Acórdão nº 855/05.2TAALB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução17 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. - Relatório.

    Em desavença com o julgado proferido pelo tribunal da Relação de Coimbra que, na improcedência do recurso interposto da decisão proferida no juízo de grande instância cível da comarca do Baixo Vouga, manteve a decisão aí proferida a desatender a pretensão impelida pelos AA./recorrentes, AA, BB e “Clínica Médico-Cirúrgica de CC, Lda.” para que o Réu, DD fosse condenado a pagar a quantia de “[…] € 145.252,29, acrescida de juros vencidos desde 31 de Janeiro de 2005, somando até 30-06-2005 o montante de € 4.206,35, e vincendos, à taxa legal, desde 18-04-2005, até efectivo pagamento”, recorrem os AA. dessumindo das alegações o sequente quadro conclusivo: “

    1. O enquadramento jurídico a ser feito da factualidade dada como provada partirá da resposta à questão de saber a quem deve ser imputada a decisão de efectuar as obras em causa, se aos 1° e 2° AA. (agindo em nome próprio) se à 3ª A. (através dos seus sócios gerentes, o 1° e 2° AA.

    B) Só podem ser dados como provados factos e não ilações e/ou qualificações jurídicas.

    C) Que alguém actuou como gerente de uma sociedade (e não em nome próprio) será, quando muito, uma ilação, que se pode (ou não) retirar de determinados factos, mas, não é um facto.

    D) Mais que uma ilação, o entendimento de que os primeiro e segundo os AA. actuaram, em relação à decisão de, efectuar as obras em causa, como gerentes da terceira A. [e não em nome próprio] constitui uma qualificação jurídica da respectiva actuação, que foi determinante na decisão da causa pelo tribunal a quo.

    E) Os factos provados que relevam para a apreciação da questão identificada em A) destas conclusões são apenas dois: as afirmações do Réu DD, no seu depoimento de parte e, mais importante, o documento cujo conteúdo foi dado como provado em g).

    F) Perante estes factos, nenhuma dúvida haverá em que qualificar a actuação dos primeiros e segundo AA: eles decidiram a realização das obras em causa em nome pessoal, agindo na qualidade de proprietários do prédio em questão, como deixaram expressamente afirmado em tal documento G) Deveria ter sido adequadamente valorado o seguinte facto (notório, porque decorre das regras da experiência comum): nenhuma sociedade decidiria fazer obras de tal monta em edifício alheio sem ter um contrato que, por alguma forma, assegurasse os seus direitos, nomeadamente o de permanecer no local durante determinado período de tempo. H) A única razão explicativa da realização de tais obras é o facto de os primeiro e segundo AA. e o Réu serem os comproprietários do prédio em questão.

    I) Se se entender, como fez o Tribunal recorrido, que a decisão de realização das obras em causa é de imputar à terceira A. o certo é que o Acórdão recorrido continua viciado por erro de direito. J) O erro do Tribunal a quo é o seguinte: a aquisição da propriedade, por via da acessão imobiliária, não é “automática”, não opera ope legis, pois depende da vontade daquele que o pode exercer.

    K). A acessão imobiliária industrial confere ao possuidor, em certas circunstâncias, o direito potestativo de adquirir o imóvel em causa, o que, constitui, hoje em dia, doutrina e jurisprudência pacíficas.

    1. Seria absurdo entender que aquele que, tendo o direito a adquirir a propriedade por acessão, não o quer ou não o pode fazer (nomeadamente por falta de recurso económicos para o pagar ao Réu, a sua quota no valor do prédio antes das obras) ficaria desprovido de quaisquer direitos decorrentes das obras efectuadas.

      M) Estamos colocados perante uma lacuna do nosso sistema normativo, como sustenta Oliveira Ascensão (Acessão, Coimbra, Coimbra. Editora, 1992, p. 131).

      N) A solução analógica parece ser evidente: aquele que realiza benfeitorias em prédio alheio que conferem o direito de acessão, mas não pretende ou não pode exercer tal direito, deve ser tratado da mesma forma que aquele que, em prédio alheio realiza benfeitorias que não conferem direito à acessão.

      O) As obras realizadas pela terceira A. são inquestionavelmente benfeitorias úteis.

      P) A terceira A. – como bem conclui o Tribunal a quo – deve ser considerada como tendo actuado de, boa-fé em relação a todas as obras efectuadas, Q) Ficou provado que, para além das obras de construção civil, também os equipamentos instalados se integraram no prédio (ou seja nenhuma das obras pode ser levantada sem detrimento do prédio).

      R) Nestas condições, a terceira A. tem o direito de ser indemnizada pelo Réu no valor do custo de tais benfeitorias, tal como peticionado.

      S) Assim não se entendendo, estaríamos colocados perante uma situação de enriquecimento sem causa, como também foi peticionado, T) Estão provados todos os pressupostos legais do enriquecimento sem causa: enriquecimento do Réu (só este está em causa no presente processo) à custa da terceira A., sem causa justificativa.

      U) Relativamente ao enriquecimento sem causa do Réu, o conjunto das obras efectuadas constitui uma unidade, ainda que com execução faseada no tempo, execução essa que terminou em 2003.

