Acórdão nº 2773/04.2TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução24 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – RELATÓRIO “AA” – Comércio Internacional, Limitada, com sede na Av. M…, nº …, V… N… de F…, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, demandando, com sede no Bahrain, e Banco “CC”, S.A., com sede na Av. da …, nº …, Lisboa, pedindo que: a) seja a primeira ré condenada a reconhecer a existência, na mercadoria por si fornecida à autora, dos defeitos descritos em II (arts. 18º a 49º) e III (arts. 50º a 54º) da petição inicial; b) seja a primeira ré condenada a reconhecer que, face a tais defeitos, está a autora impossibilitada de utilizar a mercadoria adquirida nos termos e para os fins que foram negociados; c) seja a primeira ré condenada a reconhecer que, por virtude dos defeitos da mercadoria por si fornecida, teve a autora os prejuízos elencados em IV (arts. 55º a 72º) da petição inicial e os demais que se apurarão em sede de liquidação de sentença; d) seja a primeira ré condenada no pagamento à autora da quantia de € 67.390,00, correspondente aos prejuízos referidos na al. c) deste pedido, e no pagamento das quantias correspondentes aos prejuízos que se vierem a apurar em sede de liquidação de sentença; e) seja o segundo réu, condenado a pôr termo, definitivamente, a todas as operações de pagamento relativas à carta de crédito documentário irrevogável nº LIC 566/124013, no valor de USD 31.459,53, ordenada pela autora e em benefício da 1ª ré, relativa à factura MTM/EXP/01-2004-00314; f) seja a autora, em consequência, autorizada a proceder ao levantamento da caução bancária por si prestada conforme ordenado nos autos de providência cautelar; g) seja a primeira ré, em qualquer dos casos, condenada no pagamento à autora dos juros devidos, à taxa legal, e desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, contabilizados sobre as quantias peticionadas nas als. c) e d) deste pedido.

Para tanto, alega haver comprado à 1ª ré tela têxtil pelo preço de 73.2000,00 dólares americanos, tendo por sua solicitação, para pagamento, o 2º réu emitido uma carta de crédito documentário irrevogável, que todavia não foi paga por em procedimento cautelar intentado pela autora haver sido ordenado suspender qualquer procedimento tendente a esse pagamento.

Isso, porque, a tela apresentava defeitos que lhe causaram avultados prejuízos, que particulariza, e a 1ª ré ignorou as reclamações apresentadas pela autora.

O Banco réu contestou, impugnando na sua generalidade, por desconhecimento, os factos alegados pela autora, e referindo apenas ter procedido à abertura de um crédito de importação, nesse campo tendo agido com toda a diligencia exigível, e só não pagou por força da decisão proferida no procedimento cautelar, pelo que pede a improcedência da acção no que a si concerne.

Igualmente contestou a ré “BB”, impugnando na generalidade a matéria invocada, alegando, em síntese, que a mercadoria vendida à autora era de boa qualidade, os defeitos reportavam-se a uma pequena quantidade, não se furtou ao contacto com a autora na tentativa de apurar a causa dos defeitos, a natureza irrevogável da carta de crédito emitida pelo banco não permite o cancelamento do pagamento, e deduzindo pedido reconvencional pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de USD 34.592,22, a que devem acrescer juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

A autora replicou mantendo a posição assumida na petição inicial, e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional deduzido.

Elaborado tabelar despacho saneador e condensado o processo, com reclamações parcialmente atendidas, realizou-se a audiência de julgamento.

No decurso deste a autora ampliou o pedido, ao abrigo do disposto no art. 273º do CPC, nos seguintes moldes: - a ampliação do pedido constante das als. c) e d) a final da petição inicial, no que se reporta ao alegado nos n.ºs 58º, 59º, 60º e 61º da petição inicial e constante dos quesitos 41º, 42º, 43º e 44º da base instrutória, de modo a que a 1.ª ré seja condenada no pagamento à autora de todas as indemnizações que esta efectuou aos seus clientes, face aos defeitos apresentados pela mercadoria por ela vendida e para evitar a total devolução da mercadoria expedida àqueles, no montante de € 8493,40 (e não somente € 5000, como antes peticionado e alegado); - a ampliação do pedido constante das als. c) e d) a final da petição inicial, no que se reporta ao alegado no n.º 64º da petição inicial, constante do quesito 47º da base instrutória, de modo a que a primeira ré seja condenada no pagamento à autora da quantia que esta teve de despender para a vistoria exaustiva da tela adquirida à 2.ª ré, no montante de € 8059,92 (e não somente € 6750, como antes peticionado e alegado); - a ampliação do pedido constante das als. c) e d) a final da petição inicial, no que se reporta ao alegado no n.º 71º da petição inicial e constante do quesito 52º da base instrutória, de modo a que seja a 1.ª ré condenada no pagamento à autora de todos os encargos que esta tem de assumir pela prestação de caução bancária, tal como ordenado pelo tribunal, e que totaliza(va) nesse momento, a quantia de € 1 074,50, bem como no pagamento dos demais encargos que entretanto se viessem a vencer até ao levantamento da caução em causa (e não somente € 640, como antes peticionado e alegado).

