Acórdão nº 04P136 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2004
Magistrado Responsável | HENRIQUES GASPAR |
Data da Resolução | 31 de Março de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo, foram submetidos a julgamento, no processo n.º 18/02-9PAAMD, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, os arguidos AA e BB, com os sinais dos autos.
Foram absolvidos de um crime de rapto, p. e p. pelo artº. 160º, nº. 1, al. b), do C.Penal, e de dois crimes de violação agravada, p. e p. pelos arºs. 164º, nº. 1 e 177º, nº. 3, ambos do mesmo diploma, por que vinham pronunciados.
Foram condenados, o arguido AA, como autor material e, em concurso real, de um crime de violação p. e p. pelo artº. 164º, nº. 1, do C.P., um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 163º, nº. 1 e 177º, nº. 3, este último com referência ao artº. 144º, nº. 1, al. b), todos do C.P., e um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artº. 200º, nºs. 1 e 2, do C.P., nas penas respectivas de 5 (cinco) anos de prisão, 8 (oito) anos de prisão e 1 (um) ano de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 11 (onze) anos de prisão; o BB, em concurso real, como cúmplice de um crime de violação, p. e p. pelo artº. 164º, nº. 1, 27º, nº. 2 e 73º, nº. 1, als. a) e b), todos do C.P., e de um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 163º, nº. 1 e 177º, nº. 3, este último com referência ao artº. 144º, nº. 1, al. b), 27º, nº. 2 e 73º, nº. 1, als. a) e b), todos do C.P. e, como autor material, de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artº. 200º, nºs. 1 e 2, do C.P., nas penas respectivas de 3 (três) anos de prisão, 5 (cinco) anos de prisão e 1 (um) ano de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena unitária de 7 (sete) anos de prisão.
Mais foram condenados no pagamento solidário à demandante, CC, da quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização, por danos não patrimoniais e no montante que se vier a fixar em decisão ulterior, a título de indemnização por danos futuros, nos termos do disposto no artº. 564º, nº. 2, parte final, do C.Civil, referentes a despesas com as intervenções cirúrgicas a que a demandante venha a submeter-se para reconstrução do trânsito intestinal e a danos morais que venha a suportar, em consequência, desse tratamento.
Inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão do Colectivo.
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De novo inconformado com o decidido, o arguido BB, recorre para este Supremo Tribunal, terminando a motivação que apresentou coma formulação das seguintes conclusões 1. A decisão de um órgão de soberania deve ser expressa em consonância com o princípio da justiça em nome do Povo e para o Povo - art. 202º, 1 da CRP; 2. As penas visam a reintegração do agente na sociedade - art. 40, 1 do CP - É inviável ressocializar com pena excessiva; 3. A pena de sete anos excede a medida da culpa; sete anos por factos com pouca gravidade, nos quais o recorrente escassa intervenção teve. É uma pena desajustada ao caso sub judice, e é manifestamente excessiva; 4. O quantum adequado será de 4 anos de prisão, ou a medida que o Supremo considerar mais justa e razoável; 5. Foram violados os arts. 202º e 205º da Lei Fundamental e o art. 40º do CP, Pede. assim, que seja concedido provimento ao recurso, reduzindo a pena para 4 anos.
O M.º P.º junto do Tribunal da Relação, pronunciou-se pela improcedência do recurso, 3. Neste Supremo Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, cumprindo apreciar e decidir.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos, não alterados pelo Tribunal da Relação: a) No dia 20 de Janeiro de 2002, cerca das 23:00, a ofendida CC deslocou-se ao «... Bar», sito na Avenida do Brasil, ..., em Amadora, local próximo da sua casa; b) Aí se deslocaram também os arguidos e alguns amigos que, além de consumirem bebidas alcoólicas, entabularam conversa com a ofendida, estando esta sentada a uma mesa com DD; c) A ofendida e o arguido AA conheciam-se desde há alguns anos; d) No decurso da conversa que manteve com a ofendida, o arguido AA convidou-a para ir "tomar um copo" a outro lado, tendo a ofendida aceite o convite e acabando este por ser extensivo também ao arguido BB; e) Na ocasião, a ofendida encontrava-se sob o efeito da ingestão de bebidas alcoólicas, apercebendo-se os arguidos do seu estado; f) Nessa sequência, entre a 01:00 horas e as 01:30 horas, a ofendida e os arguidos saíram do estabelecimento «... Bar» e dirigiram-se ao veículo automóvel, marca Opel, modelo Kadett, matrícula QE, pertencente ao arguido AA, onde entraram; g) No veículo, a ofendida sentou-se no banco traseiro, o arguido AA ao volante e o arguido BB ao lado deste; h) Desde logo, os arguidos formularam o propósito de manterem com a ofendida relações sexuais; i) O arguido AA conduziu o veículo em direcção à Margem Sul, tendo vindo a estacioná-lo na mata próxima do Miradouro dos Capuchos, na Costa da Caparica, área desta comarca.