      V) Ficou dado comprovado, ainda que instrumentalmente, que só em 27/10/2008 é que o credor (a terceira A.) teve conhecimento da extensão direito que lhe compete (com base no instituto do enriquecimento sem causa), pois só então soube que tinha direito a obter do Réu a quota parte deste naquilo que ela (3ª A.) gastou com as obras e não um valor menor (o do locupletamento do Réu). W) Mesmo relativamente à primeira fase das obras (realizadas em 1996/1997) não ocorreu, pois, a prescrição do artigo 482.º do Código Civil, guê o Réu havia invocado, X) Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido e decidido, em resultado de qualquer dos enquadramentos jurídicos possíveis dos factos provados atrás referidos ou de outro que resultar do douto suprimento de V. Exas. Deve o Réu ser condenado a pagar à 3ª A. a quantia de € 145.233,52 (50% do custo, provado, da totalidade das obras), acrescido de juros, á taxa legal desde 01/02/2004 (ver I) dos factos provados).

      Y) Assim não se entendendo, deverá ser declarado que, até ao exercício da acessão existem duas propriedades separadas, uma do edifício e outra da obra nela incorporada sendo que a 3ª R. é proprietária das obras em causa nos presentes autos.” Na resposta, inconclusiva, o recorrido, DD, itera a desrazão dos fundamentos que escoram o recurso interposto pelos AA.

      I.A. – Elementos úteis para a decisão (Antecedentes processuais).

      1. AA, BB e Clínica Médico-Cirúrgica de CC, Ldª, todos com domicílio no Largo 5 de Outubro, Edifício Dr. ..., CC, Albergaria-a-Velha, instauraram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra DD, com domicílio na Avenida Dr. ..., nº …, 1º …, …, alegando - em resumo ‑, que os dois primeiros AA. e o R. são irmãos, todos eles médicos, sendo aqueles sócios da 3.ª A. e os três irmãos comproprietários de um prédio urbano destinado a consultório médico e casa de saúde, denominado Edifício Dr. ..., sito em CC.

      Neste edifício o pai de todos eles exerceu a actividade médica, que estes aí prosseguiram, embora actualmente de forma separada, aqueles actuando sob a firma da sociedade A. e o último sob a firma de outra sociedade.

      Tendo-se tornado necessária a realização de obras em tal prédio para cumprimento dos requisitos legais, o que foi decidido pelos três, as mesmas foram levadas a cabo, com a remodelação do edifício e aplicação de vários equipamentos, vindo depois ainda a ser realizadas outras obras, dando continuidade às anteriores, sendo no entanto que o Réu se afastou entretanto desse processo, por desinteligências com os AA..

      Devendo todos os comproprietários – mais aduzem –, contribuir financeiramente para tais obras levadas a cabo no prédio e equipamentos aí incorporados, cujas despesas foram realizadas em nome da 3.ª A, está o R. obrigado a suportar a sua quota-parte, o que ainda não fez, além de que as mesmas aumentaram o valor do seu património.

      E assim travejados, concluem pedindo a condenação do R. a pagar aos AA. a quantia de € 145.252,29, acrescida de juros vencidos desde 31 de Janeiro de 2005, somando até 30-06-2005 o montante de € 4.206,35, e vincendos, à taxa legal, desde 18-04-2005, até efectivo pagamento (fls. 2 a 12).

      O R. contestou, admitindo alguns dos factos e impugnando outros, designadamente parte das obras e aquisição de equipamentos que os AA. dizem ter efectuado, bem como o seu custo, alegando ainda ‑ também em síntese -, que as mesmas foram decididas e pagas pela sociedade A. em vista a melhorar as condições para a actividade desta, cujo edifício ocupa quase na totalidade, discordando ele da maior parte das mesmas, sendo que não é licenciável a unidade de saúde que aí os AA. pretendem instalar, pelo que as despesas em obras foram um gasto inútil, resultando do alegado na petição a ilegitimidade dos dois primeiros AA. e a manifesta improcedência do pedido relativamente à 3.ª A., além de que sempre terão de haver-se por prescritos os créditos anteriores a 13 de Julho de 2002, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos.

      Os AA. replicaram, sustentando que o uso do prédio pela sociedade Autora é autorizado pelos outros dois AA., sendo aquela a firma sob a qual exercem a sua actividade e as ditas obras necessárias para aí continuar a ser praticada a medicina, as quais foram aprovadas pelos comproprietários, sendo falso que aquela sociedade se tenha comprometido a suportar o custo das obras, nas quais o R. consentiu, além de que o edifício é licenciável e foi valorizado com as mesmas, sendo eles parte legítima, na qualidade de comproprietários do imóvel, e não ocorreu a prescrição, por ser aplicável o prazo ordinário, concluindo como na petição.

      Foi proferido despacho saneador, em que, entre o mais, se afirmou a legitimidade dos dois primeiros AA., decisão da qual o R., tendo interposto e tramitado o competente recurso de agravo, já nesta Relação, na qualidade de Apelado, veio manifestar o seu desinteresse na apreciação do mesmo. Ainda em sede desse despacho saneador, foi...

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