Acórdão nº 854/10.2TJPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução31 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público, instaurou, em 10.5.2010, pelos Juízos Cíveis da Comarca do Porto – 1º Juízo – acção declarativa de condenação – DL.108/2006, de 8.6 – Regime Processual Civil Experimental, – contra: Banco AA, S.A., com sede na Praça …, nº…, Porto.

Pedindo que seja declarada a nulidade da cláusula contratual geral de arredondamento em alta da taxa de juro e que se condene a Ré a abster-se de utilizar a referida cláusula contratual geral em todos os contratos por si comercializados, bem como a dar publicidade a essa declaração de nulidade e proibição e a comprová-la nos autos, em prazo a determinar na sentença, sugerindo que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, pedindo ainda que seja dado cumprimento ao disposto no art. 34º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da sentença para os efeitos previstos na Portaria nº1093/95, de 6 de Setembro.

Alega o Ministério Público, em síntese, que, no exercício da actividade bancária, a Ré dispôs-se a conceder crédito aos seus clientes para compra ou para obras em habitação e que, para viabilizar a outorga do contrato de mútuo entre o cliente e a entidade bancária, a Ré entrega aos clientes, que com ela pretendem contratar, um “contrato-tipo” com a epígrafe “Documento Complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do código do notariado e que faz parte integrante da escritura lavrada em...”.

Alega ainda o Ministério Público que o segmento da cláusula segunda que respeita ao arredondamento “para o quarto percentual superior” da taxa de juro, que consta do impresso e do clausulado pré-elaborado pela Ré e consubstancia uma cláusula leonina, na medida em que se traduz num benefício excessivo para a Ré e, como tal, proibida por força do disposto no art. 19º, al. c), aplicável “ex vi” do art. 20º do DL. nº446/85, de 25 de Outubro.

A Ré contestou alegando, desde logo, que a presente acção, para além de inviável, é inútil por tender a obter um efeito que o Banco já assegurou e que assegurou, sem excepção, a todos os contratos do pretérito.

Alega, no mais, que a cláusula em apreço não constituiu uma cláusula geral a que seja aplicado o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

Acrescenta que, mesmo a poder analisar-se à luz deste regime jurídico, a cláusula não é nula, antes inteiramente legítima e, por isso, válida.

O Ministério Público respondeu alegando, além do mais, que na sequência da decisão que julgar a procedente acção, declarando nula a cláusula objecto dos presentes autos, poderão os consumidores, com referência a cada contrato singular, invocando tal decisão, obter a reposição das quantias indevidamente cobradas pela utilização da referida cláusula.

Oportunamente, foi proferido despacho saneador onde o Tribunal foi tido por competente, o processo por o próprio e as partes por capazes e legítimas.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a pertinente produção de prova.

Foi proferida sentença: “Face ao exposto, julga-se a presente acção procedente e, consequentemente:

  1. Declara-se a nulidade do segmento da cláusula referida na al. f) dos factos acima provados, respeitante ao arredondamento da taxa de juro “para o quarto percentual superior”; b) Condena-se a Ré a abster-se de utilizar o aludido segmento da referida cláusula em todos os contratos por si comercializados e c) Condena-se a Ré a dar publicidade à declaração de nulidade e proibição, no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença, através de publicação em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante 3 dias consecutivos, o que deverá ser comprovado nos autos no prazo de dez dias a contar da última publicação.

    […] Após trânsito, cumpra o disposto no art. 34º do DL. nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo DL. nº220/95, de 31 de Agosto, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da sentença para os efeitos previstos na Portaria nº 1093/95, de 6 de Setembro”.

    *** O Réu, inconformado recorreu per saltum – art. 725º do Código de Processo Civil – para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1) Qualificada à luz da sua natureza jurídica, a acção inibitória analisa-se numa fiscalização preventiva que se consubstancia, nas palavras de Ribeiro de Faria, numa “acção condenatória de prestação de facto negativo” que tem como “efeito directo” a não inclusão em futuros contratos singulares das cláusulas objecto da decisão transitada em julgado; 2) Se o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 23.04.2002 (ver texto), julgou supervenientemente inútil uma acção de inibição em que a Ré, já depois da propositura da causa, eliminou da proposta contratual a cláusula pretensamente nula em obediência a norma regulamentar emanada da tutela, por maioria de razão se deve considerar improcedente uma acção como a presente por nela se pedir a declaração de nulidade de uma cláusula que o Banco Recorrente já havia eliminado de todos os seus contratos, (quer do pretérito, quer do futuro), mais de três anos antes da propositura da própria causa.