j) Durante o percurso, o arguido BB passou para o banco de trás do veículo, onde apalpou o corpo da ofendida e beijou-a; k) Já na mata dos Capuchos, e no interior daquele veículo, os arguidos mantiveram alternadamente relações de cópula completa vaginal, fazendo-o primeiro o arguido BB e por último o arguido AA; l) Efectivamente, cada um dos arguidos introduziu na vagina da ofendida o seu pénis, erecto, aí tendo ejaculado.
m) O arguido AA manteve, ainda, com a ofendida, contra a vontade desta e fazendo uso da sua superioridade física, para a imobilizar, enquanto a mesma se debatia, relações de coito anal, introduzindo no ânus da ofendida o seu pénis erecto, friccionado-o; n) De igual modo o arguido AA introduziu no ânus da ofendida, contra a vontade desta e fazendo uso da sua superioridade física, para a imobilizar, enquanto a mesma se debatia, um objecto perfuro contudente de características não apuradas; o) Enquanto o arguido AA mantinha com a ofendida as relações de coito anal e quando lhe introduziu no ânus objecto não apurado, o arguido BB, não obstante ter constatado a oposição manifestada pela ofendida, que se debatia e exteriorizava as dores que sentia, manteve-se junto deles e, deliberadamente, nada fez para impedir que o arguido AA concretizasse esses actos; p) Após tais actos sexuais, os arguidos vestiram a ofendida, que se encontrava semi-inconsciente e sangrava abundantemente da vagina e ânus e, ao invés de a levarem a um hospital, transportaram-na de volta à Amadora, para casa, onde chegados, cerca das 4:30 horas, tocaram à campainha e tendo-lhes sido aberta a porta da entrada do prédio, largaram a ofendida no chão, no átrio do prédio, indiferentes à sua sorte.
q) A ofendida sofreu várias lesões, designadamente, edema marcado dos grandes lábios, fortemente equimótico, equimoses arroxeados dos pequenos lábios, fúrcula, introito e paredes vaginais, laceração da parede vaginal, área equimótica arroxeada interessando todo o períneo e região peri-anal, com diâmetro aproximado de 10 em, edema marcado da mucosa ano-rectal, fortemente equimótica e lacerações ano-rectais, com abundante sangramento espontâneo, que consistiram em perfurações do recto aos 3 e 9 cm.
r) As lesões ano-rectais referidas, sofridas pela ofendida foram consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, descrita na al. n) e demandaram, além do mais, tratamento hospitalar cirúrgico urgente, designadamente, para reparação do esfíncter anal e realização de colostomia, e determinaram, mais de 292 dias de doença, todos com afectação da capacidade para o trabalho em geral (fisiológico), não estando ainda a ofendida curada, na presente data, mantendo, designadamente, incontinência fecal e aguardando a intervenção cirúrgica para reconstrução do trânsito intestinal; s) Ainda como consequência directa das ofensas sofridas veio a ofendida a apresentar sintomatologia ansiosa e depressiva, com amnésia parcial para os factos traumáticos ocorridos.
t) O arguido AA quis manter com a ofendida relações de coito anal assim como sujeitá-la a sevícias sexuais, introduzindo-lhe um objecto perfuro contudente no ânus, contra a vontade da mesma, do que o arguido AA estava ciente, actuando com o propósito de satisfazer a sua lascívia; u) Ao introduzir o objecto perfuro contudente no ânus da ofendida, o arguido AA, representou a possibilidade de vir a provocar-lhe lesões sérias na integridade física da mesma, tendo agido sem se conformar com esse resultado.
v) O arguido BB estava ciente de que as práticas sexuais anais a que o arguido AA submeteu a ofendida, eram contra a vontade da mesma e esteve presente enquanto foram praticadas, nada fazendo para obstar a que o arguido AA as consumasse.
w) Sabiam os arguidos que a ofendida necessitava de tratamento médico urgente face ás lesões que evidenciava; x) Contudo, e procurando esquivar-se à sua responsabilidade, não providenciaram pelo seu socorro; y) Os arguidos agiram sempre voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas descritas condutas são proibidas e punidas por lei.
z) A ofendida veio a ser encontrada, semi-inconsciente, no local referido na al. p), pela madrasta, que a levou até ao andar onde habitavam e após constatar o estado em que a mesma se encontrava, telefonou para o 112, solicitando uma ambulância, a qual veio a comparecer; aa) Após prestados os primeiros socorros à ofendida, os técnicos do INEM transportaram a ofendida ao Hospital Fernando da Fonseca, onde deu entrada, no Serviço de Urgência, pelas 05:20 horas, sendo sujeita à intervenção cirúrgica urgente referida na al. r); bb) A ofendida esteve internada naquele Hospital até 25/01102, passando depois a ser seguida na consulta externa de Cirurgia II e de Psiquiatria do mesmo Hospital.
Do pedido cível, provou-se, ainda, que: cc) Em consequência da actuação de que foi vítima e das lesões ano-rectais que lhe foram causadas, a...
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Acórdão nº 105/06.4GATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2013
...4, 58)» - cf. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 540]. No mesmo sentido vd. , entre outros, os acórdãos do STJ de 31.03.2004 [proc. n.º 04P136] enquanto consigna «Como um dos elementos objectivos do tipo, surge a “grave necessidade”, exigindo tal conceito que se trate de um risco ou......
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