos cafés da localidade, sendo que, passado algum tempo, o FF deixou de acompanhar o tio e o irmão, passando, assim, o arguido apenas a levar para a praia o seu sobrinho CC.
No dia 9 de Setembro de 2001, na sequência do já referido em 4° a 7° supra, o arguido AA levou o CC, na altura com 7 anos de idade, para a praia do "Rio Cortiço", sita no concelho de Óbidos, área da comarca de Caldas da Rainha.
Ali chegados, já na areia, despiram-se ambos e foram tomar banho e dar algumas corridas, entrando e saindo da água várias vezes.
Por cerca das 17 horas, dirigiram-se para uma zona da praia protegida por uma rocha e fora dos olhares e alcance da vista de quem estivesse no areal.
Encontrando-se o menor CC deitado de costas na areia, e estando o arguido por cima do peito do menor, para este virado, com as pernas abertas e de joelhos fixados na areia, com o pénis em erecção, introduziu-o na boca do menor, seu sobrinho, estabelecendo uma relação de coito oral.
Tal foi presenciado por HH e II, os quais passavam por cima da arriba, sendo que, ao observarem o constante em 11° supra, começaram a gritar e o II atirou umas pedras para o areal (sem que as mesmas tenham atingido alguém), com o objectivo de dissuadirem o arguido de prosseguir com aquela conduta.
O menor, apercebendo-se da presença daqueles comunicou tal ao arguido e, sem que este tivesse virado a cara para cima, ambos vestiram os calções de banho e, correndo, dirigiram-se para o local onde se encontrava estacionado o veiculo automóvel do arguido (na parte de cima da arriba), da marca "Fiat", modelo "Palio Weekend", com o número de matricula ..., de cor azul escuro, cuja propriedade se encontrava registada em nome do arguido, sendo tal veiculo por este utilizado no seu dia-a-dia.
Apercebendo-se que as pessoas que os tinham visto na praia também já se encontravam perto de tal local - para onde haviam corrido com o objectivo de verem qual era o veiculo do arguido - este e o menor...
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