Concluído o julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu: “

  1. Condenar a ré “BB” a pagar à autora a quantia de € 42.936,51, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

  2. absolver esta ré do restante contra si peticionado.

  3. absolver o réu Banco “CC”, S.A., dos pedidos contra si deduzidos.

  4. absolver a autora do pedido reconvencional contra si deduzido.

    ”.

    Inconformada, apelou a autora sem êxito uma vez que, por unanimidade, a Relação do Porto confirmou a decisão impugnada.

    Mantendo-se inconformada, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, e das alegações que apresentou extraiu as seguintes conclusões: 1.Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (que decidiu julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença de lª instância) porquanto não pode a recorrente conformar-se com o conteúdo desta na parte em que decide, na alínea c) da parte decisória final, absolver o réu Banco “CC”, S.A. dos pedidos contra si deduzidos.

    1. No pedido formulado a final da sua petição inicial a recorrente, entre o mais que ao presente recurso não é pertinente, requereu: Alínea e) do pedido: ser o 2.° R. condenado a pôr termo, definitivamente, a todas as operações relativas à carta de crédito documentário irrevogável n.° LIC 566/124013, no valor de USD 31.459,53, ordenada pela A. e em benefício da 1.ª R, relativo à factura MTM/EXP/01 - 2004 - 00314; Alínea f) do pedido: ser a A., em consequência, autorizada a proceder ao levantamento da caução bancária por si prestada conforme ordenado nos autos de providência cautelar.

    2. Porém, na douta sentença recorrida e agora confirmado pelo TRP, foi decidido, neste particular assunto e na matéria ora em relevância: absolver o Banco “CC”, S.A., dos pedidos contra si formulados.

    3. No recurso de apelação ora posto em crise, entendeu o Tribunal da Relação que a questão a resolver em sede de recurso se resume ao seguinte, a saber: (cfr. pág 7 do acórdão do TRP) "Assente que o pagamento do preço da compra e venda celebrada entre a autora e a 1ª ré seria feito através de crédito documentário irrevogável e que essa ré (vendedora) cumpriu defeituosamente a sua pretensão contratual, discute-se no recurso se este cumprimento é susceptível de integrar fraude por parte desta (beneficiária) e de obstar a que a 2.ª ré (banco emitente) proceda ao pagamento a que se obrigou no âmbito daquela operação de crédito." 5. O 2.° R., no âmbito da sua actividade, desenvolveu diligências relativas à carta de crédito documentário irrevogável n.° LIC 566/120413, no valor de USD 31.459,53, ordenada pela A. e em benefício da l.ª R., relativo à factura MTM/EXP/01 - 2004 - 00314.

    4. Relativamente a tal factura e à mercadoria constante da mesma (vendida pela l.ª R. à A.), se constatou a existência de defeitos vários e que levaram, nos presentes autos, à condenação daquela l.ª R no pagamento à A. de quantia indemnizatória.

    5. Assim, não há qualquer razão, de facto ou de direito, que justifique, neste momento, que o 2.° R. mantenha as operações bancárias relativamente a tal factura e respectiva carta de crédito.

    6. E, no caso concreto, crê-se estar perante uma situação factual que consubstancia a hipótese de fraude do beneficiário na medida em que o mesmo vendeu mercadoria que apresenta evidentes defeitos (conf. 14) dos factos provados) 9. De facto, a l.ª R. obrigada pela celebração de um contrato de compra e venda com a A. acaba por não cumprir com o mesmo na medida em que vende mercadoria não apta para o efeito contratado e fazendo repercutir na A. todos os efeitos nefastos (prejuízos) de tal inaptidão da mercadoria.

    7. Assim, é lícito à A. sustentar a possibilidade legal de invocar tais argumentos com vista a afectar aquela obrigação de pagamento pelo emitente ao beneficiário.

    8. O que consegue, precisamente, com a procedência da alínea e) do pedido formulado pela recorrente e na medida em que for o 2.° R. condenado a pôr termo, definitivamente, a todas as operações de pagamento relativas à carta de crédito em causa.

    9. E, nessa medida, deverá também a A., ora recorrente, ser autorizada a proceder ao levantamento da caução bancária que oportunamente foi por si prestada.

    10. Acresce que, no nosso entender, a irrevogabilidade do crédito documentário depende - como não poderia deixar de ser - do cumprimento do contrato-base.

    11. Só assim se poderá compreender a essência deste crédito documentário irrevogável. A irrevogabilidade do crédito realizado depende do cumprimento total (e não parcial ou defeituoso) do contrato-base.

    12. O cumprimento parcial ou defeituoso do contrato-base tem de legitimar - só por si - a possibilidade...

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