    3) Porque o Recorrente foi condenado, nada mais, nada menos, do que a não praticar o que, mais de três anos antes da propositura da acção, já se tinha abstido de praticar, a sentença recorrida não pode manter-se sob pena de violarmos a acção inibitória no que representa a sua própria natureza: ser ela uma acção de fiscalização preventiva; Sem prescindir, 4) Ainda que se afirme que a acção inibitória, em caso de procedência, além de visar a inibição da entidade que utiliza a cláusula contratual geral proibida de o fazer no futuro, tem ainda como objectivo “que a lide pode, em abstracto, surtir efeito útil para qualquer dos contraentes ou partes contratantes eventualmente envolvidos designadamente em litígios do pretérito, que hajam de ser dirimidos com apelo à validade ou nulidades das cláusulas em apreço”, este efeito estaria sempre condicionado àquele efeito primordial e central, não sendo mais do que uma decorrência daquele.

    5) Como se escreveu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 2002, uma acção inibitória nunca poderá ter como causa de pedir a “nulidade de cláusulas incluídas em contratos celebrados antes da decisão da acção inibitória, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 25° e 32° n°2” pois, se a tivesse, estaríamos funestamente a subverter toda a ratio do instituto da acção inibitória; 6) Não se justificando a acção inibitória para efeito de declarar nula uma cláusula que há muito já não existe nos contratos do passado e que há muito foi retirada da proposta dos contratos do futuro, não pode a acção prosseguir com o objecto de discutir em abstracto os “litígios de pretérito que hajam de ser dirimidos com apelo à validade ou nulidade das cláusulas em apreço”; ainda sem prescindir, F) Como ensina o Prof. Calvão da Silva, nas cláusulas de juros com actualizações com arredondamento em alta, o arredondamento constitui “claramente um dos três argumentos conformadores ou integrantes do preço remuneratório do capital emprestado, não disfarçado no biombo de mera operação liquidatária conveniente ou necessária para o cálculo, em termos certos e determinados do juro integrado apenas por indexante indiferencial” (parecer junto aos autos); 8) Porque assim, “as cláusulas em apreço não estão sujeitas ao controlo do conteúdo especialmente previsto nos contratos de adesão pelo Dec. Lei n° 446/85, porquanto relativas à adequação entre o preço ou a remuneração do bem ou serviço (dinheiro) fornecido em contrapartida a definir pelas partes”.

    (id. parecer junto aos autos); 9) Contra o que consta das conclusões anteriores não procede o argumento de que, apesar da sua transparência, a cláusula do arredondamento em alta é nula por violação do princípio geral da boa fé contido no art. 15° do Dec. Lei 446/85 de 25 de Outubro – caminho este que foi o que conduziu, na sentença recorrida, à procedência da acção; 10) É de todos bem sabido que o princípio geral da boa fé, para mais entendido como valor autonomamente fundamentador de uma nulidade, não é ético juridicamente compatível com meras insignificâncias patrimoniais que deixam substancialmente intocado o equilíbrio do contrato: porque assim, uma insignificância no arredondamento da taxa de juro não pode levar ao triunfo da ideia de desequilíbrio que altere de forma desrazoável, como se pode ler na sentença recorrida, o equilíbrio proposto pela ordem jurídico em detrimento da contraparte.

    11) Se aqui e agora viesse o Legislador de 95, seria ele próprio a afirmar publicamente ao mundo que não foi para casos como o dos autos que, através do Dec. Lei 220/95 de 31 de Janeiro, deu à boa fé a que se refere o art. 15° do Dec. Lei 445/85 autonomia como fundamento de nulidade numa acção inibitória.

    12) A sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou o art. 15° do Dec. Lei 446/85 de 25 de Outubro.

    13) O presente recurso deve ser admitido como recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça por se verificarem, como se deixou demonstrado no requerimento de interposição, todos os pressupostos a que alude o art. 725° do Código de Processo Civil: ser o recurso interposto da decisão final, ser o valor da causa superior ao valor da alçada da Relação e suscitarem-se no recurso apenas questões de direito.

    Termos em que, na procedência das conclusões desta alegação, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser o Banco AA absolvido do pedido, com todas as legais consequências.

    O recorrente juntou douto Parecer – fls.319 a 351 verso – da autoria de eminente Professor de Direito.

    O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

    *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir...

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