Acórdão nº 04P3237 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução27 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No processo comum colectivo nº 98/99, da Vara Mista de Braga, as arguidas AA, BB e CC, identificadas no processo, foram acusadas pelo M.° P.° da prática, em co-autoria material, de um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223°, n.° l e 3 alínea a), por referência ao art. 204º, n.° 2, alínea a) do Código Penal; e a AA, ainda, em autoria material e concurso efectivo de infracções, de outro crime de extorsão, p. e p. pelo art.° 223°, n.° l e 3, alínea a) do Código Penal.

Na sequência do julgamento, as arguidas, além do mais, foram condenadas: a arguida BB e CC, pelo crime de extorsão do art. 223º, n.° l e n.° 3 do Código Penal, numa pena de 3 (três) anos e meio de prisão para cada uma; e a arguida AA numa pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática do mesmo crime; a arguida AA pela prática de um crime consumado de burla agravada p. e p. pela alínea a) do n.° 2 do art. 218º do Código Penal, atenta a alteração constante da acta de julgamento, numa pena de 3 (três) anos de prisão; em cúmulo jurídico das penas referidas, nos termos do art. 77º do Código Penal, foi a arguida AA condenada na pena única de prisão de 6 (seis) anos e meio de prisão.

Não se conformando com a decisão, as arguidas recorreram para o tribunal da Relação que, todavia, negou provimento aos recursos, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

  1. As arguidas recorrem agora para o Supremo Tribunal, como os fundamentos constantes da motivação, que terminam com a formulação da seguintes conclusões: 1ª. O acórdão impugnado é recorrível, não obstante ter confirmado a decisão da primeira instância, que aplicou às arguidas uma pena de prisão inferior a oito anos, porquanto o crime de extorsão imputado às recorrentes é punível com pena de prisão superior a oito anos.

    1. O entendimento de que tal decisão é irrecorrível, por não ter sido aplicada em concreto pena superior a oito anos de prisão e estarmos (se estivermos) perante um recurso interposto apenas pela defesa, implica uma interpretação inconstitucional das normas conjugas da alínea f), n° 1, do art° 400° e art° 409° CPP, por ofensa dos princípios da igualdade de armas e do direito ao recurso decorrentes do n° l do art° 32° CRP.

    2. O acervo de facto provados não permite condenar as arguidas pelo crime de extorsão, porquanto os ofendidos não praticaram nenhum acto de disposição patrimonial e, por conseguinte, não está preenchido um dos elementos da triplicidade.

    3. O prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido DD não resultou da entrega da quantia de 30.000 contos à recorrente AA, feita a título devolutivo e mediante o compromisso da sua restituição, condição sem a qual a entrega não teria sido feita.

    4. Esse prejuízo e o correlativo enriquecimento da Recorrente AA resultam, antes, da apropriação abusiva por esta dessa quantia e da inversão do respectivo título de posse.

    5. Ficaram, assim, preenchidos os elementos do tipo legal de crime do abuso de confiança p. e p. pelo art° 205° n° l, alínea b) do Código Penal, e não os do crime de extorsão p. e p. pela alínea a) ao n° 3 do art° 223° do Código Penal, preceitos que foram, portanto, desrespeitados pelo acórdão em mérito 7ª. A factualidade assente não permite condenar as recorrentes BB e CC por esse crime, pelo que dele devem ser absolvidas ou, quando menos, devem elas ser condenadas a título de cumplicidade.

    6. A pena a aplicar em concreto à recorrente AA não deverá, nestas circunstâncias, ser superior a dezoito meses de prisão.

    Pede, em consequência, a revogação do acórdão recorrido.

    O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, desenvolvendo os fundamentos da sua concordância com a decisão recorrida.

  2. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416º do Código de Processo Penal, considera que nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

    Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações.

    Nas alegações, o Exmº Procurador-Geral manifestou dúvidas sobre a configuração do modus operandi, e exprimiu algumas reticências sobre o nexo de causalidade entre a ameaça e o resultado.

    Cumpre apreciar e decidir.

    As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

    1. A arguida AA é agente da PSP, exercendo actualmente funções no Comando Distrital de Braga.

    2. A arguida BB não tem actividade profissional estável e com carácter regular, dedicando-se fundamentalmente à venda ambulante de porta em porta de artigos têxteis.

    3. A arguida CC, na altura dos factos, explorava um estabelecimento de restauração, sito na Rua António Marinho, nesta cidade, denominado "Retiro da Cidade".

    4. As arguidas apesar de se terem conhecido entre si pelo menos desde 1998, rapidamente forjaram entre si uma amizade e cumplicidade, que quase pareciam amigas de infância.

    5. Nessa medida, durante os períodos de descanso, saíam muitas vezes em conjunto, frequentando juntas cafés, bares, salões de beleza, cabeleireiros e festas.

    6. Quando a arguida AA foi colocada no Comando da PSP desta cidade (por volta do ano de 1994/5), conheceu através da testemunha EE o ofendido DD, pessoa com a qual manteve até à ocorrência dos factos aqui em apreço, um relacionamento normal.

    7. No ano de 1999, por altura do início do Verão, a arguida AA num dos contactos com o ofendido DD (que sabia que saía muitas vezes acompanhado dos ofendidos FF e GG), sugeriu-lhe que tinha umas "amigas" e que seria óptimo saírem todos juntos para se divertirem (referindo-se às co-arguidas CC e BB).

    8. Rapidamente se combinou o primeiro encontro o qual veio a ocorrer em dia não suficientemente determinado do mês de Julho de 1999.

    9. Os assistentes DD e FF e o ofendido GG, eram todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição sócio-económica, tendo, apesar disso, aceitado a perspectiva de uns encontros "amorosos" ocasionais com as arguidas.

    10. Tal como havia combinado com o ofendido DD, em dia não suficientemente apurado do início do mês de Julho de 1999, a arguida AA, acompanhada das amigas e aqui co-arguidas BB e CC, à hora estipulada compareceu junto do Club de Caçadores de Braga (nas traseiras do estádio 1° de Maio, nesta cidade), onde já as aguardavam os ofendidos A. DD, FF e GG, e tal como haviam acordado dirigiram-se...

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