Acórdão nº 05B2490 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução20 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "Empresa-A" instaurou, no Tribunal Judicial de Santarém, acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 126.000.000$00, acrescida de juros de mora, desde a data da citação e ainda na quantia que se liquidar em execução de sentença.

Para tanto alegou que: - a Repartição de Finanças de Santarém, no âmbito de um processo de execução fiscal, penhorou um prédio urbano de que era proprietária o qual, em venda por propostas em carta fechada, foi adjudicado a AA; - a pedido deste, foi pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém deferida a entrega daquele prédio, decisão de que a autora interpôs recurso, a que foi atribuído efeito devolutivo; - o Tribunal Central Administrativo declarou incompetente em razão da matéria aquele Tribunal Tributário para conhecer daquela pretensão do referido AA, o que gera a ilegalidade da sentença do Tribunal Tributário; - não fora a sentença do Tribunal Tributário, o autor poderia ter invocado o direito de retenção com fundamento em benfeitorias e utilizado o processo previsto no artigo 929º do C.Proc.Civil; - a execução da referida sentença causou-lhe prejuízos de 126.000.000$00, correspondentes a benfeitorias que havia feito no prédio, perda do direito ao respectivo trespasse , bem como à cessação da sua actividade comercial e do recebimento de rendas pelo arrendamento de um pavilhão do mesmo prédio.

Citado, o Estado contestou, através do M° P°, excepcionando a prescrição do alegado crédito e impugnando a materialidade alegada pela autora,.

Em réplica, a autora defendeu o indeferimento da invocada excepção.

Exarado despacho saneador, julgada improcedente a excepção, foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos.

Efectuado julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, foi proferida sentença a absolver o réu Estado Português do pedido.

Inconformada apelou a autora, sem êxito embora, porquanto o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 3 de Março de 2005, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Interpuseram, então, os réus recurso de revista, pugnando pelo respectivo provimento.

Contra-alegando defende o recorrido a justeza do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 668°, 1, d), do C.Proc.Civil, na medida em que não aprecia e decide todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, mormente as conclusões número 1, 2, 3 e 7.

  1. A decisão do Tribunal Tributário é ilegal, na medida em que foi proferida com violação das normas legais relativas à competência dos Tribunais em razão da matéria: aquele Tribunal não decidiu no uso de um poder legalmente conferido, mas sim abusando dos seus poderes, a despeito das limitações legais impostas.

  2. Ao assim não considerar, o Tribunal a quo não interpretou nem aplicou devidamente as normas legais pertinentes, nomeadamente os artigos 101º e 103° do Código de Processo Civil, e decidiu em violação do artigo 22° da Constituição Portuguesa.

  3. A interpretação e aplicação daquelas normas processuais, tal como constam do acórdão recorrido, implica a respectiva inconstitucionalidade por violação do artigo 22° da Constituição da República Portuguesa.

  4. O acórdão recorrido deveria ter interpretado e aplicado o conceito de culpa em causa no artigo 487° do Código Civil, no sentido de o considerar verificado, uma vez que um Tribunal Tributário que se considera competente para apreciar um pedido de entrega judicial de coisa decide contra a lei, acarreta o funcionamento anormal dos órgãos judiciais e denota desconhecimento do Direito.

  5. Os danos sofridos pela recorrente estão demonstrados nos autos, conforme factos provados n°s 13 a 18. Existe pois uma errada valoração e subsunção dos factos provados às normas jurídicas aplicáveis.

  6. A posição da recorrente enquanto possuidora e locadora manteve-se até à execução ilegal, louvada numa sentença incompetente, sendo certo que até essa data a recorrente gozava das protecções que lhe são conferidas pelos artigos 1273° do Código Civil e 929° do Código de Processo Civil.

  7. O prejuízo da recorrente traduziu-se no valor do imóvel acrescido do valor das benfeitorias e do trespasse, subtraído o valor das dívidas, e inclui ainda a perda de clientes e encomendas, bem como do respectivo aviamento comercial. Existem, portanto, factos provados que impõem uma decisão diversa da recorrida, no sentido da real verificação de danos.

  8. Estão, pois, verificados todos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar por parte do Estado, a título de responsabilidade civil extracontratual.

São os seguintes os factos que vêm dados por provados: i) - na Repartição de Finanças de Santarém correu termos contra a autora o processo de execução fiscal n.° 93/101191.0; ii) - nesse processo foi penhorado o prédio urbano pertencente à autora, inscrito na matriz sob o art. 1833º, da freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o n° 603/210391, sito em Rego dos Mansos, composto por edifício de rés-do-chão, destinado a fábrica de móveis, com dois compartimentos para arrecadações com 123 m2 e 18 m2 e uma secção de pavimento intermédio para escritórios, recepção, sanitários e vestiários, com a área coberta de 1.052 m2 e logradouro com 4.900 m2 confrontando de Norte com BB, Sul com CC, Nascente com Estrada e Poente com Herdeiros de Santa Marta; iii) - este prédio foi adjudicado a AA, por proposta em carta fechada; iv) - foi emitido o título de adjudicação a favor do comprador, depois de satisfeito o pagamento do preço e encargos legais; v) - por apenso àquele processo de execução fiscal, o comprador requereu ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém a entrega judicial do bem adjudicado, alegando que essa entrega não se mostrava efectuada pela executada, aqui autora, e pelo fiel depositário; vi) - por sentença proferida no dia 25 de Novembro de 1996, no processo n° 4/96, do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém, foi ordenada, além do mais, a efectiva entrega do prédio ao comprador, ficando o Chefe da Repartição de Finanças de Santarém mandatado para requerer o auxílio da força policial e proceder ao arrombamento e demais diligências necessárias ao efectivo empossamento daquele bem; vii) - a autora, em 10 de Dezembro de 1996, ao abrigo do disposto nos arts. 667° e 669° al. a) do Código de Processo Civil, requereu a rectificação de erro material e a aclaração da sentença; viii) - tendo sido os autos conclusos, foi proferido, em 12/12/1996, despacho do seguinte teor: "Nada a esclarecer, que não conste do texto da decisão"; ix) a autora recorreu da sentença referida em vi); x) - o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, datado de 9 de Dezembro de 1997, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado no processo n° 4/96; xi) no dia 6 de Janeiro de 1997, a autora foi desapossada do seu prédio, em cumprimento da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Santarém, de 25 de Novembro de 1996, tendo sido lavrado o respectivo auto de arrombamento; xii) - até à data em que foi efectuada a venda a que se alude em iii), as dívidas da autora quer à Administração Fiscal, quer a outras entidades, ascendia a 219.082,51 Euros (43.922.099$00); xiii) - posteriormente à aquisição do prédio identificado em ii), a autora edificou nele três pavilhões industriais destinados a carpintaria e indústria de móveis, sendo um com a área coberta de 1.000 m2 e cada um dos outros com a área coberta de 500 m2; xiv) - a autora levou a efeito terraplanagens e fundações, empregando betão armado e alvenaria, colocou pavimentos e cobertura novos, no que gastou 274.340,00 Euros (55.000.000$00); xv) a autora equipou os pavilhões com equipamentos de ar comprimido e instalações de aspiração com os respectivos motores, no valor de 49.879,79 Euros (10.000.000$00); xvi) a autora dotou os pavilhões de sistemas novos de instalação eléctrica, água, esgotos e telefone, no que gastou mais de 4.987,98 Euros (1.000.000$00); xvii) as referidas obras, instalações e equipamentos não podem ser separados do imóvel sem se deteriorarem e valorizaram o prédio em valor idêntico à quantia despendida na sua realização; xviii) - a autora tinha arrendado à firma "Empresa-B" um pavilhão com máquinas de carpintaria pela renda mensal de 498,80 Euros (100.000$00); xxix) - após a venda referida em iii), a autora não mais recebeu as rendas; xx) - após a venda referida em iii), a autora ficou privada das suas instalações fabris e viu-se compelida a cessar a sua actividade; xxi) após a venda referida em iii), a autora perdeu os seus clientes habituais e potenciais, nomeadamente as firmas "Empresa-C", "Empresa-D", "Empresa-E" e "Empresa-F"; xxii) - à data da venda referida em iii), a autora tinha encomendas em carteira de móveis de cozinha, feitas pela firmas "Empresa-E" e "Empresa-C", as quais não pôde satisfazer; xxiii) - a autora desenvolvia a indústria de fabrico...

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